Opinião

Produção antecipada de prova e gratuidade da Justiça

Autor

  • Bruno Augusto Sampaio Fuga

    é advogado professor doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020) pós-doutorando pela USP membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR) mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil) pós-graduado em Processo Civil (2009) pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011) coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina membro do IBPD e IAP conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.

26 de outubro de 2023, 6h38

Sobre gratuidade da Justiça, primeiro faremos algumas considerações a respeito do texto legal relacionado a isso e, depois, apresentaremos algumas considerações sobre a produção antecipada da prova, gratuidade da justiça e possível conexão da estabilidade e eficácia do resultado probatório.

De forma geral, em regra, "incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título", salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça (ver Código de Processo Civil (CPC), artigo 82).

 

Ainda no mesmo artigo, afirma-se que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou". (CPC, artigo 82, §2º). Consideram-se despesas "as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha" (CPC, artigo 84).

Ainda sobre essa redação, a parte que houver requerido perícia adiantará a remuneração do perito, podendo o juiz determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente (CPC, artigo 95). Quando a perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:

Artigo 95: § 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I – custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II – paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º.
§ 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública. (grifo nosso)

Sobre o texto legal, e complementando o tema, tem previsão no artigo 478 do CPC: "§ 1º Nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido".

Ainda, alguns recortes necessários relacionados aos artigos 98 a 102 (da gratuidade da justiça). Entendemos possível o pedido de impugnação da gratuidade da justiça, como pedido preliminar, da parte contrária interessada (CPC, artigo 100 e artigo 337, XIII). Aceitável também agravo de instrumento contra da decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação (CPC, artigo 101 e artigo 1.015, V).

Aplica-se ainda todo conteúdo legal relacionado à gratuidade da justiça (CPC, artigos 98 a 102) se compatível com as peculiaridades da produção antecipada da prova, como adiante iremos discorrer.

Feitas essas considerações iniciais, passamos a discorrer sobre as possíveis particularidades na produção antecipada da prova relacionada à gratuidade da justiça.

Pois bem, a ação de produção antecipada da prova tem suas peculiaridades, características sui generis, e, assim, deve mesmo ser tratada. No aspecto da gratuidade da justiça não seria diferente.

Certamente, será possível a concessão da gratuidade da justiça na produção antecipada da prova que pode atingir "as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios" (CPC, artigo 98). Do mesmo modo, compreenderá a gratuidade da justiça o rol descrito no artigo 98 em seu parágrafo primeiro, mas esse deferimento poderá comprometer, como veremos, o grau de eficácia e estabilidade da prova produzida

No aspecto geral não há muitas problemática para concessão da gratuidade e, em muitos sentidos, assemelha-se ao processo declaratório comum, exceto no aspecto de impossibilidade de aplicabilidade do disposto no artigo 95, parágrafo quarto, recém-citado.

Não há como existir condenação e capítulo da sentença na produção antecipada da prova que analise a responsabilidade pelas despesas processuais, em especial as decorrentes de perícias. Entendemos que seguirá a regra geral de obrigação de adiantar a remuneração do perito por aquele que houver requerido a prova, podendo o juiz determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite, em juízo, o valor correspondente. (CPC, artigo 95).

Assim, quando houver necessidade de prova pericial, as peculiaridades da produção antecipada da prova podem tornar o processo inócuo diante da concessão da gratuidade da justiça.

Mas destacamos que está em vigor também a resolução número 232/2016 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) — com alterações pela resolução 326 de 2020. Tal resolução trata justamente da aplicabilidade do artigo 95, §3º, do CPC, indicando tabela para os arbitramentos dos honorários do profissional ou do órgão nomeado para prestar os serviços nos termos da Resolução, devendo o pagamento dos valores referentes à perícia de responsabilidade de beneficiário da gratuidade da justiça ser efetuado com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal.

A resolução 232/2016, no artigo 1, §3º, afirma que "em sendo o beneficiário da Justiça gratuita vencedor na demanda, a parte contrária, caso não seja beneficiária da assistência judiciária, deverá arcar com o pagamento integral dos honorários periciais arbitrados". Entretanto, é possível constatar pelo argumento já descrito que, na produção antecipada da prova, não haveria essa possibilidade de condenação de vencido e vencedor.

Relacionado ao tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no RMS 61.105[1], relatora ministra Maria Isabel Gallotti, afirmou que "a responsabilidade do Estado pelo custeio dos honorários de perito nos casos de assistência judiciária gratuita está limitada pelo artigo 95, § 2º, do Código de Processo Civil, bem como pela Resolução  CNJ nº 232/2016, que estabelecem a aplicação da tabela de honorários do respectivo tribunal ou, na ausência, da tabela do Conselho".

"A limitação diz respeito unicamente à responsabilidade financeira do Estado, que não retira a responsabilidade do sucumbente quanto a eventual verba honorária remanescente, sendo aplicada a suspensão legal do crédito nos termos da lei (artigo 98, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil)."

Mesmo na circunstância de aceite do perito para realizar a perícia, os limites, pelo menos da responsabilidade da Fazenda Pública, estariam, assim, restritos aos valores no anexo da resolução. Esse tema, portanto, tem fina ligação com possível estabilidade e eficácia do resultado probatório na ação de produção antecipada da prova.

Assim, conectando todos os pontos e particularidades ligadas à produção antecipada da prova e à gratuidade da justiça, o primeiro que se destaca é a impossibilidade de capítulo da sentença para analisar vencido e vencedor (não se aplica, assim, CPC, artigo 82, §2º).

Como já afirmamos em publicação específica [2], há possibilidade de condenação aos honorários pelo princípio da causalidade, que não se confunde certamente sobre vencido e vencedor. Ainda nesse item, é possível sentença de procedência ou improcedência para julgar o direito de produzir ou não a prova (na hipótese de resistência dos interessados). Mesmo nessa hipótese, não há análise de vencido e vencedor acerca do mérito de eventual processo.

Sendo assim, não haverá julgamento de vencido e vencedor no mérito declaratório em sentença; no máximo, será analisado o direito ou não de produzir a prova. Mas esse ponto não autoriza a aplicabilidade do artigo 82, §2º, que traria a consequência de condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou.

Não sendo possível esse desfecho na produção antecipada da prova, não se aplica o artigo 95, §4º, com possibilidade de a Fazenda Pública executar os valores gastos com perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, dado que essa execução seria posterior ao julgamento do vencido e vencedor e, como afirmamos, não haverá essa análise na produção antecipada da prova.

Assim também, não se aplica, na produção antecipada da prova, parte da a resolução número 232/2016 do CNJ (com alterações pela resolução 326 de 2020). Em especial, não se aplica o no artigo 1, §3º, ao afirmar que "em sendo o beneficiário da justiça gratuita vencedor na demanda, a parte contrária, caso não seja beneficiária da assistência judiciária, deverá arcar com o pagamento integral dos honorários periciais arbitrados".

Daquela resolução, é possível aplicar e aproveitar a tabela para os arbitramentos dos honorários do profissional ou do órgão nomeado para prestar os serviços, devendo o pagamento dos valores referentes à perícia de responsabilidade de beneficiário da gratuidade da justiça ser efetuado com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal — reiteramos.

Esse é o ponto central do presente capítulo: a existente da tabela como fator limitador para pagamento das despesas. Um laudo médico, de acordo com a tabela, tem valor de R$ 370,00; não existindo médico que faça por esse preço, a ação de produção antecipada da prova poderá ser de baixíssima eficácia por inconclusão da prova. Nessa mesma linha de raciocínio, sendo a perícia complexa, poderá esse valor não ser suficiente para atingir o propósito e o resultado probatório será de baixa estabilidade de eficácia.

Por oportuno, destacamos que, embora não seja possível condenação de vencido e vencedor nos termos antes descritos, em eventual posterior ação declaratória, essa análise pode ser feita em sentença e, inclusive, responsabilizar o vencido a pagar as despesas tanto da ação declaratória quanto da produção antecipada da prova.

De tal modo, eventual condenação na ação posterior declaratória poderá ter um capítulo destinado à condenação das verbas honorárias e despesas do processo de produção antecipada da prova anteriormente ajuizado.[3]

Nesse sentido, despesas que foram adiantadas por interessados, que comprovadamente ganharem a ação declaratória posterior, poderão ter capítulo na sentença, condenando o vencido a pagar ao vencedor as despesas que adiantou (CPC, artigo 82, §2º), tanto as despesas relacionadas à produção antecipada da prova quanto da própria ação declaratória, desde que tenha pedido expresso.

Desta maneira, entendemos ser possível a condenação do réu na ação principal ao pagamento das despesas (CPC, artigos 82 e seguintes) advindas da produção antecipada da prova, além das próprias despesas da ação principal. Quanto aos honorários na ação principal, seu arbitramento deverá levar em consideração eventual serviço desenvolvido na ação preparatória (CPC, artigo 85, §2, IV), salvo a hipótese de já ter arbitramento na ação probatória antecedente.

Com esses mesmos argumento e raciocínio, na ação declaratória poderá ser aplicado o artigo 95, §4º, com possibilidade de a Fazenda Pública executar os valores gastos com perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, valores estes tanto da ação declaratória quanto da anterior ação de produção antecipada da prova.

Pertinente ao tema, destacamos a possibilidade de convenções processuais, principalmente anteriores ao ajuizamento de eventual pretensão, em especial de produção antecipada da prova, poderiam – bilateralmente — ajustar a responsabilidade pelo pagamento das custas inerentes às despesas (responsabilidade, ônus, dever, cota parte de cada pelo pagamento e adiantamento e outros temas afins).

Por fim, importante constar que não entendemos ser possível, na produção antecipada da prova, a determinação de impor aos interessados (contrários ao polo ativo) a obrigação de custear eventuais despesas (totais ou complementares). Primeiro argumento seria que o ônus é do autor (CPC, artigo 373, I) e, pela característica do procedimento, como já afirmamos, não poderá ter deferimento de inversão do ônus da prova (CDC, artigo 6º, VIII) e/ou dinamização do ônus da prova (CPC, artigo 373, §1º), principalmente pela impossibilidade de presunção de veracidade[4] dos fatos alegados.

 

*Pesquisa completa em: FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção antecipada da prova: procedimento adequado para a máxima eficácia e estabilidade. / Bruno Augusto Sampaio Fuga. – Londrina: Editora Thoth, 2023.

[1]    RMS 61.105/MS, Quarta Turma, por unanimidade. 10 de dezembro de 2019 (Data do Julgamento) Ministra Maria Isabel Gallotti Relatora.

[2] FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção antecipada da prova: procedimento adequado para a máxima eficácia e estabilidade. / Bruno Augusto Sampaio Fuga. – Londrina: Editora Thoth, 2023.

[3]    Sobre isso, Yarshell afirma que a insistência no julgamento estatal, mesmo após a obtenção de elementos probatórios, pode levar a parte a consequências mais gravosas; não se trata de sanções, mas de responsabilização da parte pelo pagamento de verba honorário e das despesa do processo – entendidas com a maior amplitude possível: “a responsabilização pelo pagamento de honorários e de despesas (incluindo, naturalmente, os custos de toda e qualquer prova, inclusive a produzida de forma antecipada)…. YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 80 e 82; neste sentido também, afirmando ser possível reembolso das despesas e sucumbência provocados pela cautelar: SILVA, Ovídio A. Batista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 193; assim também, entendendo pela possibilitar de receber despesa e honorários em eventual processo declaratório: CARVALHO FILHO, João Francisco Liberato de Mattos. Prova antecipada no código de processo civil brasileiro. (…) 2017, p. 196; ARSUFFI, Arthur Ferrari. A nova produção antecipada da prova: (…) 2019, p. 229.

[4]    REsp 1.162.123/SP. Decisão monocrática. Relator Presidente do STJ. (…) “A Seção de Direito Privado desta Corte no julgamento do REsp n. 1.094.846/MS (DJe de 3.6.2009), decidiu que no processo cautelar de exibição de documentos não se aplica a presunção de veracidade de que trata o art. 359 do Código de Processo Civil, cabendo ao magistrado, quando houver resistência do réu, determinar a busca e apreensão” Brasília, 19 de abril de 2010. Ministro Cesar Asfor Rocha Presidente. (grifo nosso)

REsp 1073688 / MT. (…) Inversão do ônus da prova. Art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90. Adiantamento das despesas processuais. 1 “A simples inversão do ônus da prova, no sistema do Código de Defesa do Consumidor, não gera a obrigação de custear as despesas com a perícia, embora sofra a parte ré as consequências decorrentes de sua não-produção.(…) Brasília, 12 de maio de 2009. Ministro Teori Albino Zavascki Relator. (grifo nosso)

REsp 1.094.846/MS. Repetitivo. (…) Ação cautelar de exibição de documentos. Art. 359 do CPC. Presunção de veracidade. Não aplicabilidade. Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade. (grifo nosso)

Autores

  • é advogado, professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina, mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil, pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL, coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB/Londrina e vice coordenador da comissão.

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