Opinião

Desrespeito às prerrogativas do advogado durante as CPIs no Congresso

Autor

  • André Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor nos cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) do IDP/Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

4 de setembro de 2023, 11h19

Temos visto manifestações desrespeitosas de alguns senadores e deputados federais em relação aos advogados que acompanham os seus constituídos em depoimentos prestados na Comissão Parlamentar de Inquérito. A prática tem sido recorrente quando os parlamentares não permitem que os advogados intervenham nos momentos em que o cliente é desrespeitado, mesmo quando os Habeas Corpus impetrados prevejam expressamente isso, ou seja, que as perguntas se mantenham dentro do tratamento respeitoso e cordial que deve nortear a condução dos trabalhos.

Com o devido respeito a todos os parlamentares, não se pode conduzir um depoimento dessa maneira. O advogado é essencial à administração da Justiça, conforme a Constituição. Pode e deve intervir quando necessário para garantir que a defesa seja prestada de forma integral. De outro lado, o cliente pode e deve consultar o advogado antes de responder qualquer pergunta formulada por membros de uma CPI. E por fim, o advogado tem de intervir quando a manifestação do parlamentar for desrespeitosa com o investigado.

Spacca
Spacca

Aliás, esquecem os parlamentares que tal prerrogativa é expressa no Estatuto da OAB, lei federal aprovada pelos próprios membros do parlamento. Ainda que o regimento das Casas legislativas não tenha previsão expressa da intervenção do advogado, o Estatuto da OAB expressamente contém essa possibilidade no artigo 7º., X, da Lei 8906/94. Basta uma simples leitura, não mais do que isso.

O Regimento das dos legislativos, de quaisquer esferas, não prevalece sobre a Lei Federal. E o Estatuto da OAB é uma Lei Federal. Nesse sentido, manifestou-se recentemente o Presidente do Conselho Federal da OAB em ofício dirigido ao Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga os atos de 8 de Janeiro.

Não há, como querem fazer crer alguns parlamentares, desrespeito ao Parlamento. Pelo contrário. Há uma justa reivindicação para que respeitem um direito consagrado na Carta Política que é o da ampla defesa e da não autoincriminação. Aliás, direito este que os próprios legisladores ajudaram a construir a duras penas por ocasião da Constituinte de 1988. Muitos lutaram para que houvesse paridade de armas entre acusação e defesa. Quase todo cidadão, mais cedo ou mais tarde, recorre ao auxílio de um advogado e, portanto, precisa da garantia à ampla defesa dos próprios direitos.

O paradoxo dessa relação é que alguns destes mesmos parlamentares, quando intimados a prestarem depoimento perante o Poder Judiciário, ou, têm processos em trâmite perante as cortes brasileiras, querem que todas as garantias sejam devidamente asseguradas. Parece que apenas nesse momento o advogado é importante e todas as suas prerrogativas devem ser resguardadas. Ou seja, os mesmos políticos que tentam cercear o mister da advocacia para atingir adversários lutam para que isso não ocorra quando a sua defesa, direitos e garantias estão em jogo.

As CPIs são importantes e fortalecem a democracia. Porém, devem fazê-lo dentro dos limites constitucionais. A presença e a orientação do advogado são fundamentais para esse exercício democrático. Ao contrário do que se pensa, os advogados não são inimigos da das investigações conduzidas por parlamentares. Sempre que há respeito mútuo entre as partes, sempre que as prerrogativas do advogado são respeitadas, as CPIs fluem sem qualquer entrave e chegam ao seu objetivo final. Não há necessidade de cerceamento, desrespeito ou admoestação por parte de parlamentares aos profissionais do Direito.

As CPIs não podem reproduzir os erros da "lava jato", durante a qual vários políticos sofreram na pele um misto de processo inquisitório com traços de processo acusatório. Muitos indignaram-se corretamente porque direitos e garantias constitucionais não foram assegurados. As provas foram produzidas, muitas vezes, ao arrepio da lei. As condenações foram quase que instantâneas. Os reclames quanto a exploração midiática de processos injustos foi enorme. E quem esteve à frente de todas essas lutas para que os direitos fossem restabelecidos? Os advogados! Esses mesmos que agora se veem cerceados perante a Comissão Parlamentar de Inquérito. É isso que queremos senhores parlamentares? A resposta só pode ser negativa.

Acredito que o bom senso e a ponderação devem nortear os rumos da CPI. Como já mencionei linhas acima: lutamos pela correta aplicação do que é justo. Todos queremos descortinar os fatos, mas para isso não há necessidade de endurecimento de medidas contra os advogados. Sempre estaremos ao lado da justiça e sempre lutaremos por nossas prerrogativas.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal no IDP-Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

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