Opinião

Atrasos do STF geram bolsões bilionários de precatórios tributários

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13 de setembro de 2023, 6h00

A chamada crise dos precatórios carrega uma conta atual de R$ 270 bilhões, a ser paga pelo poder público, e poderá alcançar R$ 700 bilhões em 2026, segundo estimativas. Entre as ações judiciais contra a União com risco de derrota, mais de 60% são questões tributárias, que já foram estimadas em mais de R$ 1,4 trilhão, com possibilidade de geração de mais precatórios. Para comparação da grandeza, o orçamento federal da saúde para 2023 é R$ 146 bilhões.

Entre as grandes demandas tributárias contra a União destacam-se a "tese do século", exclusão do ICMS da base cálculo do PIS e da Cofins, com impacto estimado no orçamento público acima de R$ 300 bilhões, entre restituições via precatório e compensações. Depois vêm as ações judiciais envolvendo crédito de insumos no PIS e Cofins, com impacto estimado acima de R$ 200 bilhões.

Mesmo que os números acima sejam estimativas exageradas, o problema do pagamento dos precatórios (e compensações) é certo, imenso, crescente e complexo, uma tragédia nacional em andamento, envolvendo União, estados e municípios. O Executivo e Legislativo federal vêm apresentando e debatendo soluções possíveis, como limites anuais para pagamento de precatórios, exclusão dos precatórios do teto de gastos (ou das chamadas despesas primárias) e até  parcelamento para pagamento dos precatórios.

Um ponto central, o principal causador dessa tragédia nos pagamentos públicos, entretanto, não tem sido lembrado e considerado para enfrentamento do problema: a demora exagerada do STF para decidir questões de abrangência nacional, especialmente tributárias e previdenciárias, que têm forte impacto nos orçamentos públicos, gerando grandes ondas de expectativas jurídicas e, quando vencido o poder público, bolsões monstruosos de precatórios (ou compensações).

O exemplo máximo da ruinosidade causada pela demora do STF é a da chamada "tese do século", acima mencionada, que, mesmo com modulação em favor do Fisco, gerou um bolsão de restituições estimado acima de R$ 300 bilhões. Este processo ficou girando nos escaninhos do STF por muitos anos. Chegou ao STF em dezembro de 2007 e foi julgado somente em 2017, com embargos de declaração julgado em setembro 2021, portanto, 14 anos de demora (RE 574.706/PR).

Entre dezenas de casos, mais dois exemplos: crédito de insumos no PIS e Cofins, com impacto estimado de R$ 200 bilhões, chegou ao STF em 2014 e foi julgado somente em novembro de 2022, com trânsito em julgado em fevereiro de 2023  (RE 841.979); ICMS Seletividade, alíquota maior para telecomunicações e energia elétrica, começou na Justiça de Santa Catarina com ação contra lei estadual de 1996, chegou ao STF em 2012 e só foi julgado em dezembro de 2021 (RE 714.139/SC).

É direito da sociedade reagir contra aumentos e mudanças nos tributos, buscando reconhecimento de inconstitucionalidades, realizando uma necessária e salutar impugnação democrática. O que é anormal e nocivo é o STF demorar muitos anos para julgar o caso, as vezes décadas, gerando monumentais expectativas jurídicas, milhares de ações judiciais repetitivas pelo país afora, disputados filões jurídicos, acumulações bilionárias de possíveis créditos e, depois, severas dificuldades para o orçamento público.

Nestes casos, o tamanho da dívida a ser paga pelo poder público é diretamente proporcional à demora do STF para julgar a causa. Em alguns, a quantia é tão elevada que passa a ser argumento financeiro para modulação (redução) dos efeitos da decisão. Caso o STF tivesse julgado essas grandes controvérsias em prazos razoáveis, máximo de 1 ou 2 anos, cumprindo a exigência constitucional de eficiência e a urgência da modernidade que estamos inseridos, a situação dos pagamentos públicos seria muito diferente, além da segurança e confiança jurídica decorrente para todo o sistema legal. O julgamento rápido pelo STF também permitiria ao Fisco, em caso de derrota, reformular logo a tributação combatida e manter o necessário equilíbrio do orçamento público.

Deve ser bem destacado que esse disparate não ocorre por falta de compromisso ou responsabilidade dos honoráveis ministros do STF, mas por conta  de um problema estrutural maior, exatamente o modelo absurdamente concentrador de competências processuais impostas à nossa Suprema Corte, que acaba recebendo mais de 70 mil processos por ano, funcionando como corte constitucional, recursal e até instrutória em alguns casos, estranhíssimo arranjo na comparação com suas congêneres, impossibilitando o julgamento rápido das causas de maior importância para a nação, especialmente questões tributárias de grande abrangência e grave impacto financeiro.

Outro ponto pouco debatido e considerado é a maldade e injustiça em relação aos consumidores, os contribuintes de fato dos tributos embutidos nos preços dos produtos e serviços. Os contribuintes de direito, empresas fornecedoras dos produtos e serviços, enquanto debatem a validade dos tributos por décadas, em quatro instâncias, até chegar ao STF, cobram dos clientes, consumidores finais, embutidos nos preços, o tributo impugnado. Entretanto, quando recebem as restituições milionárias acumuladas, via precatório ou compensações, não devolvem a parte dos consumidores, desatendendo o sentido do artigo 166 do CTN e Súmula 546 do STF.      

Temos então uma situação duplamente trágica e injusta, provocada pelo modelo altamente concentrador de competências no STF e consequentes atrasos exagerados no julgamento de questões nacionais importantes: o problema do pagamento, via precatório ou compensação, provocando graves crises nos orçamentos públicos e a transferência de riquezas retiradas da economia popular, de milhões de consumidores, contribuintes de fato, para poucos contribuintes de direito, grandes  empresas, gerando enriquecimentos duvidosos. O STF não pode agasalhar essa disfuncionalidade, mais de uma década, muitas vezes duas, para resolver controvérsia tributária nacional e consequente acumulação de créditos bilionários. O STF precisa buscar caminhos e ferramentas eficientes para enfrentar essa distorção estrutural, passando certamente por forte redução de sua competência processual.

Não bastasse, tem ainda a possibilidade de agravamento dessa crise vexatória. Está em andamento no Parlamento um novo arcabouço tributário nacional, com grandes mudanças e inclusive criação de novos tributos. Após aprovação, a nova legislação certamente será escrutinada e impugnada com dezenas de alegações de inconstitucionalidade, a serem resolvidas pelo STF. A continuar esse modelo demorado de solução, essa tragédia se repetirá, ainda com mais gravidade,  para as próximas duas ou três gerações. A sociedade precisa cobrar dos poderes constituídos um acertamento nesse destempero judicial, para o bem do Brasil.

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