Opinião

Mudança regulatória no setor de aeroportos: "chamem o síndico!"

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15 de setembro de 2023, 20h34

O Conselho de Aviação Civil baixou a Resolução Conac-MPOR nº 1 de 10/08/23, restringindo o raio de alcance do aeroporto do Rio de Janeiro — Santos Dumont para voos de até 400 km de seu destino ou origem. Tal ato administrativo foi desprovido de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de discussão prévia adequada com a sociedade civil, sendo absolutamente equivocada a autoproclamada desnecessidade de sua implementação. Até porque a marota justificativa não é suficiente para que referido ato administrativo escape do escrutínio do artigo 20 da Lindb e, portanto, da necessidade da ponderação pragmática sobre os efeitos da decisão administrativa em tela (para o que uma adequada AIR contribuiria bastante).

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Afinal, a Ordem Econômica Constitucional (OEC) repousa, entre outros princípios, na livre iniciativa e, portanto, na necessidade de uma proteção contra a indevida regulação econômica e, ao mesmo tempo, de se considerarem efeitos consumeristas e concorrenciais na intervenção promovida no mercado. Isso porque tal ato administrativo do Conac contraria toda a experiência internacional e a literatura empírica econômica sobre o tema, de modo que precisaria de uma avaliação ex ante. Ocorre que nesse processo de intervenção, acabar-se-á prejudicando o mercado de aviação em todos seus players e stakeholders, inclusive potencialmente usuários consumidores. E isso precisa ser ponderado pela Administração Pública.

O Decreto nº 11.354/2023, em seu artigo 2º, III, "c" e 22 do Anexo I, integra o Conac à estrutura organizacional do MPOR, e atribui àquele as competências estabelecidas no Decreto nº 3.564/2000. Dentre tais competências, destaca-se a proposição de modelos de concessão de infraestrutura aeroportuária (artigo 2º, II); aprovação de diretrizes de suplementação de recursos para linhas aéreas e aeroportos de interesse estratégico, econômico ou turístico (artigo 2º, III); e a promoção da coordenação entre as atividades de proteção de voo e as atividades de regulação aérea (artigo 2º, IV).

Nessa esteira, a Lei 11.182 de 2005  Lei responsável pela criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)  prevê, em seu artigo 3º, a observação e implementação, pela Anac, das diretrizes e políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo em sua atividade reguladora e fiscalizadora no mercado, especialmente no que se refere às competências anteriormente citadas. Inclusive, a agência tem como objetivo institucional expresso a defesa da concorrência no mercado da aviação.

A regulação da aviação civil, portanto, é implementada a partir de um esforço conjunto entre uma autarquia reguladora (Anac), que observa diretrizes diretas do Poder Executivo (Conac e MPOR). No caso do Conac, deve-se destacar o escopo institucional do Departamento de Outorgas, Patrimônio e Políticas Regulatórias Aeroportuárias.

Nessa esteira, a regulação econômica promovida no mercado de aviação civil não prescinde de uma adequada, e, portanto, rigorosa, avaliação das consequências práticas que a política pública prevista e implantada pelo Estado na realidade prática do mercado.  No caso ora em análise, discute-se uma medida de restrição acentuada das atividades de um aeroporto localizado em uma importante capital do país.

A restrição do SDU de rotas de até 400 km para aeroportos com operação regular doméstica tem o potencial de impactar profundamente a estrutura e organização do sistema de transporte aéreo brasileiro, afetando a viabilidade econômica das concessões aeroportuárias, impactando suas operações, planejamentos financeiros e seu equilíbrio de mercado.

Evidentemente que uma medida dessa natureza precisaria ser precedida por estudos e pareceres qualificados que dessem conta de apurar com alguma precisão as suas consequências econômicas e sociais.

Essa é a exigência legal de AIR prevista no artigo 5º da Lei de Liberdade Econômica e no artigo 6º da Lei Geral das Agências Reguladoras. A AIR, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto nº 10.411, de 2020, é bastante clara ao estabelecer que esse mecanismo é aplicável também às propostas de atos normativos formuladas por colegiados por meio de órgão ou entidade encarregada de lhe prestar apoio administrativo (artigo 1º, §2º), o que se enquadra perfeitamente no caso do ato administrativo sob análise, porquanto proveniente do exercício das competências do Conac, enquanto órgão de assessoramento do Presidente da República, vinculado ao MPOR.

A AIR busca subsidiar a elaboração de normas regulatórias editadas por órgãos ou entidades da administração pública federal, incluídas as autarquias e fundações públicas, controlando o poder de regulação da economia pelo Estado. Trata-se de ferramenta que antecede a adoção ou a alteração de atos normativos de órgãos e entidades da administração pública federal e visa a aprimorar a regulação brasileira, levando em consideração os impactos econômicos de eventuais atos normativos, a priori, por meio do levantamento de dados e informações e da análise de evidências. Entre seus objetivos, destaca-se "maior eficiência, coerência e qualidade regulatória", para orientar o processo de tomada de decisão, principalmente, em casos de imposição de regras. 

De se destacar, ainda, que o Regulamento da AIR estabelece hipóteses em que não é aplicável o mecanismo; nem uma das quais, porém, enquadra-se ao presente caso. Há ainda os casos previstos no artigo 4 em que é aplicável o mecanismo da AIR, porém admite-se a sua dispensa; nenhum deles presente também no caso concreto. Chega a ser risível a previsão da desnecessidade da AIR na Resolução em análise, devido à urgência de obras do PAC… do PAC!! Um projeto de desenvolvimento que tem mais de dez anos de idade (ainda que tenha passado por algumas cirurgias estéticas recentemente).

Percebe-se que a pretensa urgência, no caso, é produzida pelo próprio Estado, na medida em que se visa à adequação das malhas das empresas aéreas a obras públicas previstas em um programa governamental. E para além da retórica da urgência, não se verificam outras razões para a dispensa da AIR em um contexto que seguramente representa um impacto acentuado nas operações das empresas ligadas à aviação civil e serviços aeroportuários, como já mencionado.

Em suma, conclui-se que o Conac e MPOR devem atuar dentro de marcos constitucionais da ordem econômica, não lhe cabendo nem o atropelamento da O.E.C., nem da legislação infraconstitucional, o que se deu por meio da dispensa arbitrária e ilegal da AIR, que visa justamente à preservação da eficiência econômica e do desenvolvimento social, especialmente por implicações no campo do mercado da aviação civil, nas operações das empresas aeroportuárias e de seus consumidores.

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