Opinião

Não dá para discutir a desproporcional retaliação do Estado de Israel

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26 de outubro de 2023, 11h19

Um motorista de ônibus, com mais de 50 passageiros amontoados, trabalhadores, mulheres e crianças, resolve parar em uma esquina para tomar um café. Larga a porta aberta e o motor ligado. Um transeunte, num ato tresloucado, toma a direção do ônibus levando os passageiros em alta velocidade. Depois de 6 horas a polícia decide agir, intercepta o coletivo e o cerca por todos os lados. Sob o pretexto de ter o direito de deter o suposto criminoso, policiais lançam diversas bombas sobre o ônibus, causando a morte de todos os passageiros.

Segundo as leis penais do país, o agente deve responder pelos crimes cometidos, eventualmente subtração e sequestro, ao passo que os policiais deveriam responder pelos assassinatos deliberados dos passageiros e destruição do ônibus.

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Esse caso hipotético, transplantado para o Oriente Médio, retrata de forma singela a gravidade do conflito que se instaurou entre Hamas e o Estado de Israel. De acordo com o Estatuto de Roma, subscrito pelo Brasil, o primeiro cometeu crimes de guerra ao lançar foguetes contra a população civil de Israel e tomada de reféns, infringido o artigo 8º, 2, "a", viii, e "b", i, do aludido estatuto.

O Estado de Israel, por sua vez, pratica crimes contra a humanidade com a matança indiscriminada de civis palestinos, inclusive funcionários da ONU, médicos e enfermeiras de organismos internacionais, atingindo ambulâncias, escolas, hospitais, mesquitas e igrejas cristãs, utilizando bombas de fósforo branco, privação de água, alimento, luz elétrica, remédios e todo tipo de ajuda humanitária, o que configura infração ao artigo 8º, 2, "a", i, iii, iv, e “b”, i, ii, iii, iv, v, ix, xviii, xxi, xxv, do Estatuto de Roma.

É indiscutível a desproporcional retaliação do Estado de Israel. Os pesados ataques do exército israelense continuam ininterruptamente até hoje, o que demonstra que seus objetivos são outros.

A Human Rights Watch, em relatório divulgado em abril de 2021, denunciou que autoridades israelenses cometem crimes contra a humanidade de apartheid e de perseguição. A conclusão se baseou em uma política predominante do governo israelense para manter a dominação dos israelenses judeus sobre os palestinos e em graves abusos cometidos contra os palestinos que vivem no território ocupado.

No presente conflito, quase 3.000 crianças foram mortas pelos ataques indiscriminados do exército israelense. Mulheres e idosos também não foram poupados. A política de terra arrasada promovida pelo Estado de Israel provocou, até o momento, a destruição de mais de 50% dos prédios de Gaza. Impôs-se o deslocamento forçado da população que ali vive em condições desumanas, confinada por cercas e muros. Não há para onde ir.

Yoav Gallant, ministro da Defesa de Tel Aviv, qualificou palestinos como "animais humanos" para justificar bloqueio total de energia, água e alimentos à cidade. E, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, "perder terras é o preço que os árabes entendem".

 É preciso dar nome às coisas. É um genocídio praticado pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Para a ONU, secundando a definição cunhada pelo judeu polaco Raphael Lemkin, genocídio é o assassinato deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e políticas. Pode referir-se igualmente a ações deliberadas com o objetivo da eliminação física de um grupo humano segundo as aludidas categorias. No Brasil, a Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956, define e pune o crime de genocídio.

Pelas Convenções de Genebra e pelo Estatuto de Roma, a utilização de força aérea contra a população civil é crime de guerra. O genocídio é crime contra a humanidade.

O mundo está assistindo ao extermínio de um povo milenar. Em diversos cantos do planeta manifestações gigantescas a favor do povo palestino, contra as atrocidades de Israel. Em recente pronunciamento, o Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, cravou que "o povo palestino foi submetido a 56 anos de ocupação sufocante". "Viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência; a sua economia foi sufocada; as suas pessoas foram deslocadas e as suas casas demolidas. As suas esperanças de uma solução política para a sua situação têm vindo a desaparecer."

De forma inusitada, o embaixador de Israel na ONU (Organização das Nações Unidas), Gilad Erdan, pediu a renúncia do secretário-geral. O Estado de Israel tenta calar quem ousa contrariar seus desígnios escusos. Para isso também se utiliza de um forte aparato midiático, valendo-se da disseminação de fake news, buscando desumanizar os palestinos.

Nessa toada, circulam notícias falsas como a dos bebês degolados, crianças enjauladas ou que os próprios palestinos teriam bombardeado um hospital anglicano matando mais de 500 palestinos. Perdeu-se o senso do ridículo. Perdeu-se o senso de humanidade.

O governo brasileiro tem envidado esforços para um cessar-fogo imediato na região, também para a abertura de um corredor humanitário em Gaza. Uma dezena de voos já foram feitos pela FAB (Força Aérea Brasileira) para repatriar brasileiros sediados em Israel. Porém, conterrâneos confinados na faixa de Gaza, até o momento, são impedidos por Israel de serem repatriados.

Reconhece-se que a criação do Estado de Israel pela Resolução 181 da ONU trouxe perspectivas de autodeterminação para os judeus refugiados da Europa. Todavia, Israel descumpre a chamada "Resolução da Partilha" que o instituiu, ultrapassando o limite de ocupação de 53% da Palestina, alcançando atualmente mais de 80% do território. Assim como esta, diversas outras resoluções da ONU são descumpridas por Israel.

Nestes tempos sombrios, a criação de um Estado Palestino é a solução para a paz. Judeus e palestinos merecem uma paz duradoura e justa.

Autores

  • é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal, pós-graduado em gestão pelo Insper, professor de Direito Constitucional.

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