Opinião

A coletivização de demandas e a cooperação judicial

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

30 de outubro de 2023, 17h17

As ações coletivas, denominas nos Estados Unidos como "class actions", alcançaram uma posição de destaque neste país em razão da "premissa de insuficiência do modelo processual clássico, os processos coletivos surgiram como resposta a este novo contexto político-social" [1], as quais foram efetivas por meio da sua sistematização no texto da Rule 23 Federal Rules Civil Procedure [2].

Sabrina Nasser de Carvalho em sua obra defende que as "class actions descortinaram um novo conceito de eficácia e eficiência do sistema processual, com a consagração de institutos que desafiaram os conceitos tradicionais do processo civil clássico" [3].

No entanto, no Brasil a primeira norma a tratar do tema foi a Lei nº 4.717/65 que regulamentou a ação popular, seguida Lei nº 6.938/81 que concedeu legitimidade ao Ministério Público para a propositura das ações de responsabilidade penal e civil pelos danos causados ao meio ambiente, já em 1985 pela ação civil pública, qual já trouxe diversos avanços, sendo aprimorada com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), passando então a abranger outras espécies de direito e, em 2009, a Lei nº 12.016/09, criou o instituto do mandado de segurança trouxe regras claras acerca do mandado de segurança coletivo. Em 2012 houve uma tentativa de modernizar as ações coletivas, no entanto a tentativa não obteve êxito, tendo o projeto de lei sido arquivado no Congresso.

Nesse sentido, a Lei nº 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa, a Lei nº 8.069/90 — Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda a Lei nº 10.741/03 — Estatuto do Idoso complementaram o microssistema de proteção dos direitos coletivos.

Seguindo a mesma linha, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe diversos instrumentos característicos do processos coletivo, a exemplo da ampliação das hipóteses de participação do "amicus curiae" nos processos e a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).

Assim, por meio da breve síntese acerca do tema, podemos então dizer que as ações coletivas buscam, em regra, um equilíbrio social por meio da distribuição equânime de direitos sociais, razão pela qual devem preponderar, nesse campo, sob as ações individuais.

Nesse contexto, com o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cinco tribunais de justiça celebraram, na última semana, um acordo para a reunião de todas as ações relacionadas ao caso da empresa 123 Milhas, em recuperação judicial, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) [4].

A medida adotada pelo tribunais que formalizaram o acordo acima mencionado é um típico exemplo de cooperação judicial, por meio da prática de ato concertado, na qual se busca, através de esforço coletivo de setores e órgãos diversos, a racionalização do uso do Poder Judiciário, garantindo uma maior efetividade da prestação jurisdicional.

O Conselho Nacional de Justiça regulamentou a possibilidade [5] de cooperação judiciária nacional por meio da Resolução nº 350/20.

Nesse sentido, Sílvio Neves Baptista Filho, em artigo intitulado "Coletivização de demandas e tratamento estrutural. Negócio jurídico processual e cooperação judiciária: O caso da Fundação Casa da Esperança" [6] conceitua os atos concertados como "espécie do gênero negócio jurídico processual, celebrado entre unidades judiciárias, para a prática de atos em prol da eficiência da prestação jurisdicional. É mecanismo de gerenciamento de casos (case management) (VITORELLI, 2020, p. 341), que permite o exercício coordenado da competência para concretizar o princípio da eficiência" [7].

Assim, é possível observar que a prática de atos em conjunto por tribunais diversos se mostra como um instrumento de uma maior efetividade das decisões, além de uma maior segurança jurídica, tendo em vista que tendo em vista que evita a propagação de decisões conflitantes, já que em casos como o da empresa 123 Milhas há uma propositura em massa de ações por todo país.

De igual modo, a reunião dos processos em um único tribunal facilita a comunicação entre as entre as varas comuns e especializadas, especialmente a vara onde tramita o processo de recuperação judicial, além de proporcionar que um número maior de pessoas lesadas sejam atendidas.

Após a explanação acima é possível concluir que houve, por meio da cooperação entre os tribunais, uma coletivização dos processos individuais a fim e garantir a efetividade das decisões judiciais, por meio da garantia da segurança jurídica e maior celeridade e isonomia, demonstrando que nos casos que envolvam demandas de massa ainda e casos que atinjam uma quantidade expressiva de pessoas lesadas, as ações coletivas são um instrumento de concretização do direito, o que justifica sua adoção em diversas demandas complexas como forma ainda de viabilizar a observância das garantias processuais constitucionais.

 

 


[1] CARVALHO, Sabrina Nasser de. Processos Coletivos e Políticas públicas: Mecanismos para a garantia de uma prestação jurisdicional democrática. São Paulo. Editora Contacorrente, 2016. p.129.

[3] CARVALHO, Sabrina Nasser de. Processos Coletivos e Políticas públicas: Mecanismos para a garantia de uma prestação jurisdicional democrática. São Paulo. Editora Contacorrente, 2016. p.131.

[7] Idem.

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em função social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em políticas públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJ-DF, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!