Controvérsias Jurídicas

Implicações penais do instituto da expulsão

Autor

  • Fernando Capez

    é procurador de Justiça do MP-SP mestre pela USP doutor pela PUC autor de obras jurídicas ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

7 de setembro de 2023, 13h30

Disciplinado pelos artigos 54 a 60 da Lei de Migração (Lei 13.445/2017) e pelos artigos 192 a 206 do Decreto 9.199/2017, o instituto jurídico da expulsão consiste em uma medida administrativa que retira compulsoriamente o migrante ou visitante do território nacional, cumulado com o impedimento deste em reingressar no país por prazo determinado. Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença penal transitada em julgado dos crimes de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de agressão e crime doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e a possibilidade de ressocialização em território brasileiro.

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Quanto à competência, determina o artigo 54, parágrafo 2º, da Lei de Migração que “caberá à autoridade competente resolver sobre a expulsão, a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação dos efeitos da expulsão”. Por sua vez, o Decreto 9.199/2017, prevê que a competência para decisão sobre questões de expulsão pertence ao Ministro da Justiça.

Há de se ressaltar que as questões de expulsão também poderão ser submetidas à análise do Poder Judiciário. Por ser considerado um ato administrativo discricionário, ao Judiciário caberá apenas verificar a legalidade do ato cometido pelo agente público, mediante verificação das diretrizes estabelecidas pela legislação em vigor. Em suma, exercerá o controle da legalidade dos atos administrativos, não podendo examinar as razões que levaram à sua realização, sua conveniência e oportunidade. Dessa forma, como bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o ato administrativo de expulsão, manifestação de soberania nacional, é de competência privativa do Poder Executivo, competindo ao Judiciário apenas a verificação da higidez do procedimento por meio da observância das formalidades legais.[1]

No mesmo julgado, o STJ entendeu que a expulsão de estrangeiro que ostente a condição de refugiado não poderá ser concretizada sem a perda de tal condição. Desta maneira, antes que ocorra a expulsão, deverá ser instaurado devido processo legal, com garantia dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa, com a posterior decretação da perda de condição de refugiado, nos termos do artigo 39, III, da Lei 9.474/1997.

Ressalte-se que o procedimento de expulsão, nos casos de cometimento de crime comum, não prejudicará o benefício da progressão de regime prisional, o cumprimento de pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou quaisquer outros benefícios concedidos em igualdade de condições ao brasileiro nato ou naturalizado. Ao estrangeiro que cumpre pena em território brasileiro também é garantido os benefícios da execução, tais como o da saída temporária. No que tange à possibilidade de concessão de progressão de regime prisional ao estrangeiro que cumpre pena no Brasil, assim diz Márcio André Lopes Cavalcante:

“Não existe motivo para negar aos estrangeiros que cumprem pena no Brasil os benefícios da execução penal, dentre eles a progressão de regime. Isso porque a condição humana da pessoa estrangeira submetida à pena no Brasil é protegida constitucionalmente e no âmbito dos direitos humanos. Assim, em regra, é plenamente possível a progressão de regime para estrangeiros que cumpram pena no Brasil”.[2]

No que concerne ao estrangeiro que cumpre pena no Brasil e já tem contra si procedimento de expulsão instaurado, decidiu o STJ que tal situação, por si só, não é circunstância apta a afastar a aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre brasileiros e estrangeiros, razão pela qual o procedimento ou o decreto autorizador de expulsão não impedem a concessão dos benefícios da progressão de regime prisional ou do livramento condicional, tendo em vista que os interesses nacionais com a expulsão do estrangeiro poderão ser alcançados com o fim do cumprimento da pena ou durante seu transcorrer.

“O benefício da progressão de regime não pode ser negado ao estrangeiro pelo simples fato de estar em situação irregular no país ou, mesmo, de haver decreto de expulsão expedido contra ele”.[3]

Os mesmos benefícios também alcançam o apenado estrangeiro com mandado de extradição já expedido, porém, ainda não cumprido. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, o fato de estar pendente a extradição do estrangeiro não é motivo suficiente para a suspensão do benefício da progressão de regime prisional:

“É possível que seja concedida a progressão de regime para apenado estrangeiro que cumpre pena no Brasil e que aguarda o julgamento de pedido de extradição para outro país. No entanto, essa providência (progressão) será ineficaz até que o STF delibere acerca das condições da prisão para extradição. Em outras palavras, é possível que o juízo das execuções penais defira a progressão de regime ao apenado que aguarda o cumprimento da ordem de extradição, mas isso só poderá ser concretizado pelo juiz de 1ª instância depois que o STF concordar. Cabe ao STF deliberar acerca da eventual adaptação das condições da prisão para extradição ao regime prisional da execução penal. Assim, depois que o juízo da execução afirmar que os requisitos para a progressão estão preenchidos, deverá ainda o STF verificar se a concessão do regime semiaberto ou aberto ao extraditando não irá causar risco à garantia da ordem pública, da ordem econômica, à conveniência da instrução criminal, nem à aplicação da lei penal pública (artigo 312 do CPP)”.[4]

O revogado Estatuto do Estrangeiro determinava que a pessoa expulsa somente poderia regressar ao Brasil mediante anulação presidencial do decreto de expulsão. Todavia, nova sistemática foi inaugurada com o advento da Lei de Migração, que em seu artigo 54, parágrafo 4º, enuncia: “O prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo”.

Necessário mencionar que a Lei de Migração traz em seu artigo 55 as hipóteses de inexpulsabilidade, situações em que o estrangeiro não será expulso do país mesmo que presentes os requisitos do artigo 54, a saber: a. a medida configurar extradição inadmitida em território brasileiro; o expulsando tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; o expulsando tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente; o expulsando tiver ingressado no Brasil até os 12 anos de idade, residindo desde então no país ou for pessoa com mais de 70 anos que resida no Brasil há mais de 10 anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão.

Ainda no que tange às situações de inexpulsabilidade do artigo 55, recentemente decidiu o STJ que para sua configuração não é exigível a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato executório.[5]O entendimento do STF é o mesmo desde o período em que vigorava o revogado Estatuto do Estrangeiro, conforme se vê em recente julgado:

“O parágrafo 1º do artigo 75 da Lei nº 6.815/80 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, sendo vedada a expulsão do estrangeiro cujo filho brasileiro foi reconhecido ou adotado posteriormente ao fato ensejador do ato expulsório, uma vez estar comprovado estar a criança sob a guarda do estrangeiro e deste depender economicamente”.[6]

Por fim, visando contribuir com o melhor entendimento da questão, há de se fazer algumas distinções básicas entre os institutos da expulsão e da extradição. No primeiro, o Estado brasileiro manda embora de seu território pessoa estrangeira que tem comportamento nocivo à sociedade. O ato administrativo é de ofício do Brasil e não poderá ser utilizado contra brasileiro nato ou naturalizado. Conforme já visto anteriormente, sua competência é do Ministro da Justiça e o expulso é para o país de sua nacionalidade ou procedência, ou para outro que o aceite.

Por sua vez, na extradição o Brasil entrega a outro país uma pessoa que cometeu um crime que é punido segundo as leis daquele país (e também do Brasil), de modo que lá seja processado ou cumpra pena por crime já julgado. Para que seja expedida, depende da solicitação do outro país. O brasileiro nato jamais poderá extraditado, o mesmo se aplicando ao naturalizado depois de sua naturalização, salvo em caso de tráfico de drogas, situação que possibilita a extradição a qualquer momento. A competência para exame do pedido formulado por país estrangeiro é do STF, sendo que depois de aceita a requisição extradicional, caberá ao presidente da República, discricionariamente, dar a palavra final quanto ao cumprimento da medida. Diferentemente do que ocorre na expulsão, o extraditado é enviado para o país requisitante, e não o seu país de origem.

[1] STJ, 1ª Seção. HC 333.902-DF, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/10/2015 (Info 571).

[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados. Salvador. Ed. JusPodivm, 2021, p. 1.030.

[3] STJ, 6ª Turma, HC 309.825/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 05/03/2015.

[4] STF. 2ª Turma. Ext. 893 QO/República Federal da Alemanha, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/03/2015 (Info 777).

[5] STJ. 1ª Seção. HC 452.975-DF, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 667).

[6] STF. Plenário. RE 608898/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 25/06/2020 (Repercussão Geral – Tema 373) (Info 983).

Autores

  • é advogado, procurador de Justiça aposentado do MP de SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, do Procon-SP e ex-secretário de Defesa do Consumidor.

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