Opinião

A importância de uma magistratura que reflita a diversidade social brasileira

Autor

  • André Augusto Salvador Bezerra

    é juiz de Direito em São Paulo professor no curso de mestrado profissional da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados mestre doutor e pesquisador com pós-doutorado concluído na Universidade de São Paulo (USP).

3 de outubro de 2023, 18h26

Em abril de 2022, recebeu ampla repercussão a notícia de uma mãe que, convidada para o aniversário de uma amiga em São Paulo, foi impedida de entrar no bar em que ocorria a comemoração. O motivo? A mulher barrada estava com uma criança. O evento se dava no período da tarde e o estabelecimento se situava em local aberto, aparentemente, adequado para uma criança.

Em termos jurídicos, o acontecido gera uma discussão interessante. De um lado, tem-se a qualidade de propriedade privada do estabelecimento, cujo dono, em tese, ostenta o poder de restringir a idade do público que o frequenta; do outro lado, há a questão da proibição de discriminação, imposta a todas as pessoas, o que teria ocorrido contra a mãe impedida de se socializar com a amiga.

A discussão ganhou as redes sociais. Apesar de o tema ser aparentemente técnico jurídico, a polêmica girou justamente em torno das duas teses acima referidas.

No debate, ficou perceptível, ao menos na "bolha" em que se convive nas redes, que, em favor do estabelecimento, geralmente estavam homens que não têm filhos ou cujos filhos não são mais crianças. Já em favor da pessoa barrada, estavam mulheres, geralmente mães de crianças pequenas, que apontavam o problema, vindo da maternidade, da solidão e da não socialização.

A partir da situação descrita, é possível ir além e supor que discussão semelhante chegasse ao Judiciário.

Imagine-se, tal como no caso citado, uma mãe que não pode se socializar com as amigas porque estas fazem sua confraternização nas tardes de sábado em um bar que não permite a entrada de criança pequena. Trata-se de uma mãe solo que não tem com quem deixar seu filho e que, conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde, ainda a amamenta.

Imagine-se, então, que ela ajuíze uma ação para obrigar o estabelecimento a permitir sua entrada, alegando estar sendo discriminada em razão da situação peculiar que atravessa.

Agora, por fim, imagine você, leitor(a), estar na situação da autora da ação. Você torceria para o caso ser julgado por um homem solteiro que não gosta de criança ou por uma mulher que acabou de voltar da licença maternidade?

Todo o escrito acima foi narrado para lembrar aquilo que parece óbvio, mas que muitas vezes é ainda objeto de estranhamento: por mais técnico que possa parecer, o ato de julgar processos não é um ato neutro. Por trás das conclusões jurídicas que embasam as decisões, há valores pessoais — vindos de experiências de vida, formação familiar e religiosa ou identidades ideológicas — que influem na interpretação da lei e, consequentemente, na apreciação dos litígios.

Daí a importância de uma magistratura plural, formada por pessoas vindas de diversos gêneros, raças e classes sociais, tendo, em suma, múltiplas histórias e experiências de vivência. Um corpo de juízes(as) que reflita a diversidade social brasileira.

Sabe-se, porém, que o país tem uma magistratura eminentemente masculina e branca. Os censos sobre o Judiciário organizados pelo órgão responsável pelas políticas judiciárias nacionais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), confirmam essa percepção.

É intuitivo, assim, alcançar-se a conclusão de que vigora, no país, uma situação de vantagem para quem se enquadra no perfil branco masculino e tem processos judicialmente apreciados. Suas demandas são compreendidas, de modo menos dificultoso, pelo(a) julgador(a).

Cabe fazer a ressalva: não se está dizendo que exista um intuito deliberado de juízes(as) para, no final das contas, legitimar a histórica dominação do homem branco do Brasil. O que se está apontando é que experiências de vida dos julgadores colocam o referido setor da população em vantagem (ainda maior) sobre os outros estratos populacionais.

Isso é involuntário. Nem sempre é perceptível por aquele(a) que julga. Assim como o juiz que não tem filho pode não perceber a gravidade do drama de uma mãe impedida de se socializar somente porque tem de cuidar de seu filho pequeno.

A democratização na composição do Judiciário é tema, portanto, que deve estar na ordem do dia. A boa notícia é que atualmente o CNJ tem formulado propostas legítimas de apoio à diversidade na magistratura, destacando-se a mais recente, colocada inicialmente à votação em 19 de setembro de 2023, para a inclusão de gênero como critério de promoção de juízes(as) à segunda instância. Pode ainda não ser suficiente para a solução do problema, mas já merece todo apoio.

Autores

  • é juiz de Direito, doutor e pesquisador em estágio pós-doutoral na Universidade de São Paulo (USP), professor do mestrado profissional Direito e Judiciário na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e autor do livro "Povos Indígenas e Direitos Humanos: Direito à Multiplicidade Ontológica na Resistência Tupinambá" (Editora Giostri).

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