Opinião

Receitas sindicais: um grande imbróglio

Autores

  • Denise Pires Fincato

    é pós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha) doutora em Direito pela Universidad de Burgos (Espanha) professora pesquisadora do PPGD da PUC-RS advogada consultora trabalhista e CEO do Instituto Workab.

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  • Andressa Munaro Alves

    é doutoranda e mestre em Direito pela PUC-RS bolsista Capes. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora na pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e da Pós-graduação em Direito Previdenciário da PUC-RS. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada.

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2 de outubro de 2023, 9h03

Desde o estabelecimento de comissão [1] destinada a debater sobre temas trabalhistas para que, em um futuro breve, novas reformas sejam propostas, a mídia vem destacando ponto especialmente delicado que se encontra no bojo de tais possíveis novas regulamentações: o retorno da obrigatoriedade da contribuição sindical.

O tema é efervescente e suscita confusões até mesmo entre os trabalhistas militantes, haja vista que, quando o assunto é receita sindical, pode-se encontrar passagens na CLT, previsões constitucionais, além de tantas outras disposições espalhadas em diversas fontes normativas. Acontece que todas elas possuem funções diferentes, mas de igual forma estão vinculadas a uma entidade sindical. Com vistas a desfazer este imbróglio, de início, cabe diferenciá-las.

Quando se fala em contribuição sindical parte-se do que dispõe o artigo 578 e seguintes da CLT, valores devidos pelos participantes das categorias, recolhidas uma vez no ano, na importância da remuneração de um dia de trabalho. Tal contribuição, tem por objetivo custear a assistência técnica, judiciária, médica, entre outros benefícios, prestados pelo sindicato aos seus contribuintes. Essa contribuição é também chamada de “imposto sindical” por sua origem impositiva e obrigatória, oriunda do cenário centralizador em que fora criado à época getulista.

Atualmente, tal contribuição não é mais obrigatória, sendo devida apenas por aqueles que manifestarem vontade — expressa e individual — no sentido de contribuírem para com seu sindicato.

Porém, quando o assunto é a contribuição confederativa, fala-se naquele custeio previsto na Constituição, mais precisamente, no artigo 8, inciso IV. Esse encargo será fixado em assembleia geral e descontado em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva. Com isso, considerando que o sistema brasileiro é composto por base triangular, os sindicatos na base e as confederações acima, essa contribuição está vinculada às camadas superiores do sistema.

Já a contribuição assistencial será prevista em normatizações coletivas (acordos e convenções coletivas, precipuamente) e visa financiar a negociação coletiva, isto é, custear o aparato envolvido durante a negociação coletiva (flyers, cartazes, deslocamentos, canais em redes sociais, etc). A discussão quanto à obrigatoriedade da contribuição assistencial teve alteração recente, resolvendo dúvida sobre sua obrigatoriedade a não filiados, sendo declarada constitucional tal cobrança, garantido-se o direito de oposição aos que não desejaram contribuir, conforme decisão do Tema 935 do Supremo Tribunal Federal.

A contribuição associativa estará prevista no estatuto do sindicato e visa instituir serviços e melhores condições ao seus filiados. Nessa linha, pode-se fazer analogia com os times de futebol, uma coisa é ser torcedor — pertencer à categoria —, outra é ser associado do clube e ter preferência de ingresso em dias de jogos decisivos.

Esclarecidas as diferenças entre as fontes de custeio dos entes sindicais, assim como a tradicional destinação das mesmas, a discussão que paira (novamente) no ar tem envergadura mais profunda, especialmente porque, com a queda da obrigatoriedade da contribuição (imposto) sindical, a maioria dos representados, imediatamente, deixou de fazê-la, sob o argumento de que não visualizavam uma “contraprestação” de seu ente representativo.

Mas porque falar em obrigatoriedade (ou não) contributiva? O que levaria um representado a negar contribuição a seu ente sindical?

É preciso realizar cálculos. Atualmente existem mais de 18 mil entidades sindicais cadastradas nos órgãos competentes, e a matemática demonstra que se considerado a natureza da receita que se vincula ao imposto sindical — dinheiro do trabalhador para custear o sindicato que era vinculado ao Estado, verba que como pré-dito, fora criada pelo Estado custear a si próprio, vislumbram-se valores consideráveis destinadas exclusivamente para custeio da estrutura, e não para a melhoria das condições de trabalho dos agremiados.

Fundamental considerar que (talvez) o decréscimo das contribuições possa guardar ligação direta justamente com tal fator: a não observação da conversão dos valores pagos em contraprestações ou, pior, seu misterioso desaparecimento em casos mais extremos. Em tempo, retomando a analogia feita com os clubes de futebol, se a forma de resolver esta complexidade fosse a possibilidade de livre agremiação (troca de time), como se daria esta operação?

Nesse cenário, em contexto de liberdade sindical, satisfeito o contribuinte com sua escolha, certamente pagaria, e com satisfação, pelo custeio de seu ente agremiativo. O problema começa, quando se recorda o teor do texto constitucional, que exige a vinculação sindical em razão da atividade econômica-profissão, e não por ato volitivo.

Com ou sem sua volta, preliminar a qualquer discussão é rememorar o movimento evidente que nos trouxe até aqui (novamente), da ascensão à queda. Recordar que não bastará tornar obrigatória a contribuição e desatentar as razões que ensejaram a (não) contribuição, a (não) vontade de pertencer, à falta de legitimidade do ente sindical enquanto destinatário natural das receitas coletadas junto aos representados. É necessário, então, de forma preambular a instituí-la novamente, resignificar a própria entidade sindical, assim como suas funções e o sentido da filiação sindical.

Romantismo ou não, talvez estabelecer contraprestações factíveis, assertivas e revigorar o ímpeto da representatividade em negociações coletivas torna-se muito menos traumático ao retorno da contribuição. Muito mais fácil do que promulgar novel legislação e toda liturgia que isso compreende — pelo menos.

Talvez a saída, para além dos consideráveis números destinados ao custeio da máquina estatal, seja repensar a forma de vinculação à entidade sindical e lançar luzes a um futuro de (possível) liberdade sindical, esta naturalmente acompanhada de atuação efetiva dos sindicatos em prol de seus representados, que deverão — rotineiramente — reforçar e demonstrar a sua atuação para mantê-los vinculados — e contribuindo.

 


[1] BRASIL. Novo Estatuto do Trabalho: CDH debaterá trabalho remoto, inserção e outros temas. Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/05/12/novo-estatuto-do-trabalho-cdh-debatera-trabalho-remoto-insercao-e-outros-temas. Acesso em 8 set. 2023.

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  • é pós-doutora em Direito do Trabalho pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), doutora em Direito pela Universidad de Burgos (Espanha), professora pesquisadora do PPGD da PUC-RS, advogada, consultora trabalhista e CEO do Instituto Workab.

  • é doutoranda e mestre em Direito pela PUC-RS, bolsista Capes. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional. Professora na pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho e da Pós-graduação em Direito Previdenciário da PUC-RS. Professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu. Advogada.

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