Conheça as interpretações do STJ sobre o instituto da interdição de uma pessoa
17 de setembro de 2023, 9h26
A confirmação de que uma pessoa adulta não tem mais a capacidade de gerenciar os atos de sua vida civil é um momento familiar doloroso, que também envolve muitas complicações jurídicas. O tema é de avaliação obrigatória pelo Judiciário, responsável por decidir sobre a interdição ou não de uma pessoa. Em razão de sua complexidade, muitos processos sobre o assunto acabam chegando ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A análise judicial — que ganhou novos contornos após a publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 2015 — tem dois momentos principais: a interdição, em que se avalia a real incapacidade para a gestão da vida civil, e a curatela, instrumento pelo qual uma pessoa (ou mais de uma) se torna responsável por acompanhar o interditado e gerir suas rendas e seu patrimônio.

O papel do MP como defensor do curatelando
Uma questão que ainda gera posições divergentes no tribunal diz respeito à atuação do Ministério Público (MP) em defesa dos interesses do curatelando.
Em dezembro de 2019, a 3ª Turma, por maioria, julgando processo que tramitou em segredo, decidiu que a atuação do MP como fiscal da ordem jurídica, em ação de interdição da qual não é autor, impede que ele atue, simultaneamente, como defensor do curatelando.
No processo, uma mulher pediu a interdição de sua irmã. Não havia Defensoria Pública na comarca, e as instâncias ordinárias indeferiram o pedido do MP para que fosse nomeado curador especial, ao fundamento de que tal papel poderia ser desempenhado pelo próprio órgão ministerial, uma vez que a Constituição permite que ele exerça outras funções que não sejam incompatíveis com a sua finalidade.
A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou a existência de uma antinomia entre a função de fiscal da lei e os interesses particulares envolvidos. Segundo ela, a cumulação de funções pelo MP pode levar à prevalência de uma em detrimento da outra, o que seria contrário aos valores que o legislador visava resguardar ao estabelecer regras especiais para o processo de interdição.
No caso de não haver Defensoria Pública estadual em determinada comarca para exercer a curadoria especial, a ministra afirmou que essa ausência deve ser suprida conforme as normas locais de organização e funcionamento do órgão e, "na impossibilidade de tal suprimento, há de ser designado advogado dativo".
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No mesmo mês, dezembro de 2019, a 4ª Turma, invocando precedentes, reafirmou que, "nos procedimentos de interdição não ajuizados pelo Ministério Público, cabe ao órgão ministerial defender os interesses do interditando". Para o colegiado, "a designação de curador especial pressupõe a presença de conflito de interesses entre o incapaz e o representante legal" — situação não verificada no caso em julgamento, que também tramitou em segredo judicial.
O recurso do MP era contra acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), o qual considerou indispensável a intimação do órgão para representar o interditando e desnecessária a nomeação de curador especial para exercer a mesma função. De acordo com o MP, sua atuação como representante judicial do suposto incapaz seria inviável desde a promulgação da Constituição de 1988, e o exercício da curadoria especial caberia à Defensoria Pública.
Por considerar que o acórdão do TJ-BA estava em consonância com entendimentos do STJ, a Quarta Turma confirmou a decisão monocrática do relator, ministro Marco Buzzi, que havia mantido a inadmissão do recurso especial do MP.
Sentença de interdição não afeta atos anteriores do interditado
Ao julgar o AgInt nos EDcl no REsp 1.834.877, de relatoria do ministro Raul Araújo, a 4ª Turma reafirmou o entendimento de que a sentença de interdição possui natureza constitutiva, pois, além de declarar uma incapacidade preexistente, ela constitui uma nova situação jurídica, de sujeição do interditado à curatela, com efeitos ex nunc.
No caso julgado, um idoso firmou contrato de cessão de crédito em favor de três pessoas. Após a morte do cedente, o espólio afirmou que ele não tinha capacidade mental suficiente para celebrar o negócio, devido à idade avançada e a graves problemas de saúde — o que, inclusive, ensejou sua interdição.
O espólio alegou ainda que houve dolo por parte dos cessionários, que teriam se aproveitado da situação do idoso para comprar, por apenas R$ 200 mil, um precatório avaliado em quase R$ 1 milhão. O TJ-SP negou provimento ao recurso do espólio.
No STJ, o ministro Raul Araújo apontou que, conforme consta nos autos, o cedente não aparentava distúrbio mental e estava lúcido à época da negociação, não havendo demonstração inequívoca de que já fosse incapaz naquele momento.
Para o relator, o entendimento do TJ-SP, de que a superveniência de incapacidade não afeta a validade dos contratos firmados anteriormente, estava em consonância com a jurisprudência do STJ, a qual prevê que a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, tem efeitos ex nunc. Com informações da assessoria do STJ.
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