Opinião

Eis que surge um governo para pagar os precatórios pedalados

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

4 de outubro de 2023, 6h30

Tom Jobim dizia que o Brasil não é um país para amadores. Surge um governo que quer pagar precatórios atrasados e aparecem críticas por todos os lados para tirar o foco da questão central: o governo quer pagar e não pedalar os precatórios.

Para esclarecer o problema deve-se retornar a um passado não tão distante. O governo Bolsonaro incentivou, e, em conjunto com o Congresso, aprovou as Emendas Constitucionais (EC) 113 e 114, visando submeter o pagamento dos precatórios ao famigerado teto de gastos. Essas normas criaram um subteto para os precatórios ao determinar que a partir de 2021 o montante que ultrapassasse o valor corrigido desde 2016 deveria ser colocado em uma fila para pagamento no ano posterior, e assim sucessivamente, criando uma espécie de bola de neve que cessaria em 2026, quando então o valor acumulado deveria ser pago integralmente, em conjunto com os rotineiros precatórios anuais.

Spacca
Parece óbvio que esse procedimento não daria certo, pois em 2026 o valor a ser pago seria enorme, e o teto de gastos ainda estaria em vigor, obrigando a novas pedaladas. Era uma manobra para furar o teto de gastos entre 2021 e 2026, período coincidente com as eleições de 2022 e o novo mandato presidencial, pós-Bolsonaro, que ele pretendia ocupar e os eleitores não lhe concederam.

Os prejudicados propuseram ações perante o Supremo Tribunal Federal, destacando-se a ADI 7.047, apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e a ADI 7.064, interposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, ambas reunidas sob relatoria do ministro Luiz Fux. A Advocacia da União defendeu integralmente a medida em março de 2022 e a Procuradoria da República se manifestou em maio de 2022, apresentando uma interpretação que não enfrentava diretamente o problema. Diversos amici curie intervieram na demanda.

Eis que, de forma absolutamente correta, em setembro de 2023 a Advocacia Geral da União retorna aos autos e se manifesta pela inconstitucionalidade das duas emendas constitucionais. Esse procedimento da AGU merece aplausos, pois traz o debate aos trilhos adequados, uma vez que as inconstitucionalidades eram flagrantes desde o primeiro momento em que o projeto dessas Emendas Constitucionais foi apresentado. Aqui se encontra o pedido principal da recente manifestação da AGU.

Neste ponto se deve dividir a análise.

Juridicamente o debate está findo e o processo está apto a ser decidido, de forma ágil, já que não mais subsistem argumentos de defesa das normas imputadas como inconstitucionais.

Existe, de forma lateral, um debate econômico-contábil que tem gerado o tiroteio contra a medida. Esse aspecto está tecnicamente submetido à análise do STF nos pedidos subsidiários formulados na petição da AGU, e que consistem basicamente em solicitação de autorização para que a União segregue o valor do principal do valor dos juros, identificando os primeiros como despesa primária e os segundos como despesa financeira.

*artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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