Segunda Leitura

A eficiência da Justiça na gestão do ministro Luís Roberto Barroso 

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de outubro de 2023, 10h56

O ministro Luís Roberto Barroso, dia 28 passado, tomou posse na presidência do Supremo Tribunal Federal, definindo como metas de atuação conteúdo, imagem e relacionamento e a intenção de desenvolver três eixos principais, proteção dos direitos fundamentais, preservação da democracia e melhoria na eficiência da Justiça no Brasil [1].

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Talvez nunca a Presidência da Corte Suprema tenha recebido alguém com planos tão definidos, o que, por si só, é motivo de otimismo e esperança. Vejamos o item eficiência da Justiça, algo que merece, com justa razão, atenção especial do novo presidente. 

Desde logo, é preciso deixar claro que um presidente do STF pode muito, ainda que não possa tudo. Não pode, por exemplo, alterar o sistema de quatro instâncias do Judiciário, causa principal da eternização dos litígios (artigos 101, inciso III, e 105, III, da Constituição). Mas pode como interlocutor privilegiado ou nas funções de presidente do CNJ promover mudanças radicais. 

Portanto, muitas são as possibilidades. Todavia, aqui o foco será a eficiência e a celeridade da Justiça Criminal, hoje em situação de flagrante descrédito. Com juízes desmotivados ou amedrontados, o lucro astronômico do tráfico de entorpecentes está levando as organizações criminosas a tomar conta do país. A Bahia é a adesão mais recente à perda de controle, com seis cidades entre as dez mais violentas do país no ranking nacional (Jequié, com 156.216 habitantes, é líder) [2], sendo a notícia mais recente a de que o Terceiro Comando Puro (TCP), do Rio de Janeiro, aliou-se ao BDM, facção local [3]

Mas, como a eficiência não é fruto apenas de uma ou duas grandes decisões, mas, sim, da soma de dezenas, grandes e pequenas, o ministro Barroso já anunciou uma medida sobre algo que lhe está mais próximo: passar a competência das ações penais originárias da corte para as turmas, retirando-as do Plenário [4]. Decisão acertada, pois o tempo que se perde com estas ações (v.g., julgando centenas de denunciados pelas ocorrências de 8 de janeiro) poderá ser dedicado aos milhares de recursos que diariamente chegam à corte. 

Entretanto, é preciso ter em conta que qualquer mudança gera reações contrárias. Umas, por legítima crença de que a iniciativa não é boa. Outras, porque quem reage perderá dinheiro ou poder. Algumas, por simples medo do novo. Ocorre que, sem coragem para enfrentar reações, nada se faz. E o novo presidente do STF parece disposto a encarar o desafio. Assim, aí vão três iniciativas que podem, realmente, agilizar a Justiça Criminal.

a) Estender à Polícia Judiciária a iniciativa do acordo de não persecução penal (ANPP)
O artigo 28-A do Código de Processo Penal permite ao Ministério Público que proponha o ANPP ao acusado que tenha confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos. Isso significa solução de casos de menor gravidade e mais tempo para os casos de maior gravidade. Simples assim.  

Mas a pergunta subsequente é a seguinte: se o ANPP deu certo e percebe-se, desde logo, que  é possível adotá-lo, para que serve um demorado inquérito policial? Não seria o caso de o delegado de polícia simplesmente apontar ao agente do MP a possibilidade de conceder-se o benefício, poupando-se as burocráticas medidas do IPL? A ideia foi muito bem exposta pelo DPF Flúvio C. Oliveira Garcia em pesquisa de pós-doutorado na PUC-PR, na qual explicita, detidamente, como isso poderia ser feito. O pesquisador em reforço lembra o sucesso da criação dos Núcleos Especiais Criminais de Conciliação (Necrims) na Polícia Civil do estado de São Paulo [5]. Uma resolução no CNJ, concertada com outros atores, seria suficiente. 

b) Ampliação da coleta de DNA de condenados por crimes
O Projeto de Lei 1.496/2021, do Senado Federal, pretende ampliar a coleta de amostra biológica para que se faça exame do ácido desoxirribonucleico, conhecido pela sigla DNA, que tem papel fundamental na apuração de crimes. A colheita do material em vestígios de saliva, sangue e sêmen no local do crime, permite identificar o autor de um crime, isso além dos casos relacionados com a hereditariedade.  

A coleta pode ser feita mediante a simples colocação de um cotonete na boca da pessoa para retirada da saliva. Por óbvio, isso não constitui nenhum atentado contra os direitos fundamentais, é algo simples que aconteceu milhares de vezes ao tempo da Covid-19. Além de elucidar crimes, pode beneficiar vítimas, identificando criminosos (vide caso da menina Rachel Genofre) [6], e inocentar suspeitos presos por erro nas investigações. 

O PL pretende incluir na coleta de DNA condenados por crimes dolosos contra vida, mas emenda apresentada pelo senador Sérgio Moro acrescenta casos em que foi recebida denúncia por crimes de natureza sexual (v.g., pornografia infantil) ou os praticados por organizações criminosas quando praticados com arma de fogo. Opor-se a tal tipo de permissão é permanecer no passado, valendo-se de provas obsoletas, como a ouvida de testemunhas. Ademais, fácil é prever que o exame de DNA será uma imposição genérica em poucos anos, face à sua importância em múltiplas questões duvidosas. Uma declaração favorável do presidente do STF impulsionaria o PL.

c) Conciliação em audiência de custódia
As audiências de custódia, criadas pelo CNJ através da Resolução 213, de 15 de dezembro de 2015, tornaram-se rotina em audiências que se realizam diariamente em juízos espalhados por todo o território nacional. Nelas examinam-se as formalidades da prisão em flagrante e o estado físico e psicológico do preso, sendo soltos os que não revelam periculosidade. 

Ocorre que muitos que chegam foram presos em plena prática do delito, como com o instrumento do roubo nas mãos do autuado com prova plena dos fatos, consistente em filmagem por câmeras instaladas nas ruas. Se os fatos são incontroversos e estão presentes todos os atores do sistema de Justiça e, acima de tudo, o autuado quer, por que não criar a possibilidade de celebração de um acordo que ponha fim ao conflito? Evidentemente, dando-se ao autuado vantagens, como as previstas para o ANPP, ou seja, ser beneficiado com uma reprimenda mais branda do que aquela que seria estabelecida em uma sentença penal condenatória, afastando-se, por óbvio, eventual reconhecimento da reincidência delitiva [7].

Vivemos a era da conciliação, nenhuma esfera está imune à nova realidade, nem mesmo a administrativa e a penal. Que sentido tem prosseguir no inquérito, propor ação penal, aguardar anos para chegar a uma conclusão pior à proposta em uma audiência de custódia? Nem se diga que pode ser prejudicada a ampla defesa do acusado. Não haverá prejuízo, porque o acordo na audiência de custódia terá de ser feito na presença de advogado e juiz. Ao contrário do ANPP, que é feito apenas pelo representante do MP, o juiz só o examinará posteriormente, para homologar. Um adendo à Resolução CNJ 213 seria suficiente. 

Em conclusão:  

As formas de solução de casos criminais caminham, inevitavelmente, para soluções simples e práticas. Discussões filosóficas sobre utilitarismo mostram, acima de tudo, completo desconhecimento da realidade forense. A maioria das pessoas envolvidas com fatos delituosos prefere pôr fim ao processo, que consumirá anos de sua vida, desgastando-se psicológica e financeiramente. O medo do novo não pode guiar as ações humanas e o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição, é tão constitucional como os direitos fundamentais.


[1] Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/394326/novo-presidente-do-stf-
barroso-conta-quais-serao-eixos-de-sua-gestao
. Acesso em 29/9/2023.

[2] GZH, 20/7/2023. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2023/07/quais-
sao-as-cidades-mais-violentas-do-brasil-dois-municipios-gauchos-estao-no-ranking-dos-50-com-mais-
homicidios-clkbcdp2x000r01j411dxpc01.html
. Acesso em 17/8/2023.

[3] Correios. "Rival do Comando Vermelho, facção carioca chega à Bahia e faz aliança com o BDM".
Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/rival-do-comando-vermelho-faccao-
carioca-faz-alianca-com-o-bdm-e-chega-a-bahia-0823
. Acesso em 30/9/2023.

[4] ConJur. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. "Barroso quer devolver às turmas do STF competência
sobre ações penais". Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-29/barroso-devolver-turmas-
competencia-acoes-penais
. Acesso em 30/9/2023.

[5] SILVA JÚNIOR, Adolfo Domingos. "A política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de
interesses e o núcleo especial criminal (Necrim) da Polícia Civil do estado de São Paulo na mediação e
conciliação nos crimes de menor potencial ofensivo". In: ZANQUIM JUNIOR, José Wamberto; CHACUR, Rachel Lopes (orgs.). Novos Direitos: Direito e Justiça. São Carlos: CPOI/UFSCar, 2018 – (Coleção Novos Direitos, 2), pp. 77-78.

[6] Gazeta do Povo. "Como funciona o banco de DNA que está ajudando a colocar assassinos impunes na cadeia". Célio Yano, 20/9/2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/caso-
rachel-genofre-banco-de-dna-parana-como-funciona/
. Acesso em 30/9/2023.

[7] REBELLO, Diogo T. Oliveira e MATOS, Fábio Barros de. "Aspectos legais e práticos do acordo de não
persecução penal". Revista Consultor Jurídico, 15/4/2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-15/matos-rebello-aspectos-acordo-nao-persecucao-penal. Acesso em 30/9/2023.

Autores

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador Federal aposentado, ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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