Opinião

Impossibilidade da responsabilidade do sócio no ilícito não tributário

Autores

  • João Rafael Arnoni Lanzoni

    é advogado tributarista no escritório Oliveira e Olivi Advogados Associados pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e MBA em Gestão de Tributos pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração Contabilidade e Economia (Fundace/USP Ribeirão Preto).

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  • Nayrê Silva Barbosa

    é advogada tributarista no escritório Oliveira e Olivi Advogados Associados pós-graduada em Direito Tributário pelo Damásio Educacional e pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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27 de outubro de 2023, 18h16

Introdutoriamente, nos moldes do artigo 121 do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo da obrigação principal pode tanto ser o contribuinte quanto o responsável, quando este, sem revestir a condição de contribuinte, possua obrigação decorrente de disposição expressa em lei [1].

Pela leitura do dispositivo legal, em concomitância com as previsões do artigo 134 [2] e 135 [3] do Código Tributário Nacional, o sócio da pessoa jurídica poderá, eventualmente, ser responsabilizado por seus débitos caso se enquadre em uma das hipóteses expressas em lei, razão pela qual a observância dos elementos legais é de suma importância.

Assim, assevera-se que conforme ordenamento pátrio referida responsabilidade é resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, sendo ônus da Fazenda, quem alega, sua comprovação.

Pois bem. Após sucinta introdução, cabe esclarecer que o objeto deste artigo é instigar o leitor a refletir acerca dos efeitos do lançamento pautado na devida presunção legal de ocorrência do ilícito não tributário no âmbito da responsabilidade tributária em face do sócio da pessoa jurídica. 

Isto porque, quando se versa acerca da presunção na seara administrativo-tributária há que se reconhecer a ordinariedade da sua utilização, ainda que tal fato possa ensejar questionamentos.

Para fins de esclarecimento, à título de exemplo, é possível verificar que em certos procedimentos administrativos, a autoridade fiscal pode considerar que o ilícito fora praticado, sendo tal conclusão pautada apenas em presunção, utilizando-se, para estes fins, de levantamento financeiro, bem como de arbitramento do lucro.

Ante o presente contexto fático, pergunta-se: O aproveitamento de tal técnica de fiscalização permitiria, suficientemente, a inclusão do sócio da pessoa jurídica no polo passivo da obrigação tributária, posto que a responsabilidade do sócio é subjetiva, ou seja, relaciona-se com o ânimo da pessoa física?

Nesta dinâmica, é fundamental que a autoridade comprove não apenas o intuito do agente como também a finalidade especial indicada no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Significa dizer que se torna obrigatória a demonstração da consciência e a intenção dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos que resultaram na obrigação tributária. Através da relação de causalidade, então, a conduta praticada pelo terceiro deve manter um elo com o resultado constatado pela fiscalização.

Assim, se o resultado for presumido, a conduta (que exige o elemento subjetivo) também assume a mesma característica, uma vez que se há inconstância acerca da concretização do resultado, ou seja, se este for presumido, torna-se logicamente impossível existir confiança na realização da prática de ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, somando-se, ainda, com a incerteza acerca da consciência do suposto responsável.

Verifica-se que por mais que se reconheça a presunção na seara administrativo-tributária em face do suposto ilícito causado pela pessoa jurídica, esse mesmo raciocínio não pode ser estendido para a pessoa física, terceiro responsável, ante a inexistência dos elementos expressamente previstos em lei que possibilitam sua responsabilidade tributária.

Assim como a presunção utilizada no processo administrativo tributário é inutilizada na persecução penal, ou ao menos não deveria, a responsabilidade tributária de terceiros decorrente de ilícito não tributário presumido é inadmissível, uma vez que não se compatibiliza com sua própria natureza.

Essa conclusão se torna ainda mais clara quando se compreende que para sua configuração, torna-se indispensável a configuração do dolo, elemento este que se encontra incompatível com a responsabilidade objetiva.

Nesse sentido já se manifestou o Carf no Acórdão nº 1301-003.031 [4], afastando a responsabilidade do artigo 135 no caso de autuação com base em presunção, pela inexistência de prova direta do dolo.

Ademais, no acórdão nº 1302-003.719, o Carf asseverou que a aplicação do artigo 135, do CTN, exige que autoridade fiscal seja "explícita em relação a quais atos foram praticados pelo administrador e quais dispositivos legais foram infringidos". Não bastando apenas ao Fisco aduzir a ocorrência de atos ilícitos, sendo necessário que eles sejam imputados individualmente ao responsável.

Ato contínuo, a 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, nos Acórdãos nº 1301-002.744, 1302-003.397 e 1302-003.397, decidiu que é ônus da administração a "individualização da conduta fraudulenta praticada pelo coobrigado apontado como sujeito passivo", e que a produção de prova deve ser individualizada com a identificação da conduta específica de cada responsável eleito.

É possível notar, de forma clara e evidente, o papel das provas no âmbito da responsabilização tributária e como a não comprovação pormenorizada das condutas realizadas pelo contribuinte impede a suposta alegação da Administração Pública.

Nunca é demais relembrar que o posicionamento adotado pelo STJ segue a mesma linha exposta. Nos termos do voto da ministra Regina Helena Costa no REsp nº 1.604.672/ES, "o artigo 135, CTN, contempla normas de exceção, pois a regra é a responsabilidade da pessoa jurídica, e não das pessoas físicas dela gestoras. Trata-se de responsabilidade exclusiva de terceiros que agem dolosamente, e que, por isso, substituem o contribuinte na obrigação, nos casos em que tiverem praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".

Dessa forma, via de regra, a inclusão do sócio na Certidão de Dívida Ativa deve corresponder a apuração de eventuais ilícitos que legitimam sua inserção como terceiro responsável.

Conclui-se, portanto, que a aplicabilidade de presunções deve ser comedida e não aplicada na hipótese trazida em apreço já que o lançamento por completo passa a ser dotado de presunção legal de ocorrência, afastando o preenchimento dos requisitos que viabilizam a responsabilidade de terceiros.

 

 


[1] Artigo 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

[2] Artigo 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

[3] Artigo 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

[4] RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA SOLIDÁRIA.

Respondem solidariamente com a empresa autuada pelos créditos tributários as pessoas que agiram com excesso de poderes e/ou infração à lei, nos termos do artigo 135, III, do CTN, bem assim aquelas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, nos termos do artigo 124, I do CTN, somente naqueles créditos em foi comprovada a atuação dolosa, o que não ocorreu nos casos de omissão de receitas decorrentes de prova indireta, em que o lançamento foi presumido.

Autores

  • é advogado tributarista no escritório Oliveira e Olivi Advogados Associados, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e MBA em Gestão de Tributos pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace/USP Ribeirão Preto).

  • é advogada tributarista no escritório Oliveira e Olivi Advogados Associados, pós-graduada em Direito Tributário pelo Damásio Educacional e pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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