Opinião

Tribunais de Contas e sanções a empresas que contratam com a administração

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7 de setembro de 2023, 6h32

Um dos temas mais candentes a respeito das competências dos Tribunais de Contas trata da possibilidade de aplicação de sanções às empresas contratadas pela administração pública para a execução de obras, serviços e fornecimento de bens.

Tradicionalmente, as Cortes de Contas costumam aplicar multas aos gestores envolvidos em contratações irregulares ou que tenham causado danos ao patrimônio público por meio do sobrepreço, superfaturamento ou desídia na fiscalização da execução do ajuste. Trata-se de uma competência exercida com fundamento no inciso VIII do artigo 71 da Constituição, segundo o qual, é atribuição de tais órgãos de controle "aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário".

Além dessa atuação já consolidada, parece-me também possível estender a fixação de penalidades às empresas que transacionam com o poder público. A questão gira em torno de definir os limites da jurisdição dos Tribunais de Contas sobre os particulares contratados, o que demanda a análise teleológica da legislação, a partir da regra constitucional acima transcrita.

Com efeito, no âmbito do TCE-SP, a Constituição Estadual e a Lei Orgânica da Corte (Lei Complementar nº 709/1993) fixam, entre as competências do Órgão de Controle, aquelas para: (1) julgar as contas daqueles que derem causa à "perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário" (artigo 33, II, CE; e artigo 2º, III, da LC 709/1993); e (2) "aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei" (artigo 33, IX, CE; e artigo 2º, XII, da LC 709/1993).

As sanções que podem ser aplicadas estão previstas nos artigos 101 e 104, inciso II, da LC 709/1993, que determinam:

"Artigo 101 – O Tribunal de Contas poderá aplicar aos ordenadores, aos gestores e aos demais responsáveis por bens e valores públicos, as multas e sanções previstas neste Capítulo.
Artigo 104 – O Tribunal de Contas poderá aplicar multa de até 2.000 (duas mil) vezes o valor da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) ou outro valor unitário que venha a substituí-la, aos responsáveis por:
(…)
II – ato praticado com infração à norma legal ou regulamentar;"

A análise dessas normas leva à expansão da figura do responsável para fins de aplicação de sanções pelo TCE-SP, pois ele pode ser identificado como o agente público ou o particular que pratique ato com infração à norma legal ou regulamentar, além daquele que execute ação que cause prejuízo ao erário. Em outras palavras, o termo responsáveis abrange os agentes públicos envolvidos e as pessoas físicas e jurídicas privadas que mantenham relacionamento com o Estado.

Acrescento que, no âmbito dos ajustes administrativos, especialmente na fase de execução, ainda que não existam, no momento, indícios de atos de corrupção — o que pode demandar investigações dos órgãos competentes — ou de favorecimento à contratada, é possível a responsabilização dela, em virtude do descumprimento dos deveres legais decorrentes da probidade e da boa-fé que rege as relações contratuais.

Assim, o artigo 66 da Lei nº 8.666/1993 (correspondente ao artigo 115 da Lei nº 14.133/2021) determina que o "contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial", regra que é complementada pelas disposições de direito privado e da teoria geral dos contratos, de acordo com o artigo 54 da mencionada norma (equivalente ao artigo 89 da Lei nº 14.133/2021).

A integração das normas de direito privado aporta ao tema a disposição do artigo 422 do Código Civil, segundo o qual "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".

É dentro desse quadro de normas que a responsabilidade das empresas contratadas deve ser analisada, uma vez que a boa execução dos ajustes firmados com o poder público deve ser objeto de análise não apenas da entidade contratante, mas também da sociedade e dos Tribunais de Contas a quem compete fiscalizar a regularidade dos gastos realizados pela administração pública.

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