Opinião

Florianópolis atualiza o seu Plano Diretor

Autores

  • Gabriela Giacomolli

    é advogada consultora jurídica professora na graduação e pós-graduação da Faculdade Cesusc coordenadora da pós-graduação em Direito e ESG mestre na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e MBA em Gestão e Tecnologia Ambiental pela Escola Politécnica da USP e pós-graduada em Gerenciamento de Resíduos Sólidos pelo Senac-SP.

  • Matheus Galetti Rafael

    é advogado e consultor jurídico na área imobiliária e pós-graduando em Direito Imobiliário pela Faculdade Cesusc.

9 de setembro de 2023, 6h08

Nos últimos anos, Florianópolis foi o município com maior aumento populacional no estado de Santa Catarina. Segundo o Censo de 2022, a cidade cresceu cerca 27,53% nos últimos dez anos devido à qualidade de vida ofertada aos seus moradores.

Ocorre que, paralelamente a esse crescimento desenfreado, também houve o aumento dos problemas atrelados à mobilidade e às construções irregulares. Por essa razão, e com o objetivo de se precaver diante da tendência de piora nos próximos anos, o município decidiu atualizar o seu conturbado Plano Diretor.

Diz-se conturbado, pois, assim como outras políticas públicas municipais, a Lei Complementar nº 482/2014 foi objeto de diversas ações judiciais, tornando-se uma das políticas públicas urbanas de maior promoção da insegurança jurídica.

Nessa tônica, em 4 de maio de 2023, após diversas audiências públicas e participação de toda sociedade civil, foi publicada a Lei Complementar nº 739/2023, com a promessa de garantir serviços públicos de qualidade para toda a população por meio de um caminho de equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente (natural e cultural, em especial).

Ora, de fato o Plano Diretor, como nos ensina o professor José Afonso da Silva, é o instrumento correto para a "sistematização do desenvolvimento futuro", e, assim, organizar a expansão urbana com um olhar atento aos aspectos físicos, econômicos e sociais do território municipal em busca do bem-estar da comunidade local (artigo 182 da Constituição Federal).  Mas a pergunta que fica é se realmente esse objetivo foi concretizado.

Em um primeiro olhar, nota-se que o novo Plano Diretor foi feliz em respeitar os inúmeros limites ambientais e territoriais que a "Capital Florianópolis" tem! Contudo, uma dúvida persiste: porque não foi elaborada uma nova norma a fim de colocar uma pá de cal na "colcha de retalhos" que é a Lei Complementar nº 482/2014!?

Não se olvide que foram propostas soluções de ligação entre a preservação do ambiente, a inclusão social e o desenvolvimento econômico.

Dentre estas, merecem destaque a realização de obras públicas. O novo Plano Diretor se comprometeu a criar uma Política de Incremento para a Mobilidade do Pedestre e do Ciclista, com o objetivo de incentivar a mobilidade urbana por meio da integração e complementaridade do transporte não motorizado, a pedal ou tracionado pelo ser humano, com o sistema de transporte motorizado. A ideia é priorizar a mobilidade ativa e o transporte público coletivo.

Ainda, promoverá a qualificação dos equipamentos urbanos, que contemplará: (1) a atualização dos padrões de calçadas; (2) implantação, qualificação de praças e logradouros; (3) implantação, qualificação e atualização de mobiliário urbano como bancos, floreiras, lixeiras, playgrounds, postes e luminárias, sanitários, abrigos de passageiros e outros;    

Outra solução moderna foi o incentivo à expansão urbana regular por meio da regulamentação detalhada da outorga onerosa do direito de construir (artigo 259 e seguintes da referida lei) e da criação de incentivos urbanísticos.

Foi criada a Transferência do Direito de Construir Verde, a chamada TDC-V (artigo 260A), que concede aos proprietários de imóveis o direito de exercer em outro local, ou alienar mediante escritura pública, o coeficiente de aproveitamento de seu imóvel atual.  A TDC-V poderá ser utilizado nos casos de implantação de unidades de conservação de proteção integral municipal e em áreas de preservação permanente, conservadas ou a recuperar. Trata-se de um interessante instrumento de conservação e fomento às áreas protegidas.

Ainda com o objetivo de promoção de novos empreendimentos, o atual Plano Diretor passou a regulamentar duas modalidades de parcelamento regular do solo: o condomínio de lotes e loteamento integrado à edificação (LC 482, artigo 87, II e V). Estas alterações visam o acompanhamento das inovações do direito imobiliário e o urbanismo moderno.

No mais, com relação às taxas e coeficientes máximos, o atual Plano Diretor inseriu novas áreas das edificações que não serão computadas no cálculo do coeficiente de aproveitamento. São elas: hobby box situado na garagem, espaços destinados a estacionamento de bicicletas, sacadas no limite de dez por cento da taxa de ocupação e dentre outros exemplos (artigo 69). E ainda criou a taxa de ocupação diferenciada, que determina que as áreas em que sejam permitidos três ou mais pavimentos, poderão ocupar até oitenta por cento do terreno (artigo 71, inciso I, alínea "c" da nova Lei Complementar). Ou seja, foi oportunizado maior aproveitamento da área, aumentando o potencial construtivo do imóvel.

Outra solução muito bem vista pela sociedade foi o estímulo à regularização fundiária perante os entes competentes, fora acrescido o artigo 61-B ao novo Plano Diretor, que possibilita a revisão do zoneamento de imóveis que pertencem à mesma quadra com o intuito de conferir isonomia aos terrenos, mediante a elaboração de estudo técnico orientado por princípios de vizinhança e critérios morfológicos.

Por fim, merecem realce a correção de algumas atecnias legislativas do antigo Plano como a retirada das Áreas de Preservação Permanente (APP) como categoria das Macro Áreas de Usos não Urbanos para incluir a Zona de Interesse de Proteção (ZIP), conforme preceitua o artigo 42, §1º, inciso I, da Lei Complementar 482/14.

Importante destacar que essa alteração, na verdade, possibilita que os proprietários ou posseiros dos imóveis atingidos pela ZIP possam, através de estudo técnico, demonstrar a ausência de critérios de preservação permanente (LC 482, artigo 42, §8º). Em suma, os interessados poderão comprovar que seu imóvel não está inserido em uma APP, viabilizando eventuais construções na área.

Nota-se, portanto, que todas as modificações buscam fomentar a expansão urbana regular – por meio de obras públicas e novos empreendimentos, bem como a regularização fundiária. A ideia é organizar a cidade a fim de prepará-la para o aumento populacional dos próximos anos.

Espera-se, apenas, que todas essas medidas sejam efetivamente implantadas em busca de uma cidade sustentável, já que, embora não se trate de uma nova norma, as modificações introduzidas pela nova Lei Complementar nº 739/2023 trarão mudanças substanciais, que espera-se, elimine os conflitos normativos e proporcione maior segurança jurídica

Autores

  • é advogada e professora em Direito Ambiental e Ecologia na graduação e pós-graduação da Faculdade Cesusc, mestre em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo e sócia do escritório Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados.

  • é advogado do Núcleo Extrajudicial Imobiliário no escritório Ferraz e Espíndola e pós-graduando em Direito Imobiliário pela Faculdade Cesusc.

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