Opinião

Embargos e o prazo para impugnar o cumprimento de sentença pelo devedor

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18 de setembro de 2023, 17h17

Em um caso hipotético, o autor "A" propôs ação de cobrança postulando a condenação do réu "B" ao pagamento do valor de R$ 30 mil.

Após a apresentação de contestação pelo réu "B" e a realização da instrução processual, o magistrado proferiu sentença extinguindo o processo, com resolução do mérito, por acolhimento do pedido formulado na ação, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil [1], e condenou o réu "B" ao pagamento do valor de R$ 30 mil ao autor "A".

O réu "B" não interpôs recurso em face da sentença proferida pelo magistrado na fase de conhecimento, a qual transitou em julgado.

Ato contínuo, o autor "A" promoveu cumprimento de sentença que reconheceu a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa em face do réu "B", para o recebimento do valor de R$ 30 mil.

Com fundamento nos artigos 523 e 525 do Código de Processo Civil, o magistrado intimou o réu "B" para o pagamento do valor de R$ 40 mil ao autor "A", no prazo de 15 dias, ressalvando que transcorrido o prazo sem o pagamento voluntário, iniciar-se-ia o prazo de 15 dias para que o réu "B", independentemente de penhora ou nova intimação, apresentasse impugnação ao cumprimento de sentença.

Recebida a intimação, o réu "B", com fundamento no artigo 1.022, inciso III, do Código de Processo Civil, opôs embargos de declaração, alegando que havia erro material na decisão proferida pelo magistrado que determinou ao réu "B" o pagamento do valor de R$ 40 mil ao autor "A", no prazo de quinze dias, pois na fase de conhecimento foi prolatada sentença, transitada em julgado, condenando o réu "B" ao pagamento do valor de R$ 30 mil ao autor "A".

Sessenta dias após à data da oposição dos embargos de declaração pelo réu "B", o magistrado proferiu decisão negando provimento ao recurso, com fundamento em ausência de erro material na decisão embargada.

Como havia transcorrido o prazo para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença pelo réu "B", o magistrado, com base no efeito interruptivo dos embargos de declaração, previsto no artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil, reabriu o prazo para que o réu "B" apresentasse impugnação ao cumprimento de sentença.

Agiu corretamente o magistrado ao reabrir o prazo para que o réu "B" apresentasse impugnação ao cumprimento de sentença, após o julgamento dos embargos de declaração?

O artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil prevê que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.

A interpretação extensiva somente pode ser empregada quando houver carência de amplitude de lei, ou seja, na hipótese de a norma não abranger o necessário para atender ao caso concreto.

Com efeito, a interpretação extensiva é uma técnica interpretativa na qual o operador do Direito amplia o sentido da norma para alcançar uma situação que, em princípio, não seria seu objeto.

Nessa ordem de ideias, a interpretação extensiva não cria direito novo, mas identifica o verdadeiro alcance do conteúdo da lei, o qual não se encontra expresso no texto normativo.

Destaca-se que a interpretação extensiva é aplicada sobre um preceito normativo, com a finalidade de alcançar casos não expressos na lei, mas que nela se encontram virtualmente, concedendo o mais amplo raio de ação possível à norma.

Ora, não é possível empregar interpretação extensiva para ampliar a regra prevista no artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil, relativamente ao efeito interruptivo dos embargos de declaração.

Do termo "recurso", previsto no artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil, não é possível extrair o termo "impugnação ao cumprimento de sentença", sob pena de o Poder Judiciário usurpar função típica do Poder Legislativo.

O rol de recursos, estabelecido no artigo 994 do Código de Processo Civil, é taxativo.

Desse modo, o rol de recursos, por ser taxativo, não admite interpretação extensiva do texto normativo, pois deve haver previsibilidade e coerência na aplicação da lei, em respeito à segurança jurídica e à hermenêutica das normas processuais.

No mesmo sentido, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.822.287-PR, realizado em 06 de junho de 2023, firmou o entendimento de que os embargos de declaração apenas interrompem o prazo para a interposição de recurso, não sendo possível empregar interpretação extensiva ao artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil para estender o significado de recurso às defesas ofertadas pelo devedor:

"RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTEMPESTIVIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO. DEFESA DO DEVEDOR. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Os embargos de declaração interrompem o prazo apenas para a interposição de recurso, não sendo possível conferir interpretação extensiva ao art. 1.026 do CPC/2015 a fim de estender o significado de recurso às defesas ajuizadas pelo executado. 2. Recurso especial a que se dá provimento para julgar intempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença. (STJ, REsp: 1822287 PR 2019/0179042-0, Relator: ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 06/06/2023, T4 – 4ª TURMA, Data de Publicação: DJe 03/07/2023)" [2]

No caso hipotético, o magistrado agiu incorretamente ao reabrir o prazo para que o réu "B" apresentasse impugnação ao cumprimento de sentença, após o julgamento dos embargos de declaração.

Isso porque os embargos de declaração somente interrompem o prazo para a interposição de recurso, nos termos do artigo 1.026, "caput", do Código de Processo Civil, e não para a apresentação de outras defesas pelo devedor, conforme o entendimento firmado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.822.287-PR.

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