Opinião

Tributação do ganho de capital de estrangeiras na alienação societária

Autores

  • Guilherme Henrique Martins Santos

    é advogado e sócio de Mazzucco&Mello Sociedade de Advogados especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor jurídico da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico.

  • João Pedro Riccioppo Cerqueira Gimenes

    é advogado de Mazzucco & Mello Sociedade de Advogados pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

15 de setembro de 2023, 7h09

A tributação dos ganhos de capital auferidos na alienação de participações societárias, a despeito de regulamentada há décadas, permanece suscitando controvérsias nos tribunais administrativo e judiciais.

O tema ganha contornos ainda mais incertos quando o adquirente é residente no exterior. Uma das controvérsias existentes sobre o assunto — e que aqui se pretende analisar  diz respeito à base de cálculo do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e a influência (ou não) da variação cambial (positiva ou negativa) sobre sua apuração.

A legislação brasileira estabelece a equiparação do tratamento fiscal dos ganhos de capital auferidos por residentes brasileiros e não residentes ("empresas estrangeiras"). Isto é, nos termos do artigo 18 da Lei nº 9.249/95, o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no Brasil.

Trazendo maior esclarecimento sobre o alcance do referido dispositivo, a Instrução Normativa SRF nº 208/2002 estabeleceu em seu artigo 26 que "a alienação de bens e direitos situados no Brasil realizada por não-residente está sujeita à tributação definitiva sob a forma de ganho de capital, segundo as normas aplicáveis às pessoas físicas residentes no Brasil".

Pelos citados dispositivos, nota-se que o Brasil optou por adotar o modelo de tributação pela fonte de produção [1], de modo que é devido o IR sobre o ganho de capital contanto que o bem ou direito alienado esteja localizado no território brasileiro, ainda que o adquirente não seja aqui residente.

Tal situação também implicou no questionamento sobre a atribuição da responsabilidade pelo pagamento do imposto, em especial nas hipóteses em que o adquirente não está localizado no Brasil. Nesse sentido, o artigo 26 da Lei nº 10.833/03 [2] e o artigo 21, §4º, inciso II, da Instrução Normativa RFB nº 1.455/2014 atribuem ao procurador do adquirente estrangeiro a responsabilidade pelo recolhimento do Imposto de Renda sobre o ganho de capital.

De modo geral, pode-se dizer que a consequência direta da equiparação do tratamento fiscal é a redução da alíquota do imposto de renda sobre o montante do ganho de capital, a ser determinada a partir da tabela progressiva de 15% a 22,5%, nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.981/95 e também do artigo 21 da Instrução Normativa da RFB nº 1455/2014.

Convém ressaltar que caso o beneficiário seja residente em país com tributação favorecida, a alíquota aplicada será de 25%, nos termos do artigo 47 da Lei n° 10.833/03.

Base de cálculo
C
usto de aquisição e alienação, e a problemática da tributação da variação cambial
Do ponto de vista conceitual, o ganho de capital será determinado pela diferença positiva entre o valor da alienação e o custo de aquisição do bem ou direito, nos termos do artigo 3º, §2º, da Lei nº 7.713/88 e mais recentemente pelo artigo 26, §1º, da IN SRF nº 208/2002.

Nesse contexto, a definição da escolha da moeda, estrangeira (por exemplo, o dólar americano) ou nacional (real) é relevante. Diversas empresas questionam qual moeda deveria ser utilizada na determinação do custo de aquisição e de alienação, bem como qual seria o momento da conversão cambial, para fins de definição do ganho de capital tributável pelo imposto de renda no Brasil.

Verifica-se que o principal suporte legal veio, em um primeiro momento, com a publicação da Portaria MF nº 550, de 03 de novembro de 1994. Nesse contexto, os artigos 2º e 3º da referida Portaria, que exercem fundamental delimitação e orientação sobre o tema, dispõem o seguinte:

"Artigo 2º O ganho de capital corresponderá à diferença positiva, apurada em moeda estrangeira, entre o valor da alienação, redução do capital ou liquidação e o custo de aquisição da participação societária.
§1º Para efeito de determinação do ganho de capital a que se refere este artigo, o valor de alienação, redução de capital ou liquidação deverá ser convertido em moeda estrangeira, tomando-se por base a taxa de câmbio fixada para venda, no dia da operação, ou na data do balanço de encerramento da empresa, no caso de liquidação.

§2º Consideram-se como custo de aquisição os valores em moeda estrangeira constantes dos itens Investimento e Reinvestimento do certificado de registro de capital estrangeiro emitido pelo Banco Central do Brasil, observado o disposto no art. 5º desta Portaria.
Artigo 3º A base de cálculo será determinada mediante a conversão do ganho de capital para reais, com base na taxa de câmbio fixada para venda no dia da operação."

Extrai-se que a solução dada pela referida Portaria é no sentido de que o ganho de capital corresponderá à diferença positiva, apurada em moeda estrangeira (dólar dos Estados Unidos), entre o custo de aquisição e o valor de alienação.

Posteriormente, tal solução foi acolhida pelo artigo 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Raphael Assef Lavez interpretou a situação da seguinte forma:

"A solução dada pela Portaria MF nº 550/94 foi acolhida pelo artigo 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, o qual, por disciplinar o regime das pessoas físicas residentes, igualmente é aplicável aos não residentes por força do artigo 18 da Lei nº 9.249/95. De acordo com o dispositivo, tratando-se de bens e direitos adquiridos com recursos originariamente auferidos em moeda estrangeira, o ganho de capital corresponderá à diferença positiva, em moeda estrangeira, entre o custo de aquisição e o valor de alienação. Após, confrontados os valores, a diferença será convertida para reais na data da operação de alienação – ou seja, a variação cambial do custo de aquisição não estaria sujeita à tributação." [3]

Assim,  o valor de alienação deveria ser convertido em moeda estrangeira com base no câmbio fixado para venda no dia da operação. Após confrontados os valores, a diferença seria convertida para reais na data da operação de alienação. A consequência da adoção da referida metodologia é o afastamento dos impactos decorrentes da variação cambial na composição do ganho de capital.

Entendimento da Receita Federal do Brasil
A Receita Federal tem exigido a inclusão da variação cambial do custo de aquisição no cálculo do ganho de capital auferido por residentes no exterior ("empresa estrangeira"), ainda que as ações (ou participações societárias) tenham sido adquiridas com recursos originalmente em dólares.

Sobre o assunto, a RFB se posicionou, inicialmente, por meio da Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 79/07 [4] e, posteriormente, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 88/2017:

"Cabe ao adquirente, empresa incorporadora das ações, a retenção e o recolhimento do imposto de renda devido sobre o ganho de capital obtido na operação de incorporação de ações, sob o código 0473, quando da aprovação definitiva da operação de incorporação de ações.
O imposto será calculado sobre o ganho de capital obtido, que corresponde à diferença positiva entre o valor das ações emitidas pela empresa incorporadora no Brasil em reais e o custo de aquisição em reais das ações transferidas pela pessoa, física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior."

Segundo tal entendimento, o ganho de capital será determinado pela diferença positiva entre o valor de alienação (em reais) e o custo de aquisição (em reais) do bem. O resultado é a aplicação sobre o custo duas taxas de câmbio distintas, pela inclusão da variação cambial no cálculo do ganho de capital.

Entendimento do Carf
Embora o tema tenha sido analisado poucas vezes no âmbito do Carf, pode-se dizer que tem prevalecido o entendimento de que a variação cambial não deve ser computada na apuração do ganho de capital auferido por residentes no exterior.

Entre as decisões favoráveis, destacamos o Acórdão nº 2201-002.765 [5] (publicado em 26/2/2016):

"Correta a aplicação de duas formas de atualização do custo de aquisição para fins de apuração de ganho de capital de domiciliados no Exterior, quando, na alienação de participação societária, restar comprovado que somente parcela do investimento alienado foi adquirida em moeda estrangeira e está devidamente registrada no Bacen, sendo, assim, passível de correção cambial. À parcela adquirida em moeda nacional aplicável tão somente a correção monetária até 31/12/95. (…)."

Neste caso, em suma, é possível verificar que para cada hipótese de operação de aquisição (seja em moeda estrangeira ou nacional), o contribuinte terá formas diferentes de cálculo e apuração do ganho de capital, inclusive quando parte do custo de aquisição se deu em moeda estrangeira e parte em reais, por exemplo.

A partir do voto do relator, o conselheiro Heitor de Souza Lima Junior, é possível extrair que se tratam de procedimentos notoriamente excludentes: "ou se apura o custo de aquisição em moeda nacional, ou, alternativamente, se apura o mesmo em moeda estrangeira, restringindo-se este último procedimento aos bens ou direitos adquiridos com rendimentos originariamente auferidos em moeda estrangeira".

Para se chegar a tal conclusão, o relator utilizou os termos da Portaria MF nº 550/1994 e assim interpretou: "(…) onde se determina que, para bens ou direitos adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira, o custo do bem ou direito será computado em moeda estrangeira, com o ganho de capital também sendo computado em moeda estrangeira e somente então se realizando a conversão para reais, utilizando-se os valores do em moeda estrangeira constantes do Registro Bacen como prova;".

O correto registro dos valores em moeda estrangeira (valores de aporte/investimentos de capital) evidencia-se como de suma importância não apenas para composição do custo de aquisição, mas também para demonstração como prova ("documentação hábil e idônea" [6]), em caso de fiscalização.

O Acórdão nº 2402-006.884 (publicado em 28/02/2019) também tratou das regras de custo de aquisição, na hipótese de alienação de participação societária no Brasil por pessoa jurídica (alienante) domiciliada no exterior.

"Para apuração do ganho de capital auferido pelas pessoas jurídicas não residentes, na alienação de participação societária de investidas no Brasil, adquiridas por pessoa jurídica residente País, aplicam-se as mesmas regras que disciplinam a tributação de pessoas físicas, a teor do disposto na legislação tributária específica sobre operações dessa natureza.
O valor do ganho de capital é obtido pela diferença entre o preço de alienação e o custo de aquisição comprovado, nele computados os aportes de capital realizados pela investidora domiciliada no exterior, em moeda estrangeira, registrados no Banco Central do Brasil e convertidos em moeda nacional nos termos da legislação de regência."

Neste caso, um dos mais recentes sobre o tema, por meio de decisão unânime, a 2ª Turma Ordinária do Carf negou provimento ao recurso da Autoridade Fiscal, mantendo-se o entendimento favorável ao contribuinte. A partir do voto da conselheira Renata Toratti Cassini, é possível verificar a utilização dos termos da mencionada Portaria MF nº 550/94.

Assim, apesar da inexistência de jurisprudência definitiva sobre o assunto em âmbito administrativo (e também no Poder Judiciário [7]) é possível concluir que o entendimento prevalente do Carf é no sentido de que, nas alienações de participação societária de empresa brasileira detida por sociedade estrangeira em moeda estrangeira, a apuração do ganho de capital poderá ocorrer em moeda estrangeira, sendo posteriormente convertido para reais com base na cotação de venda do dia da operação.

Neste cenário, a problemática da tributação da variação cambial estaria resolvida, pois quando o custo de aquisição do bem ou direito é mantido em moeda estrangeira, afastam-se os impactos decorrentes da variação cambial (positiva) no cômputo do ganho de capital. Entretanto, o alerta que fica é que a Receita tem exigido a inclusão da variação cambial do custo de aquisição no cálculo do ganho de capital auferido por residentes no exterior, determinando a contraposição do custo de aquisição em reais e também do valor de alienação, em reais.

 


[1] Nesse sentido: LAVEZ, Raphael Assef. Tributação de Residentes no Exterior (Operações Inbound). E-book – Fipecafi, p. 20.

[2] Posteriormente também com o artigo 26 da Lei n° 10.833/2003 que estabelece que "o adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente sobre o ganho de capital a que se refere o artigo 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que alienar bens localizados no Brasil".

[3] LAVEZ, Raphael Assef. Tributação de Residentes no Exterior (Operações Inbound). E-book – Fipecafi, p. 22.

[4] "Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 79/07. Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF). Ementa: PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA (AÇÕES)-Adquirida de Pessoas Jurídicas Domiciliadas no Exterior. APURAÇÃO. O ganho de capital corresponde à diferença positiva, em Reais, entre o valor de alienação e o custo de aquisição, se possível a sua comprovação. Na impossibilidade de sua comprovação, o custo de aquisição deve ser apurado com base no capital registrado no Banco Central do Brasil ou igual a zero. Quando os valores de alienação e aquisição forem expressos em moeda estrangeira, devem ser convertidos em dólares dos Estados Unidos da América e, em seguida, em Reais, pela cotação do dólar fixada pelo Banco Central do Brasil, para compra (alienação) e para venda (aquisição). (…)".

[5] No mesmo sentido, Acórdão nº 9202-004-304, publicado em 20/07/2016.

[6] Cf. artigo 23, §§1º e 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.455/2014. Até a edição da IN RFB nº 1662/2016, a comprovação do custo de aquisição de investimentos de pessoas jurídicas domiciliadas no exterior em empresas nacionais poderia ser feita através dos valores registrados em sistema especificamente criado para esse fim no Banco Central do Brasil (v. Carf, Acórdão nº 2402-010.846, 4ª C. 2ª Seção de Julgamento, j. 02/01/2023).

[7] Inexistência de jurisprudência formada perante o Poder Judiciário, não tendo sido identificados até a data da elaboração do presente artigo precedentes sobre a matéria nos tribunais superiores (STJ ou STF).

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