Opinião

Suprema Corte dos EUA e o caso tributário Moore v. United States

Autor

  • André Pinelli

    é advogado empresarial atualmente trabalhando nos EUA em escritório especializado em Direito Imigratório e pós-graduado em Direito de Empresa pela PUC-MG com LLM na Duke University School of Law.

31 de outubro de 2023, 15h19

Ao contrário do Brasil, não é tão comum nos Estados Unidos que um processo tributário chegue à Suprema Corte americana (Scotus). Todo ano, mais de 5.000 recursos chegam à Scotus, mas menos de cem são admitidos e julgados. Ou seja, menos de 2% dos recursos que chegam à corte são julgados.

Uma das ações tributárias que chegaram neste ano, e que será julgada até o meio de 2024, é individualmente pequena, mas com consequências bilionárias para o sistema tributário do país com a maior arrecadação mundial.

Após a admissão de um recurso na Suprema Corte Americana, marca-se data para as sustentações orais, chamadas de oral arguments, depois vem o julgamento. O julgamento não acontece logo após as sustentações orais, como é comum no Brasil. No caso aqui analisado, a sustentação oral já tem data, 5 de dezembro de 2023; o julgamento provavelmente se dará no início de 2024.

A dinâmica de sustentação oral nos Estados Unidos é completamente diferente da do Brasil. Não só na Scotus como também nas Cortes de Apelação Federais e Estaduais, e até nos julgamentos éticos das "OABs" nos Estados Unidos, a sustentação oral é um momento em que os julgadores tiram dúvidas e interrompem o advogado muitas vezes. É muito raro para um advogado fazendo sustentação oral conseguir falar por mais de três minutos sem ser interrompido. Aqueles 15 minutos na tribuna que parecem pouco para os advogados brasileiros seriam um sonho para os colegas americanos.

Esta ação tributária que será julgado pela Scotus nos próximos meses é o Moore v. United States, onde Charles Moore e sua esposa, Kathleen Moore, estão questionando a constitucionalidade de uma cobrança tributária, com base na 5ª Emenda e na 16ª emenda da Constituição americana. Numa enorme simplificação, o que está em jogo é se o governo norte-americano pode cobrar imposto sobre ganhos não realizados. O nome do imposto em discussão é mandatory repatriation tax, MRT, que foi criado em 2017, no primeiro ano de presidência de Donald Trump, que aproveitou a maioria republicana que ele tinha nas duas casas legislativas para aprovar uma mudança de peso na legislação tributária americana.

O MRT é aplicável a todo o valor de lucros acumulados e não distribuídos desde 1986 até 2017, e aí que está o cerne da questão. O casal Moore é acionista de uma pessoa jurídica baseada na Índia que em 2017 tinha lucros acumulados e não distribuídos. No ano de 2006 Kathleen e Charles Moore investiram quarenta mil dólares numa companhia na Índia chamada KisanKraft, que faz ferramentas para agricultores numa região bem pobre da Índia. O percentual do casal Moore na empresa é de apenas 13% das ações. Durante todos estes anos a KisanKraft reinvestiu todo seu lucro, consequentemente o casal Moore nunca recebeu dividendos.

A obrigação tributária do casal Moore é de aproximadamente quinze mil dólares, o valor em dólares é pouco representativo, mas o impacto do julgamento é de muitos bilhões de dólares como já dito.

O principal argumento dos contribuintes nesse caso é que eles nunca receberam o valor deste lucro acumulado, vez que o lucro jamais foi distribuído. Diante disso o imposto não seria devido, pois o fato gerador do imposto de renda não teria acontecido. A importância deste julgamento é enorme pois a Suprema Corte americana, Scotus, irá ter que se pronunciar sobre o conceito de renda para chegar a uma decisão final. O que é renda para a Constituição americana? Dependendo do que for renda o MRT será devido ou não. A decisão da Scotus também terá impacto na política tributária futura dos Estados Unidos.

O casal Moore entende que não houve renda, portanto, a limitação ao poder de tributar contida na 16ª Emenda à Constituição Americana se aplica e o governo americano não pode tributar estes valores de lucro acumulados e não distribuídos ao longo dos anos. Num resumo seria basicamente assim, sem renda, sem fato gerador, então não existe obrigação tributária.

Potencialmente três resultados podem vir, sendo o primeiro uma vitória do governo americano, o que seria uma sinalização positiva para o Congresso norte-americano sobre taxar ganhos não realizados, como por exemplo ganhos bilionários de ações mantidas em carteira como acontece com Jeff Bezos, da Amazon. Jeff Bezos como principal acionista da Amazon não é tributado sobre a valorização de suas ações, pois estas ações continuam em seu poder, não havendo realização de ganho, o que é exatamente o ponto chave de Moore v. US. O movimento de se taxar ganhos não realizados dentro dos Estados Unidos ganha força a cada ano.

O segundo cenário seria uma decisão de que a taxação de ganhos não realizados é inconstitucional, e isso fecharia, pelo menos na composição atual da Scotus, as portas para o Congresso americano alterar a legislação criando tributação com contorno similar. O MRT foi um imposto de incidência única para os ganhos acumulados entre 1986 e 2017, portanto o impacto enorme do julgamento em relação aos contribuintes se refere à uma garantia contra eventual tributação futura.

O terceiro cenário seria se a Scotus decidisse de maneira bem pontual deixando claro que o julgamento seria específico para o MRT, sem qualquer implicação em outros impostos, existentes ou não. Aqui a Suprema Corte americana não definiria o que é renda para a Constituição Americana, apenas traria uma definição bem específica para este caso concreto, fato este com grande relevância para o sistema de precedentes do Direito Anglo Saxão.

Atualmente a maioria dos ministros da Scotus, chamados de Justices, tende a votar a favor do contribuinte, mas tanto lá como aqui, tentar prever o resultado de um julgamento dessa natureza é um exercício de futurologia inútil. Felizmente, em menos de dez meses teremos uma resposta.

Autores

  • é advogado empresarial, atualmente trabalhando nos EUA em escritório especializado em Direito Imigratório, e pós-graduado em Direito de Empresa pela PUC-MG, com LLM na Duke University School of Law.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!