Opinião

MP 1.185: o Fisco, quando perde, fura a bola

Autor

  • Bruno A. François Guimarães

    é sócio do escritório Rossi Maffini Milman & Grando Advogados mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

14 de setembro de 2023, 15h23

No último dia 31 de agosto foi publicada a MP nº 1.185, que traz importantes inovações no que diz respeito ao tratamento tributário a ser conferido a benefícios fiscais de ICMS e a subvenções de investimento recebidas por contribuintes. Contudo, antes de se analisar o que são tais inovações, mostra-se salutar uma breve recapitulação sobre o assunto, para fins de melhor compreensão não somente do que mudou, mas também o porquê de o governo federal querer mudar o tratamento da matéria.

Em 2017 foi publicada a LC 160. Tal diploma legal tinha como grande foco tratar do problema da guerra fiscal entre estados, mas acabou versando, também, a respeito de outro importante tema: o tratamento fiscal a ser dado aos benefícios fiscais de ICMS. Assim, alterou a redação do artigo 30, da Lei 12.973/14, dispondo que todos os incentivos/benefícios fiscais de ICMS teriam natureza jurídica de subvenção para investimentos, para fins de exclusão do lucro real, desde que observados os requisitos expressos trazidos por aquele dispositivo de lei, sendo vedada a imposição de qualquer outro requisito adicional (como aqueles previstos no Parecer Normativo Cosit 112/78, até então, cobrados pelo Fisco Federal).

Portanto, criou-se uma ficção jurídica, no sentido de equiparar incentivo/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento, no que diz respeito aos respectivos reflexos na apuração do Imposto de Renda, desde que respeitados os requisitos estabelecidos pela novel legislação: o registro dos valores subvencionados em conta patrimonial de reserva de lucros/reserva de incentivos fiscais.

A grande questão é que a Receita Federal não se contentou com a nova legislação e a superação das demais exigências que, historicamente, impunha aos contribuintes no que diz respeito ao tratamento fiscal, para fins de tributação sobre o lucro, relativamente a subvenções para investimento. Assim, seguiu exigindo uma série de controles e comprovações que transbordavam das condicionantes legais, a saber (repete-se): o registro dos valores subvencionados em conta patrimonial de reserva de lucros/reserva de incentivos fiscais.

Em síntese, o Fisco defende que cabe a verificação se os incentivos/benefícios de ICMS foram efetivamente concedidos para expansão ou implantação de empreendimentos econômicos, haja vista que esta seria uma condição constante do caput do artigo 30, da Lei 12.973/14. Portanto, além do requisito contábil (de natureza formal), seria necessário perquirir da efetiva aplicação dos respectivos valores, mediante comprovações e demonstrações outras que não apenas o referido registro contábil.

O tema gerou muitas discussões no Carf, tanto em suas turmas ordinárias quanto na sua Câmara Superior, tendo prevalecido o entendimento dos contribuintes, no sentido de que a LC 160/17, ao modificar o artigo 30, da Lei 12.973/14, afastou a competência do Fisco para perquirir quaisquer outros requisitos que não apenas aquele constante da própria lei, referente à exigência de registro contábil específico.

Não apenas isso, mas a questão também foi decidida favoravelmente aos contribuintes pela 1ª Seção do STJ, quando do julgamento do Tema Repetitivo 1.182. Na oportunidade, decidiu-se que tais benefícios fiscais poderiam ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, desde que atendidas algumas exigências, descritas na LC 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14, afastando-se a necessidade de comprovação que tal estímulo fiscal foi concedido para implantação ou expansão de empreendimento econômico.

Acontece que o Fisco, quando perde, fura a bola.

Eis o contexto da MP nº 1.185, que estabelece uma série de exigências para que subvenções para investimento possam não mais ter tratamento próprio via IRPJ, mas sim sejam compensados ou ressarcidos. Assim, não somente as exigências sustentadas pelo Fisco passam a ser exigidas via medida provisória, como também há uma total modificação na sistemática dos reflexos tributários das subvenções para investimento, tornando a situação dos contribuintes ainda pior.

Implementa-se agora a exigência dos requisitos sempre defendidos pela Receita, no sentido de necessidade de demonstração de que as ditas subvenções para investimento foram efetivamente utilizadas para fins de implantação ou expansão do empreendimento econômico (artigo 1º e 2º).

Ainda, institui-se a exigência de uma habilitação do contribuinte junto à Receita (artigo 3º), exigindo-se não somente que a subvenção seja anterior à implantação ou expansão, mas também que a sua lei concessiva estabeleça, expressamente, "as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico" (artigo 4º).

Não se pode deixar de referir que, não raras vezes, leis estaduais concessivas de benefícios fiscais de ICMS não contam com tal tipo de descrição, o que obviamente é consabido por todos e, agora, explorado legislativamente como forma de restringir os seus efeitos benéficos aos contribuintes.

Ademais, as subvenções para investimento não mais impactarão na apuração do IRPJ das empresas, mas passam a conceder um crédito fiscal que serve para fins de compensação tributária ou ressarcimento em dinheiro, mas que somente poderá ser aproveitado após a entrega da ECF "na qual esteja demonstrado o direito creditório" (artigo 9º e 10). Logo, as subvenções para investimento deixam de importar para fins de apuração do lucro tributável, servindo agora como um crédito a ser aproveitado de maneira futura, eis a ECF costuma ser entregue pelos contribuintes por meados do ano-calendário subsequente ao da respectiva apuração fiscal.

Os demais artigos trazem um regramento a respeito da forma de cálculo do crédito fiscal de subvenção para investimento e suas formas de aproveitamento, mas é no artigo 15, IV, que consta seu maior golpe: a revogação do artigo 30, da Lei 12.973/14, que previa a equiparação de incentivos/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento. Assim, não somente se tem uma postergação e burocratização do aproveitamento tributário de subvenções para investimento, como também uma efetiva restrição, na medida em que se extingue a equiparação de incentivos/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento.

Ou seja, a MP 1.185 encerra uma discussão que o Fisco vinha perdendo, estabelecendo à canetada exigências até então inexistentes em textos legais, restringindo, postergando e burocratizando algo que vinha sendo reconhecido em favor dos contribuintes.

Mas não para por aí.

Depois de ter perdido o jogo, houve por bem não deixar que ninguém mais jogue, extinguindo a ficção de equiparação dos benefícios fiscais de ICMS à figura da subvenção para investimentos. A postura é típica de um "dono da bola" mimado que, ao perder, vai embora e ninguém mais pode jogar.

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  • é sócio do escritório Rossi, Maffini, Milman & Grando Advogados, mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), master in law (LLM) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do Instituto de Estudos Tributários (IET).

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