Opinião

Novidades sobre a assinatura eletrônica

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14 de novembro de 2023, 19h20

São comuns dúvidas referentes a legalidade, validade e segurança jurídica de documentos assinados eletronicamente, especialmente em razão da evolução da tecnologia e do direito em torno do tema já que este se presta a regular o comportamento humano.

Assinatura eletrônica se trata da manifestação de vontade por meio de assinatura em meio eletrônico e que, nos termos da Lei nº 14.063/2020, pode compreender três tipos: 1) assinatura eletrônica simples, 2) assinatura eletrônica avançada, e 3) assinatura eletrônica qualificada (a qual chamamos de assinatura digital — cuja autenticidade, integridade e validade é certificada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira — “ICP-Brasil”).

Os três tipos de assinatura eletrônica caracterizam de maneira crescente o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, sendo a assinatura eletrônica qualificada (assinatura digital) a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.

A distinção mais relevante entre a assinatura eletrônica qualificada (assinatura digital) e os demais tipos de assinatura eletrônica dizia respeito à força executiva do documento e foi, nos últimos anos, tema que gerou certa divergência de opiniões nos tribunais. Embora não fosse um óbice jurídico, tinha-se sempre presente a circunstância de que documentos firmados mediante assinatura eletrônica simples ou avançada tendiam a ter menor força executiva se comparados a documentos firmados mediante assinatura digital, embora mantivessem seu efeito vinculante.

E isso era natural, uma vez que a eletrônica qualificada (assinatura digital) tem sua autenticidade garantida por lei e as demais assinaturas eletrônicas dependem da aceitação das partes contratantes para o seu uso, bem como de padrões de segurança que garantam e comprovem a autenticidade das assinaturas (como, por exemplo: dados completos do signatário, endereço eletrônico verificado, código de identificação/código que permita a rastreabilidade do documento na recomendação, IP, data e hora de assinatura etc.).

Destarte seus níveis de questionamento, consagrada pelo artigo 10, §2º da Medida Provisória nº 2.200-2/2001 (MP 2.200-2/2001), a assinatura eletrônica é plenamente valida e fundamentada em qualquer uma de suas modalidades, inclusive aquelas que se dão sem a certificação da ICP-Brasil.

No mesmo sentido, o artigo 107 do Código Civil brasileiro já admitia de maneira geral que, com exceção dos casos cuja forma específica esteja prevista expressamente em lei, a forma por meio da qual as partes contratantes desejam declarar a sua vontade é livre. Dessa forma, salvo se a lei expressamente exigir em outro sentido, documentos assinados eletronicamente são legalmente válidos.

Esse cenário denota que o ordenamento jurídico brasileiro veio sendo ajustado de forma a incorporar e refletir a realidade do crescente e acelerado avanço tecnológico e, muito embora assinaturas eletrônicas já fossem utilizadas, tiveram seu uso aumentado sobremaneira com o acontecimento da pandemia da Covid-19. Diante da pandemia e suas restrições, a assinatura eletrônica deixou de ser mera modalidade de assinatura e tornou-se iminente necessidade.

Em vigor desde 14 de julho deste ano, tivemos mais uma novidade sobre o tema trazida pela Lei nº 14.620/2023 que, por meio de seu artigo 34, estabelece a inclusão do §4º ao artigo 784, do Código de Processo Civil, que passa a dispor que “Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura“.

Antes da entrada em vigor da Lei nº 14.620/2023, os contratos, em meio físico ou eletrônico, deveriam, a princípio e como regra geral, ser celebrados com a assinatura das partes, de duas testemunhas e prever obrigação certa, líquida e exigível, sob pena de não configurarem um título executivo extrajudicial.

Em observância ao princípio da tipicidade legal (nullus titulus sine legis) que fundamenta a regra de que constituem títulos executivos extrajudiciais aqueles definidos em lei, por meio do art. § 4 do art. 784 o legislador criou, portanto, nova modalidade de título executivo extrajudicial, atestando, de uma vez por todas, que um documento constituído ou atestado por meio eletrônico, desde que tenha sua integridade conferida por provedor de assinatura, será considerado título executivo, independentemente da assinatura de duas testemunhas.

No novo dispositivo, porém, o legislador foi omisso com relação à especificação se o “provedor de assinatura” em questão deveria ou não ser um provedor cadastrado ou credenciado junto a ICP-Brasil.

O ponto crucial da interpretação (e aplicação) da nova modalidade de título executivo extrajudicial passou a ser, assim que o novo parágrafo foi incluído no CPC, entender quais seriam os “provedores de assinatura” admitidos que de fato teriam legitimidade para conferir integridade ao contrato assinado eletronicamente e que, assim, poderia ser considerado título executivo extrajudicial.

Se ainda havia divergência de opiniões entre tribunais quanto à aceitabilidade de assinaturas eletrônicas não validadas pela ICP-Brasil, que de um lado se posicionavam  pela aceitação da utilização de quaisquer meios de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitidos pelas partes como válidos ou aceitos pela pessoa a quem for oposto o documento e, de outro lado, o entendimento de que a plataforma intermediadora da assinatura eletrônica deveria estar credenciada na ICP-Brasil, em razão da alegada impossibilidade de se conferir a autenticidade da assinatura e identificação inequívoca do signatário do documento, com a inclusão do §4º ao artigo 784 do CPC, é crível concluir que essa discussão passou a não mais fazer sentido, posto que a assinatura eletrônica certificada por entidade não credenciada na ICP-Brasil já foi, expressamente, prevista no artigo 4º da Lei 14.063/2020 e a novidade é que, além disso, também passou a ser admitida a dispensa das assinaturas das testemunhas.

Assim tem entendido o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que recentemente decidiu pelo descabimento de determinação de emenda da inicial para comprovação da prévia pactuação entre as partes, a fim de demonstrar a liquidez, certeza e exigibilidade do contrato eletrônico, considerando que tal forma de contratação possui amparo legal (citando o novo parágrafo 4º do artigo 784 do CPC/1 e a MP 2.200-2/01, artigo 10, §2º) e jurisprudencial (REsp 1495920/DF, J. 15/05/2018), dispondo, ainda, que o instrumento que aparelhou a petição inicial indicava detalhadamente as informações da operação de crédito e contém assinatura digital do contratante, documentada por meio de autenticação eletrônica. ((TJSP – AI 2204589-17.2023.8.26.0000 — Guarulhos — 17ª CDPriv. — relator Luís H. B. Franzé — DJe 18.09.2023).

Novas decisões e desdobramentos sobre o tema provavelmente ocorrerão, especialmente considerando que o novo dispositivo legal é recente e ainda pode gerar interpretações diversas nos tribunais brasileiros, considerando a peculiaridade de cada caso concreto. Contudo, é certo que uma importante lacuna do ordenamento jurídico pretérito sobre o tema foi preenchida com o disposto no artigo 34 da Lei nº 14.620/2023.

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