Opinião

Dupla comissão de corretagem ilegal

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30 de outubro de 2023, 15h22

Preliminarmente, cumpre assinalar que o contrato de corretagem, segundo Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 384), é aquele no qual "uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, se obriga, mediante remuneração, a agenciar negócios para outra, ou lhe fornecer informações para celebração de contrato".

Nessa senda, segundo entendimento vigente no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), para o recebimento da remuneração da corretagem se fazem necessários alguns requisitos:

"O direito à percepção de comissão depende do preenchimento de três requisitos essenciais: a) a contratação (verbal ou por escrito) do corretor que, via de consequência, fica autorizado a fazer a mediação; b) a realização de serviços que logrem a aproximação das partes; c) finalmente, a concretização do negócio, pois a comissão está intimamente subordinada ao resultado útil da mediação". (2º TACSP-Ap. 585.387-00/0 Rel. Juiz Paulo Hungria 6ª Câmara J. 12/9/2000).

De antelóquio, já podemos perceber na praxe imobiliária uma ilegalidade manifesta: a cobrança da comissão de mediação logo na celebração da promessa de compra e venda de imóvel, o que não encontra amparo jurisprudencial, haja vista que sequer se sabe se o negócio será concluído (via de regra, quando envolver financiamento imobiliário que depende da aprovação de instituição financeira).

Voltando ao tema central, no caso da permuta de imóveis, ainda mais se houver torna, temos que a incidência da comissão deve recair sobre o valor total do negócio, e não sobre cada transação individualmente considerada, haja vista a celebração de apenas um contrato, qual seja, de compra e venda de imóvel, com a existência de comprador e vendedor.

Outrossim, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça bandeirante:

"Mandato  Comissão de corretagem  Intermediação de venda de imóvel  Permuta de imóveis  Corretora que admite ter recebido comissão que teve por base de cálculo o preço total do negócio (R$ 450.000,00)  Imóvel dado em pagamento, de menor valor, que não constitui base de cálculo autônoma da comissão  Serviços bem remunerados, provada a quitação – Pretensão improcedente  Sentença reformada.  Agravo retido não conhecido  Apelação provida". (Relator: Edgard Rosa; Comarca: Santa Isabel; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 13/02/2014; Data de registro: 14 /02 /2014).

No entanto, o que ocorre muitas vezes é que essa cobrança pode vir dissimulada em uma contraproposta, na qual o corretor informa o aumento no valor do imóvel perseguido ou até mesmo a menos-valia no imóvel oferecido como parte do pagamento, devendo o comprador ficar atento a esse jogo de números.

Portanto, nesse sentido, aquele que busca a compra de imóvel na imobiliária mediante permuta com torna ou volta não deve arcar com o pagamento da comissão de corretagem, salvo disposição expressa em contrário, visto que ausente um dos requisitos do direito à percepção da comissão, qual seja: a contratação dos serviços de corretagem, já que apenas se almeja a aquisição do bem da vida e se está diante de negócio jurídico único, sendo o contratante da corretagem a outra parte (vendedor).

Nesse diapasão, temos mais uma vez a jurisprudência do TJ-SP, verbis:

"Comissão de corretagem. Ação de cobrança e indenização por danos morais. Parcial procedência. Ilegitimidade passiva dos réus, pessoas físicas. Afastamento. Negócio realizado por meio de permuta de imóvel. Pretensão de recebimento da comissão sobre o valor de cada imóvel. Inadmissibilidade de dupla comissão. Incidência sobre o valor negociado. Ausente prova do pagamento, eis que o comprovante de transferência bancária não indica que se trata da comissão. Recurso parcialmente provido". (Relator: Cesar Lacerda; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/12/2016; Data de registro: 07/12/2016).

"CIVIL. CORRETAGEM. INTERMEDIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DUPLA COBRANÇA. SOLICITAÇÃO DO SERVIÇO POR AMBAS AS PARTES. RATEIO DA REMUNERAÇÃO EM PARTES IGUAIS. VALOR DA COMISSÃO QUE TEM COMO BASE PARA O CÁLCULO O IMÓVEL DE MAIOR VALOR. 1. Todos os corréus estão obrigados ao pagamento da comissão devida à autora, tendo em vista que usufruíram igualmente do serviço prestado pela corretora. Ambas as partes contratantes solicitaram os serviços da requerente, concordando com sua remuneração em 6% sobre o valor da transação. 2. Não é possível, na hipótese, a dupla cobrança de comissão, para que cada um dos contratantes realize integralmente o pagamento de 6% sobre o valor global da transação. Isto porque a comissão, neste caso, é uma só, sobre o valor do contrato, e não sobre a soma dos valores de cada imóvel envolvido, uma vez que não se trata de duas transações, mas de uma única permuta realizada entre os contratantes. 3. O valor da transação não deve, tampouco, se restringir à diferença dos valores dos imóveis a ser paga por um dos contratantes, mas é o valor da permuta em si. Logo, para fins de cálculo da comissão devida à requerente, tem-se como valor base aquele correspondente ao montante do conjunto de maior valor. Precedentes. 4. Recurso parcialmente provido". (Apelação nº 0113293-22.2012.8.26.0100, 35ª Câmara de Direito Privado, relator desembargador Artur Marques, 13.6.2016).

Por conseguinte, conforme a última ementa colacionada, é ilegal a cobrança da comissão de 6% sobre cada um dos contratantes, visto que o negócio jurídico é um só, devendo incidir sobre o valor total da transação, sob a lógica de se cobrar, na realidade, 12% de estipêndio, situação ilegal até mesmo no âmbito do Creci.

Ora, mesmo na permuta sem volta, o negócio jurídico ainda é um só, qual seja, a troca de bens.

Contudo, não podemos olvidar que o Codex Civil de 2002, sem seu artigo 533, prescreve que se aplica à troca ou permuta as disposições relativas à compra e venda com a diferença de que, salvo disposição contratual em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca.

Sem embargo, reitere-se, deve aquele que busca o imóvel pretendido se atentar para eventuais jogos de números que o corretor possa fazer no intento de dissimular a cobrança da comissão de corretagem também ou exclusivamente sobre o seu imóvel.

Assim, mais uma vez, o Tribunal de Justiça paulista com os contumazes acertos:                                                    

"CORRETAGEM. Formalização de proposta de venda e compra com permuta de imóveis por intermédio de corretor. Comissão de corretagem ajustada verbalmente. Pagamento não efetuado – Pretensão de recebimento de comissão sobre a venda principal e também sobre a operação envolvendo o imóvel entregue como parte do pagamento. Ação de cobrança contra o vendedor e contra a compradora que entregou imóvel como parte do pagamento. Sentença de procedência. Apelo dos réus. Preliminares de deserção e de incompetência territorial. Rejeição. Comprovação de que a atividade da autora resultou na consumação da operação de venda e compra. Resultado útil da aproximação dos contratantes verificado. Impossibilidade de separar o contrato de permuta do contrato principal de compra e venda. Negócio jurídico único. Inexigibilidade da comissão em relação à compradora que entregou imóvel como parte do pagamento. Improcedência da ação em relação a ela. Procedência mantida em relação ao réu vendedor. Apelação do réu desprovida, acolhida a da corré". (Apelação Cível nº 1000456-08.2017.8.26.0625; relator desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan; 29ª Câmara; j. 10/7/2019).

Nada obstante, aqui é preciso que fique clara a diferença entre a simples permuta de imóveis, daquela situação na qual o imóvel entra como parte do pagamento. Conforme Felipe Duarte descreve [1]:

"Portanto, na permuta de imóveis ocorre a troca de bens imóveis, sendo que neste caso não há a figura do comprador e do vendedor, pois ambas as partes estão permutando. De modo que não existe uma contraprestação em dinheiro, não existe um 'preço' na negociação. No caso de existir necessidade do pagamento de uma diferença em dinheiro, em que uma parte entrega um imóvel de menor valor e paga, ainda, uma quantia em dinheiro, ocorre na verdade a compra e venda."

Malgrado, o autor esclarece que os Conselhos de Fiscalização da categoria recomendam que, em caso de permuta e dação em pagamento, os honorários do corretor serão devidos pelos respectivos proprietários, no percentual correspondente ao da venda, o que não encontra amparo legal.

De forma semelhante alerta a advogada Tatiane Rodrigues Coelho, aduzindo que "os Crecis, na grande maioria, encaram a permuta como a venda de dois imóveis, portanto, entendem que o corretor faz jus ao recebimento de comissão sobre os dois imóveis" [2].

Obviamente, o Conselho Profissional dos corretores de imóveis visa maximizar o ganho de seus jurisdicionados, mas repita-se, tal prática não encontra guarida na jurisprudência, podendo configurar, conforme o caso, violação aos princípios contratuais da probidade e da boa-fé, nos termos do artigo 422 do Código Civil.

Em julgados mais recentes, a justiça paulista deixou assentado que "não há que se falar em pagamento de duas comissões, relativas a duas vendas, tendo em vista que o apelante entregou seu imóvel como parte de pagamento da aquisição, de modo que se trata de negociação única (permuta)" [3].

Portanto, o posicionamento dos conselhos de fiscalização profissional de corretores de imóveis no sentido de que a permuta (com ou sem torna) se caracteriza como a venda de dois (ou mais) imóveis carece de legitimidade, ainda que modulada por norma interna, haja vista uma resolução de conselho profissional não pode contrariar a legislação federal, por estar em uma posição inferior na escala hierárquica proposta por Hans Kelsen.

Ora, qual seria o absurdo se em um único negócio de compra e venda de imóvel ou permuta de imóveis o comprador se propusesse a oferecer dois imóveis como parte do pagamento. Haveria então a cobrança de três comissões, uma sobre o imóvel do vendedor, e uma sobre cada um dos imóveis do comprador?

Evidentemente, tal situação possui aspectos de má-fé e enriquecimento sem causa por parte do profissional dos negócios imobiliários, pratica vedada pelo artigo 884 do Diploma Civil.

Dessa forma, a vasta jurisprudência do sodalício do maior Estado do país tende a proteger as partes contratantes que se socorrem de profissional para auxiliar nas suas negociações.                                                          

Assim, o papel do corretor de imóveis deve ser no sentido de facilitar a vida dos negociantes, visto estar intrínseca uma função social na sua atividade profissional, e obter justa remuneração pelo serviço prestado. Eventuais ilegalidades devem ser comunicadas aos órgãos de controle ou dirimidas no âmbito do Poder Judiciário.

 

 

Referências bibliográfiacas:
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos, v. III, Forense, 11ª ed. 2004.

 


[3] (Relator: Francisco Occhiuto Júnior; Comarca: São Vicente; Órgão julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/08/2019; Data de registro: 26/08/2019).

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