Público & Pragmático

O novo PAC e o apelo por aprimoramento estratégico de resolução de disputas

Autor

  • Sílvia H. Johonsom di Salvo

    é advogada em São Paulo doutora e mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista em Business Data Analytics pela Universidade de Cambridge e especialista em Mediação pela Universidade de Harvard.

1 de outubro de 2023, 8h00

Em agosto de 2023, o governo federal lançou o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), programa que visa resgatar e ampliar investimentos em infraestrutura no país, para atender a todas as esferas da federação. A partir de outubro de 2023, as prefeituras e governos estaduais do Brasil poderão inscrever obras fundamentais a suas regiões nos editais de seleção do Novo PAC. O propósito é a reunião de informações técnicas sobre empreendimentos de interesse social e consequente análise de viabilidade técnica.

Sob a perspectiva de governança, para promover crescimento sustentado de investimentos públicos e privados, o governo federal tem estabelecido as "Medidas Institucionais do Novo PAC". Essas medidas se dividem em cinco categorias:

1. Aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental.

2. Expansão do crédito e incentivos econômicos.

3. Aprimoramento dos mecanismos de concessão e parcerias público-privadas (PPPs).

4. Incentivos à transição ecológica.

5. Planejamento, gestão e compras públicas.

Dentre as cinco categorias, destaca-se a terceira categoria, que trata do "Aprimoramento dos Mecanismos de Concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs)", uma vez que retrata a importância de um marco normativo robusto para concessões e PPPs, visando parcerias eficientes com o setor privado em áreas como transporte, saneamento e energia. As medidas concentradas nessa categoria buscam fortalecer a parceria com o setor privado em novos setores estruturantes, ampliar as alternativas de financiamento por meio de fundos e instrumentos específicos, e oferecer apoio da União para concessões e PPPs em âmbitos estadual e municipal.

No geral, essas medidas visam melhorar o ambiente de investimento no Brasil, tornando-o mais eficiente e atraente para o setor público e privado. Algumas medidas específicas incluem simplificações na contratação de estudos técnicos, maior segurança jurídica em cenários de intervenção e relicitação de contratos, inclusão do setor portuário nas regras e diretrizes para repactuação contratual em ativos estressados.

Chama atenção, contudo, o fato de que o aprimoramento de mecanismos de resolução de disputas não estão incluídos no rol de medidas para fortalecimento dos sistemas de PPP no novo PAC.

Projetos de infraestrutura sob o regime legal de parcerias público-privadas (PPP) são grandes projetos em todos seus predicados: eles são tecnicamente complexos e envolvem relacionamentos contratuais de longa duração, e dependem da concertação de uma série de stakeholders, direta ou indiretamente envolvidos no projeto em si. Projetos de PPP são realizados com base em uma estrutura contratual complexa, na qual o componente-chave é o acordo de PPP, celebrado entre um ou mais entes públicos no papel de autoridade contratante, e o contraente privado, contratado comumente na forma de sociedade de propósito específico. Os acordos estabelecem, dentre outros aspectos, as obrigações de desenvolvimento da infraestrutura e os padrões de qualidade a serem mantidos, os quais, uma vez concluídos, dão ao contratante privado o direito de receber os proventos da parceria.

Os acordos de PPP, regidos por leis setoriais específicas e por disposições gerais do direito administrativo, estão sujeitos a padrões mais elevados de escrutínio em termos de preocupação com eficiência de custos e de política pública.

Os acordos são absolutamente estratégicos, porque envolvem uma amálgama de interesses, plurais em termos de sujeito e objeto.

A exemplo dos investidores privados, que aportam investimentos significativos no projeto cujo retorno também é a longo prazo, investimentos em PPPs são recuperados ao longo do tempo a partir do fluxo de fundos gerados pelo próprio projeto a partir do desenho projetado pela autoridade pública contratante, no que se incluem pedágios, taxas, investimentos diferidos e pagamentos de disponibilidade.

O marco regulatório das PPPs e as cláusulas contratuais autorizam o parceiro privado a obter financiamento para o projeto, a fim de garantir o fluxo de fundos. Essa modalidade de financiamento de projetos envolve várias partes interessadas, incluindo financiadores que não são partes na relação contratual decorrente do acordo de PPP, mas que têm interesse, uma vez que a cobrança de seu crédito depende principalmente do cumprimento das obrigações contratuais de ambas as partes.

A administração pública, por sua vez, assume compromissos politicamente, socialmente e financeiramente impactantes e relevantes, uma vez que o sucesso da parceria significa o sucesso de políticas públicas que superam os mandatos eletivos daqueles que lhe deram origem. No mais, frequentemente as PPPs envolvem a prestação de serviços que tem por princípio a continuidade.

Diante desse complexo concerto de stakeholders e instrumentalidades, o prejuízo de uma disputa no contexto de uma PPP vai muito além das consequências intra contratuais. O desequilíbrio de uma PPP por uma disputa não é apenas uma preocupação para os investidores e parceiros privados, porque resulta em alto custo político também para a administração pública. Ao mesmo tempo, a probabilidade de surgirem disputas entre todas as partes interessadas públicas e privadas e os riscos associados a tal probabilidade são muito altos; é quase que uma inevitabilidade.

Por isso, mecanismos rápidos e eficientes de resolução de litígios que ajudem a manter o relacionamento entre a administração pública e a entidade privada são essenciais para o desenvolvimento de projetos de PPP.

Historicamente, disputas envolvendo órgãos da administração pública tinham como destino o sistema judicial onde o projeto estava baseado. No entanto, à medida que os projetos de infraestrutura cresceram em tamanho e complexidade, e a demanda por confiança de investidores estrangeiros excluía a adjudicação de disputas por tribunais locais, reconheceu-se a importância de absorver outros mecanismos adequados de resolução de conflitos que fossem justos, inclusivos, eficientes, previsíveis e transparentes para a resolução de disputas, diante dos olhos das várias partes envolvidas nas PPPs. Por isso, os contratos de PPP, baseados em modelagens contratuais internacionalmente reconhecidos (tried and tested) por organismos multilaterais tem sido o fio condutor de mudanças de paradigma para a inserção de mecanismos de resolução de conflitos em diversas camadas e possibilidades.

A normatização local também acaba por cumprir esse papel. A Lei federal 11.079/2004, que é a Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Brasil, permite a inclusão de cláusulas de arbitragem nos editais de licitação, tornando a arbitragem um meio legítimo para resolver disputas em contratos administrativos, especialmente nas PPPs. Essa disposição legislativa incentiva a inclusão de cláusulas de arbitragem em contratos desse tipo, embora a arbitragem também seja válida para outros contratos administrativos, a par do que dispõe a Lei federal 9.037/1996, que desde 2015 prevê que "a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos materiais disponíveis".

Ainda em 2015, a legislação brasileira passou a recepcionar com mais vigor a mediação como forma de resolução de conflitos na administração pública, não apenas pelo fomento do emprego do método em si, mas também pela previsão de criação de câmaras especializadas no âmbito de diversos entes federativos para administrar o uso da mediação e da conciliação.

Mais recentemente, outro mecanismo de resolução de conflitos que vem ganhando tração nos contratos de infraestrutura pública é o comitê de resolução de disputas ou dispute boards. A regulamentação dos dispute boards nos contratos administrativos paulatinamente aparece nas esferas da federação, a exemplo do município de São Paulo, que prevê o mecanismo na Lei municipal nº 16.873/2018 e o regulamenta no Decreto municipal nº 60.067/2021. Na esfera nacional, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei Federal nº 14.133/2021) enuncia os dispute boards como meio alternativo de prevenção e resolução de controvérsias a ser utilizado nas contratações públicas, ao fazer referência a "comitês de resolução de disputas". Na Câmara dos Deputados tramita o PL 9.883/2018, apensado ao PL 2421/2021, que busca detalhar dispositivos sobre o uso dos Comitês de Resolução de Disputas (dispute boards) em contratos administrativos. No mais, setorialmente, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem buscado diálogos para o desenvolvimento de regulamentação acerca do Comitê de Resolução de Conflitos (dispute board) no âmbito das concessões de rodovias e ferrovias.

Dessa forma, as leis e contratos de parcerias público-privadas (PPPs) oferecem várias opções para resolver possíveis disputas relacionadas à interpretação do contrato, tanto durante a construção do projeto quanto em sua operação subsequente. A escolha de um método específico para resolver disputas é influenciada em parte pelas preferências do sistema legal do país em que o projeto é realizado, bem como por considerações de interesse público. Isso pode incluir, por exemplo, a manutenção do local de qualquer disputa dentro do território do país em que o projeto é desenvolvido, bem como a aplicabilidade das leis nacionais.

Projetos de PPP de longo prazo e alto valor, especialmente aqueles relacionados à prestação de serviços públicos, são de particular interesse para as autoridades públicas. Elas buscam resolver disputas de maneira amigável e oportuna para evitar que a situação se agrave, prejudicando a relação com os parceiros privados. Além disso, as disputas em PPPs geralmente envolvem aspectos altamente técnicos ou econômicos que vão além do simples entendimento da lei e podem surgir durante as fases de construção e operação do projeto, décadas após seu início.

Essas características ressaltam a necessidade de incluir, no conjunto de práticas de boa governança do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mecanismos de resolução de disputas que operem em múltiplos níveis, para lidar eficazmente com essas complexidades.

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  • é advogada em São Paulo, doutoranda e mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Business Data Analytics pela Universidade de Cambridge e especialista em Mediação pela Universidade de Harvard.

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