Ato macabro

Candidato a cargo público que se recuperou de doença não pode ser barrado, decide STF

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30 de novembro de 2023, 17h32

É inconstitucional impedir a posse em cargo público de candidato que, embora acometido por doença grave, não apresenta sintomas incapacitantes, nem tem restrição relevante que o impeça de exercer a função.

Carlos Moura/SCO/STF
Venceu o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso

Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que invalidou nesta quinta-feira (30/11) o ato administrativo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que estabeleceu período de carência para candidatos a cargo público que já tenham se recuperado de doença grave. A corte fixou tese de repercussão geral sobre o tema.

O caso concreto era o de uma mulher aprovada em concurso público para cargo no TJ-MG, mas barrada após avaliação médica constatar que ela teve câncer de mama menos de cinco anos antes da aprovação.

Quando passou na disputa, ela já estava recuperada. Ainda assim, o ato administrativo do TJ impedia a investidura com a alegação de possível recidiva, e de que a doença, embora já superada, poderia levar a licenças de saúde, aposentadoria prematura e morte.

Segundo o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, supostos e incertos riscos futuros não podem impedir a fruição de direitos fundamentais, em especial o direito ao trabalho. Ele também destacou que o ato administrativo impedia principalmente a posse de mulheres.

“Ao estabelecer período de carência, especialmente para carcinomas ginecológicos, o ato administrativo restringia o acesso de mulheres a cargos públicos, incorrendo em discriminação. (Trata-se de) Uma visão antiga da vida, de que a doença alijava as pessoas. Hoje em dia há compreensão totalmente diferente: pessoas que têm HIV têm vida útil, há pessoas com deficiência com uma vida totalmente útil, de modo que houve uma evolução da consciência social na percepção desse tipo de limitação”, afirmou Barroso.

O ministro também destacou que a candidata fez cirurgia, quimioterapia, radioterapia, recuperou-se, prestou concurso e foi aprovada, mas ouviu uma negativa do TJ mineiro com base em alegações sobre sua saúde futura, sem que fossem fornecidos critérios objetivos para o impedimento.

“Concursos públicos devem combater desigualdades, corrigir desigualdades e abster-se de praticar desigualdades. O risco futuro e incerto de recidivas, licenças de saúde e aposentadoria não pode impedir a fruição de um direito fundamental, em especial o direito ao trabalho, que é indispensável para propiciar a subsistência, emancipação e reconhecimento social. A vedação à posse é, por si só, violadora da dignidade humana, pois representa um atestado de incapacidade, capaz de minar a autoestima de qualquer um.”

O tribunal fixou a seguinte tese de repercussão geral:

É inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidata(o) aprovada(o) que, embora tenha sido acometida por doença grave, não apresenta sintomas incapacitantes, nem possui restrição relevante que impeça o exercício da função pretendida.

Previsão ‘macabra’
Ao acompanhar Barroso, o ministro André Mendonça rejeitou o argumento do estado de Minas Gerais de que eventual invalidez poderia gerar custos ao erário.

“As preocupações não se sustentam, até pela alteração havida a partir da Emenda Constitucional 103/2019, que alterou a aposentadoria por invalidez, agora chamada aposentadoria por incapacidade permanente, porque no novo texto constitucional os proventos, como regra, são proporcionais ao tempo de contribuição. Logo, não haveria razão para se cogitar descompasso financeiro entre a contribuição e eventual direito previdenciário.”

O ministro Alexandre de Moraes qualificou o impedimento de posse como “macabro” por tentar fixar a estimativa de vida de pessoas que foram acometidas por doenças.

“O próprio TJ reviu (o ato). A pessoa pode trabalhar, quer trabalhar e passou no concurso. Não é a administração pública que vai fixar se ela tem ou não viabilidade de vida, qual prazo ela tem de vida. Isso chega a ser macabro. Absurdo”.

A ministra Cármen Lúcia também criticou o ato e disse que atualmente há uma “materialização de valores extremamente doente, mais doente do que qualquer mal que acometa nossos corpos”. Ela também qualificou como “doença” achar “que um ser humano vale pelo que é capaz de produzir”.

RE 886.131

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