Opinião

Artigo 942 do CPC: extensão do quórum em embargos de declaração (parte 1)

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31 de outubro de 2023, 13h24

Neste primeiro artigo da série de escritos acerca da técnica de julgamento ampliado nos moldes do artigo 942, do Código de Processo Civil, surge uma interessante indagação: em embargos de declaração em face de acórdão de apelação provido ou desprovido por maioria deve ser respeitada a aludida técnica de julgamento?

É sabido que os dizeres do dispositivo legal referem-se apenas ao recurso de apelação. A aplicação da técnica, que não é recurso, se dá a princípio unicamente nos casos de apelação julgada pelo quórum original por maioria.

Importante mencionar, por não se tratar de recurso, o fato de que a ampliação do quórum se dará independentemente da vontade das partes ou dos julgadores, sendo técnica de julgamento impositiva e automática  [1].

Pois bem. Ocorre que interessantes questões, muitas delas a serem abordadas em textos próprios, surgem da interpretação dos parágrafos do referido artigo.

Especificamente, os embargos de declaração que buscam sanar algum vício legal em acórdão de apelação, prolatado na modalidade ampliada do quórum, devem espelhar a aludida composição?

A resposta não parece simples, devido à vontade do legislador. Explico:

Os parágrafos 3° e 4°, do dispositivo em estudo, mencionam os recursos, meios de impugnação de decisões judiciais, ações impugnativas autônomas e incidentes processuais que poderão ou não, respectivamente, sofrer a ampliação.

O primeiro deles afirma que a técnica prevista no caput do artigo se aplica igualmente ao julgamento não unânime proferido em ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno e em agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

Já o parágrafo 4° nos traz os julgamentos, em que pese não unânimes, em que a técnica não poderá ser aplicada, quais sejam do incidente de assunção de competência e o de resolução de demandas repetitivas, da remessa necessária e dos julgamentos não unânimes proferidos, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

De uma simples leitura do contido nos parágrafos é possível notar a ausência de regulamentação acerca do recurso de embargos de declaração.

Sabe-se que os aclaratórios consubstanciam recurso de fundamentação estrita e vinculada, onde não se revela possível a rediscussão acerca da justiça da decisão impugnada, mas apenas depurar meras imperfeições no julgado [2].

Em razão disso, ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência o debate, pelo silêncio do legislador, da possibilidade de manutenção do quórum estendido da apelação nos embargos de declaração dela proveniente.

Em um primeiro momento, na 2ª Jornada de Direito Processual Civil, promovida pelo CJF (Conselho da Justiça Federal), restou cristalizado no enunciado 137 o entendimento de que seria necessária a ampliação do quórum nos embargos de declaração opostos em face de acórdão de apelação julgada nos moldes do artigo 942, vejamos:

"Se o recurso do qual se originou a decisão embargada comportou a aplicação da técnica do artigo 942 do CPC, os declaratórios eventualmente opostos serão julgados com a composição ampliada."

Da mesma borda, os dizeres do Enunciado 700, do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

"O julgamento dos embargos de declaração contra o acórdão proferido pelo colegiado ampliado será feito pelo mesmo órgão com colegiado ampliado."

O debate dessa questão se revela da mais genuína importância, pelo fato da possibilidade de alteração da matéria de fundo julgada na apelação, mudando substancialmente o destino da demanda.

Fato que corrobora essa afirmação, se dá na impossibilidade de dispensa do quinto julgador do quórum ampliado no recurso de apelação, pois a técnica não busca unicamente a formação da maioria, mas sim privilegiar o poder de influência de todos os julgadores componentes do colegiado ampliado.

Esse entendimento deve ser aplicado no recurso de embargos de declaração que ataca acórdão de apelação não unânime, não somente para que se espelhe a composição, como também para que se valorize a manifestação e poder de convencimento de todos os magistrados, capazes de, por um brilhante voto, alterar o destino da demanda.

Não é outra a posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. ARTIGO 942, CAPUT, DO CPC. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME DO RECURSO DE APELAÇÃO E POSTERIOR UNANIMIDADE NO JULGAMENTO DOS RESPECTIVOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1. Ação declaratória de filiação socioafetiva post mortem. 2. Controvérsia em torno da necessidade de aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no artigo 942 do CPC, na hipótese em que são julgados embargos de declaração opostos contra acórdão não unânime que desproveu o recurso de apelação. 3. À luz do que disciplina o artigo 942 do CPC, é inegável que o julgamento pela maioria determina, nas hipóteses legais, uma nova composição para o órgão julgador. 4. Em razão da precípua finalidade integrativa, os embargos de declaração devem ser julgados pelo mesmo órgão que prolatou a decisão recorrida. 5. Logo, o julgamento dos embargos de declaração, quando opostos contra acórdão proferido pelo órgão em composição ampliada, deve observar o mesmo quórum (ampliado), sob pena de, por outro lado, a depender da composição do órgão julgador, o entendimento lançado, antes minoritário, poder sagrar-se vencedor se, caso excepcionalmente, sejam atribuídos efeitos infringentes aos aclaratórios. 6. Entendimento defendido por respeitável doutrina e cristalizado nos Enunciados 137 das Jornadas do Centro de Estudos Judiciários (Conselho da Justiça Federal) e 700 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. 7. No caso, o Tribunal de origem, ao deixar de ampliar o quórum da sessão realizada no dia 25/2/2022, inobservou o enunciado normativo inserto no artigo 942 do CPC, sendo de rigor declarar a nulidade por 'error in procedendo'. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA QUE SEJA CONVOCADA NOVA SESSÃO PARA PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO" [3].

A mesma linha de intelecção adota o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

"PROCESSO CIVIL. QUESTÃO DE ORDEM EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. APELAÇÃO. DIVERGÊNCIA. UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE QUÓRUM AMPLIADO. APLICABILIDADE. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO ACOLHIDO. (…)
2.5. Os réus apresentaram novos embargos de declaração em que alegam haver omissões no aresto. Sustentam que não houve a aplicação da necessária técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, no julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão não unânime de recurso de apelação. Requerem que o acórdão recorrido seja anulado e realizado novo julgamento, nos termos do artigo 942 do CPC.
(…)
4. De acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, o julgamento dos embargos de declaração em apelação deve guardar harmonia com o princípio da simetria ou paralelismo das formas, de modo que seu quórum de julgamento seja quantitativamente o mesmo do julgamento da apelação. 5. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a técnica do julgamento ampliado prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil, pode ser aplicada quando os embargos de declaração opostos contra o acórdão de apelação são julgados de forma não unânime e o voto vencido tem o potencial de alterar a decisão embargada.
(…)
6. Portanto, a questão de ordem requerida pelo embargante deve ser acolhida; logo, deve ser observado o quórum de cinco desembargadores para o julgamento dos embargos de declaração opostos, se possível, o mesmo quórum da apelação, observado os afastamentos (férias, licenças etc.), dosjulgadores." [4]

Como se nota, a posição doutrinária e jurisprudencial acerca do tema é uníssona, ao passo que há de se observar, no julgamento dos embargos de declaração, o quórum alcançado em acórdão de apelação, tendo em vista o paralelismo, a simetria e a harmonia nos julgamentos, mesmo porque caso deferido efeitos infringentes aos aclaratórios, isso terá o potencial de alterar o resultado da demanda, o que deverá ser realizado pelos mesmos meios, pelo mesmo órgão e sendo observada idêntica composição quantitativa.

Esse entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência tem uma razão de ser. A técnica de julgamento ampliado veio para substituir os ditos embargos infringentes, os quais, salvo pontuais exceções, foram suprimidos do sistema processual brasileiro.

O intuito do legislador foi a de possibilitar a ampliação do quórum com vistas a reversão do resultado com o ingresso de dois novos julgadores.

Sabe-se que o julgamento colegiado é aquele formador de jurisprudência, que como o próprio nome já diz é a prudência no julgamento.

Os desembargadores, via de regra, possuem um longo período de experiência na magistratura que, no colegiado, se soma à experiência dos demais, vislumbrando uma decisão mais justa e equilibrada possível.

A intenção do legislador ao positivar a técnica do julgamento ampliado foi justamente a de reforçar e maximizar essa "prudência no julgamento", ordenando a entrada de mais dois julgadores em decisões não unânimes em sede de apelação, possibilitando a reversão do resultado e o enriquecimento do debate, beneficiando o jurisdicionado.

Portanto, desse modo, é a intenção da lei, mesmo que não expressa, que o julgamento dos aclaratórios preserve o mesmo quórum da apelação originária (idêntico órgão julgador), valendo também para o acórdão originário de ação rescisória e agravo de instrumento, exceções positivadas no parágrafo 3°, do artigo 942, do Código de Processo Civil.

A convocação dos novos julgadores, caso já não haja cinco magistrados na turma como ocorre no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, se revela tão importante que é franqueada aos advogados das partes a realização de nova sustentação oral, com vistas a renovar o poder de convencimento sobre os convocados.

A rigor é o mesmo órgão julgador que deve apreciar os embargos de declaração opostos em face de acórdão anterior, devendo ser respeitada a composição original.

Como a técnica de extensão de quórum visa obter um julgamento amplamente qualificado, eventual decisão em embargos de declaração deve observar a mesma quantidade, qualidade e amplitude.

O STJ já teve a oportunidade de se manifestar, no sentido de que mesmo em sede de embargos de declaração em face de acórdão de apelação unânime, o voto divergente, em sede dos aclaratórios, capaz de alterar o resultado anterior do apelo tradicional submete o julgamento dos embargos à ampliação do quórum, logo quem pode o mais, pode o menos [5].

Portanto, se a jurisprudência entende que em pese o julgamento unânime em sede de apelação, o julgamento por maioria dos embargos de declaração subsequentes, suficientes para integrar e alterar o resultado originário, deve observar a técnica de extensão, não havendo motivos para inibir a mesma técnica em julgamento de embargos de declaração em face de apelação com quórum anteriormente ampliado.

Outro importante elemento dessa técnica processual diz respeito à dinâmica de julgamento, que somente se encerra após a sessão de continuidade, com os novos julgadores.

Em razão disso, aqueles que já votaram poderão rever seus posicionamentos até a proclamação do resultado da sessão ampliada, podendo os dois últimos vogais exercerem um importante poder de convencimento, alterando os rumos do julgamento.

Definitivamente, foi uma alteração muito feliz e salutar incluída pelo legislador no CPC, onde o debate é ampliado, e, mais importante, enriquecido, tendo o jurisdicionado um ganho na prestação jurisdicional.

Desse modo, é necessário que se respeite a simetria do julgamento originário do recurso de apelação, e, se em quórum ampliado, devendo ser mantido em posterior julgamento dos aclaratórios, sob pena de um entendimento minoritário sagrar-se vencedor, o que vai de encontro ao princípio da colegialidade.

Por fim, após toda a exposição no pequeno ensaio, há de se concluir que o quórum julgador dos embargos de declaração, se houver, deve respeitar o modelo ampliado originário, sob pena de se violar o acórdão que é integrado pelos aclaratórios e que se materializa em uma mesma quantidade de votos, até o final do julgamento, não podendo haver disparidade entre o julgamento da apelação e dos embargos, servindo tal raciocínio aos embargos de declaração de ações rescisórias e agravos de instrumento, nos termos do Código de Processo Civil.

 

___________________

[1] MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES, Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 9ª ed., Saraiva, 2016, p. 303.

[2] Apelação Cível 2016.01.1.041483-7, relator desembargador Getúlio de Moraes Oliveira, 7ª Turma Cível, TJDFT, julgado em 09/08/2017.

[3] RECURSO ESPECIAL Nº 2024874 – RS, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3° Turma, Julgado em 7/3/2023.

[4] Apelação Cível 07183023220218070001, relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 5/7/2023.

[5] REsp 1786158/PR, rel. p/ acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze, 3.ª Turma, j. 25/08/2020.

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