Opinião

Processo legal e transparência: pena de perdimento ganha nova versão

Autor

  • Nilton André Sales Vieira

    é sócio fundador do escritório especializado em Direito Tributário e Aduaneiro Sales Vieira e especialista em Direito Tributário pela Universidade da Região de Joinville (Univille) e em Gestão Empresarial pela Fundação Dom Cabral.

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19 de setembro de 2023, 21h17

O Direito Aduaneiro, pilar fundamental para a regulação do comércio exterior, tem se adaptado continuamente às demandas de um mundo globalizado. Uma das ferramentas mais discutidas e revisadas dentro deste campo é a pena de perdimento.

A pena refere-se à sanção aplicada em casos de irregularidades graves, como contrabando, descaminho e falsificação de documentos etc. Essa penalidade culmina na perda definitiva de mercadorias, veículos ou moedas em favor da União.

Antes da Lei nº 14.651/2023, recentemente publicada, o procedimento para a aplicação da pena de perdimento concedia às partes um prazo de 20 dias para contestação. Contudo, a ausência de um mecanismo de recurso na legislação anterior era uma lacuna significativa. Essa restrição era frequentemente criticada e vista como uma violação ao devido processo legal, um direito fundamental consagrado na Constituição Brasileira.

O devido processo legal serve como uma salvaguarda contra ações arbitrárias ou injustas por parte do Estado. Esse princípio reforça a confiança dos cidadãos no sistema jurídico, garantindo que a privação da propriedade ocorra somente em circunstâncias legítimas e seguindo os trâmites legais apropriados.

Vale ressaltar o contraste entre os conceitos de propriedade e perdimento: o direito constitucional de propriedade protege o direito individual de possuir e usar bens, enquanto a pena de perdimento, no âmbito aduaneiro, serve como mecanismo de controle e sanção, assegurando a observância das leis e regulamentos aduaneiros.

Esse dilema sublinha a importância de um sistema processual administrativo que esteja em consonância com a legalidade quando se trata de perdimento de bens e mercadorias.

Sob essa ótica, a Portaria MF 1.005/23, publicada em 28 de agosto deste ano, regulamenta a Lei 14.651/23. Dentre suas diversas disposições, é relevante destacar a criação do Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul), concebido como uma instância de julgamento de recursos administrativos. Embora represente um avanço significativo em direção ao devido processo legal, sua composição limita-se a representantes da Receita Federal.

Esse aspecto merece reflexão. A Convenção de Quioto Revisada (CQR), um instrumento internacional criado pela Organização Mundial das Aduanas (OMA) com o objetivo de padronizar e simplificar procedimentos aduaneiros, enfatiza a importância de recorrer a uma autoridade independente da administração aduaneira em casos de indeferimento de um requerimento.

A configuração atual do Cejul sugere que o Brasil pode não estar em total conformidade com as diretrizes da CQR/OMA. Essa observação ganha destaque quando consideramos que o propósito central da referida Lei é consolidar a confiança no sistema responsável pela aplicação da pena de perdimento.

A adoção de sessões de julgamento não presenciais, seja por videoconferência ou em ambientes virtuais, conforme previsto no artigo 40 da Portaria MF 1.005/23, é uma inovação significativa que reflete a necessidade de adaptação ao cenário atual.

É importante destacar também a Portaria RFB nº 348, de 01 de setembro de 2023, que, ao regulamentar o funcionamento do Cejul, estabelecido pela Portaria MF 1.005/23, introduz a opção de sustentação oral nas sessões de julgamento através do envio de vídeos de até dez minutos. Tais medidas, ao otimizar a logística e eliminar obstáculos geográficos, contribuem para a redução de custos e garantem maior rapidez e eficiência nos julgamentos.

Além disso, a Portaria (MF 1.005/23) determinou prazos específicos, de 90 dias, para a emissão de decisões ou para a inclusão de processos em pauta, conforme descrito no artigo 41 Portaria MF 1.005/23. Estipulando um intervalo de tempo adequado para deliberações, combate-se a lentidão processual e assegura-se a celeridade na análise dos casos, favorecendo todos os interessados.

A rapidez nos procedimentos, mais do que um direito das partes envolvidas, sinaliza a contemporaneidade e a capacidade de adaptação do sistema de justiça à realidade vigente.

O artigo 39 da Portaria MF 1.005/23 representa um marco progressivo. Ele estabelece a obrigatoriedade de divulgar o ementário dos acórdãos no site oficial da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, democratizando e ampliando o acesso à informação. Com isso, decisões que anteriormente eram de difícil consulta agora estarão centralizadas em uma única plataforma.

Essa centralização simplifica a busca e análise para contribuintes e especialistas, garantindo também uniformidade nas decisões do Cejul, ao criar um registro transparente de precedentes. A clareza nas informações não apenas reforça a confiança no sistema, mas também evidencia o comprometimento da Receita Federal em ser transparente e responsável, fortalecendo sua relação com os contribuintes.

A Lei nº 14.651/2023 reflete o compromisso do Brasil em harmonizar seu direito aduaneiro aos princípios constitucionais e às orientações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela enfatiza a importância do devido processo legal, da agilidade processual e da transparência nas decisões.

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  • é sócio fundador do escritório especializado em Direito Tributário e Aduaneiro Sales Vieira e especialista em Direito Tributário pela Universidade da Região de Joinville (Univille) e em Gestão Empresarial pela Fundação Dom Cabral.

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