Opinião

STF e Congresso: proposta de equilíbrio institucional em temas complexos

Autor

  • Marcelo Kokke

    é pós-doutor em Direito Público-Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) especialista em Processo Constitucional procurador federal da advocacia-geral da União professor da Faculdade Dom Helder Câmara professor de pós-graduação da PUC-Minas e professor do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).

13 de outubro de 2023, 19h26

A conjuntura democrática, inerentemente ligada ao pluralismo e a uma diversificação de variáveis própria da sociedade de risco, remete à abertura de flancos contínuos de conflituosidade. Isso de forma alguma deve ser lamentado, ao inverso, é resultado do processo de complexidade e ramificações de compreensão próprias das sociedades atuais e da diversidade de papéis e expectativas existentes.

As fronteiras entre as expressões comunitárias de bem-viver, com pautas de eticidade, ao lado de pretensões de questões de justiça que delineiam âmbitos primários de demanda mínima em ética de discurso ligada a padrões de justiça se fazem uma constante.

Nesse contexto, é previsível que áreas nebulosas ou cinzentas se formem cada vez com mais intensidade e constância, a colocar em cenário de discursividade institucional Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Legislativo.

Em um contexto civilizacional em que expressões de ideia de justiça e confrontações entre patamares de decisão individual, coletiva ramificada ou coletiva geral se fazem por si problemáticas, não é possível esperar a imagem de atuação seja de Legislativo, Executivo ou Judiciário como nos idos séculos 19 ou 20. Os arranjos institucionais devem corresponder aos contornos dos quadros sociojurídicos contemporâneos.

Alternativas que visem ao rompimento ou superação pelo ofuscamento de um Poder sobre o outro fatalmente ou violarão cláusula pétrea, no caso de emendas constitucionais, ou serão identificadas como saídas autoritárias. A alternativa que se constrói é a partir do próprio modelo de exercício das decisões constitucionais. Essa alternativa é apta a enfrentar os desafios constitucionais do Estado Democrático, tal como se faz palpável nos debates acerca da diferenciação entre usuário e traficante, criminalização, aborto, dentre outros. Lado outro, responde-se à fatal questão que se posta diante do Judiciário, quando a matéria colocada em decisão ainda não se encontra adequadamente madura para definição sob os parâmetros social, cultural e jurídico.

A proposta que aqui se estabelece é a inversão, com iniciativa parlamentar ou presidencial, para a provocação de sentenças de apelo. As denominadas sentenças ou decisões de apelo são aquelas em que a Corte Constitucional não julga em si a constitucionalidade ou inconstitucionalidade. O Poder Judiciário indica um prazo para que o Poder competente, comumente o Poder Legislativo, posicione-se.

O Poder Judiciário se abstém-se de decidir em um prazo fixado, dentro do qual poderá o Congresso legislar. Trata-se de uma modalidade de decisão transitiva ou intermediária de constitucionalidade. A técnica extrapola o binômio constitucionalidade-inconstitucionalidade e se faz apta a corresponder, com ajustes, às demandas dos diálogos institucionais constitucionais.

A técnica constitucional de apelo ao legislador já foi utilizada, guardadas as devidas proporções, inclusive na Lei do Mandado de Injunção, Lei nº 13.300/16. Aqui, conforme o artigo 8º, tem-se como cabível um prazo para que o legislador edite norma reguladora sobre o tema.

O STF já utilizou a técnica de decisões transitivas diversas vezes. Em recente caso, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 38, o STF fixou prazo para que o Congresso edite Lei Complementar até 30 de junho de 2025 para a redistribuição das cadeiras de deputados federais entre os estados, considerando mudanças na distribuição populacional. Portanto, já há prática institucional brasileira no exercício de apelo de normatização ou análise pelo Legislativo, deixando o Judiciário de pronunciar-se em substituição do Parlamento.

A proposição que se faz é a institucionalização constitucional para que a iniciativa do apelo normativo passe a ser também do Congresso e do Presidente da República. Em situações conjunturais que revelem necessidade de diálogo institucional, poderia o próprio Congresso demandar o exercício da decisão apelativa para que o julgamento no Supremo seja sobrestado durante prazo em relação ao qual exercerá o Parlamento sua atribuição legislativa, compatibilizando expectativas de direito com opções normativas centradas em avaliações de discursos de justificação da norma.

Tem-se, nesse contexto, legítima uma emenda constitucional que possibilite ao Congresso suspensão da deliberação judicial decisória até que o Poder Legislativo se pronuncie, em prazo fixado máximo, a fim de que não se configure uma pura e simples paralisação do processo judicial, seja em controle pela via principal, seja em controle pela via incidental.

O artigo 103, §3º, da Constituição atribui ao Advogado-Geral da União a competência de defesa do ato ou norma inquinada de inconstitucionalidade. Nada mais natural, portanto, do que atribuir ao Advogado-Geral da União, sob demanda do Congresso ou do Presidente da República, pleitear ao Judiciário a suspensão temporária da avaliação de constitucionalidade para exercício deliberativo seja do Legislativo, seja do Executivo.

A construção de uma decisão transitiva ou intermediária por linha apelativa para atuação do Poder Legislativo ou Executivo, provocada seja pelo Presidente da República, seja pelo Congresso, faz-se como uma via de diálogo institucional apta para discursividade democrática. A matéria, e inclusive a colocação em julgamento, deixa de figurar sob restrição apenas ao próprio Supremo e à sua Presidência para ser posta em avaliação plural colaborativa entre todos os Poderes.

Autores

  • é pós-doutor em Direito Público-Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), mestre e doutor em Direito pela PUC-Rio, especialista em Processo Constitucional, procurador federal da Advocacia-Geral da União, professor da Faculdade Dom Helder Câmara, professor de Pós-graduação da PUC-MG e professor do Uni-BH.

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