Opinião

Licença para acompanhar cônjuge é obrigatória e independe de ambos serem agentes públicos

Autor

  • Julio Cesar Fonseca Mollica

    é mestre em Direitos Humanos Cidadania e Violência pelo Instituto Euro-Americano de Educação Ciência e Tecnologia especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) professor das Faculdades Integradas Unicesp/Facicesp e assessor especial da presidência do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

14 de novembro de 2023, 20h21

É possível a concessão de licença para acompanhar cônjuge que se mudou para outra localidade, nos termos do artigo 84 da Lei nº 8.112/1990, mesmo que o cônjuge ou companheiro não seja servidor público, sendo este ato um vinculado, ou seja, direito subjetivo do agente público solicitante.

Dentre as diversas hipóteses de licença previstas no estatuto dos servidores públicos civis da União, está a possibilidade da concessão da licença por motivo de afastamento de cônjuge. Assim prevê o estatuto:

Artigo 84.  Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo. §1º A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração. § 2º No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo.”

A norma exige que o cônjuge também seja servidor público apenas em seu segundo parágrafo, ao especificar que neste caso poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo. Esta é a regra para a hipótese de licença remunerada.

Por outro lado, para a licença não remunerada, prevista no primeiro parágrafo, não há tal exigência, bastando para tanto a comprovação do vínculo entre os cônjuges e a alteração de residência de um deles. Diversos são os precedentes judiciais têm reforçado este entendimento.

No TRF-5, por exemplo, ao julgar o processo nº 0806757-39.2014.4.05.8300 a 2ª Turma reconheceu o direito de servidora pública à licença para acompanhar cônjuge transferido em razão do trabalho, mesmo não sendo o cônjuge servidor público:

(…). 3. No caso concreto, o marido da autora exercia a função de professor em instituição de ensino privada (…) 5. As alegações de que o termo poderá contido no caput do artigo 84, da Lei 8.112, traduz-se em poder discricionário da Administração no atendimento do pleito, não merecem acolhida. 6. Com efeito, o art. 84, do Estatuto do Servidor Público Federal, tem caráter de direito subjetivo, bastando que o servidor comprove que seu cônjuge deslocou-se, seja em função de estudo, saúde, trabalho, inclusive na iniciativa privada, ou qualquer outro motivo, para que lhe seja concedido o direito à licença: (…) (TRF-5 – ApelRemNec: 08067573920144058300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FREDERICO WILDSON DA SILVA DANTAS (CONVOCADO), Data de Julgamento: 05/05/2020, 2ª TURMA).”

Nesta mesma linha, o TRF da 1ª Região, ao se debruçar sobre o processo nº 1015560-52.2018.4.01.3400, também reforçou a posição da obrigatoriedade de se conceder a licença para uma servidora pública acompanhar o cônjuge que foi transferido em razão do trabalho, mesmo ele não sendo servidor público:

3. O artigo 84, caput e §1º, da Lei nº 8.112/90, dispõe que poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo tal licença por prazo indeterminado e sem remuneração. O referido artigo não exige a qualidade de servidor público do cônjuge daquele que pleiteia a licença, não importando, ademais, o motivo do deslocamento. 4. Os únicos requisitos legais da licença para acompanhamento de cônjuge, sem remuneração, são a existência de vínculo de matrimônio ou de união estável e o efetivo deslocamento do cônjuge ou companheiro(a). Verificado o cumprimento de ambos os requisitos legais, a licença pleiteada constitui direito subjetivo do servidor e ato vinculado da Administração Pública, e deve ser concedida independentemente de juízo de conveniência e oportunidade, sendo este o caso dos autos. Precedentes do STJ e deste E. TRF-1. 5. Apelação provida. (TRF-1 – AC: 10155605220184013400, relator: desembargadora federal Sônia Diniz Viana, Data de Julgamento: 02/06/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: PJe 22/06/2021 PAG PJe 22/06/2021).”

Já a Justiça Trabalhista, ao julgar a hipótese de concessão desta mesma licença no caso dos empregador públicos, foi além e firmou o entendimento de que negar a concessão de licença para acompanhamento de familiar afronta princípios constitucionais, tais como o Princípio da Preservação da Unidade Familiar e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:

O não deferimento de licença para acompanhamento de familiar, devidamente previsto no Regulamento de Pessoal da recorrida, se configuraria em nítida afronta a vários Princípios Constitucionais como: a) o Princípio Constitucional da Preservação da Unidade Familiar, insculpido no artigo 226 da Carta Maior, (…) b) o Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade (artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99 e CF/88), tendo em vista que não acarretará nenhum prejuízo à administração, e; c) o Princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da CF/88) (…) (TRT-7 – ROT: 00006017020205070006 CE, relator: Francismo Gomes da Silva, 2ª Turma, Data de Publicação: 02/02/2022)“.

Enfim, o STJ, corte superior responsável por assegurar a correta interpretação das leis federais, também segue a mesma linha de entendimento, ou seja, de que a licença para acompanhamento de cônjuge constitui direito subjetivo do interessado, não importando o motivo do deslocamento de seu cônjuge, que sequer precisa ser servidor público:

1. O artigo 84 da Lei nº 8.112/90 admite duas hipóteses em que o servidor pode afastar-se de seu cargo efetivo. A licença prevista no caput do referido artigo constitui direito subjetivo do interessado, não importando o motivo do deslocamento de seu cônjuge, que sequer precisa ser servidor público. Nesses casos, o servidor público federal fica afastado do seu órgão, por prazo indeterminado e sem remuneração (§1º). (…) 3. É certo que esta Corte de Justiça vem decidindo no sentido de que a licença prevista no artigo 84, §2º, da Lei nº 8.112/90 também não está vinculada ao critério da Administração. Contudo, para se ver caracterizado o direito subjetivo do servidor é necessário o preenchimento de único requisito: o deslocamento de seu cônjuge. (…) 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg nos EDcl no REsp: 1324209 RS 2012/0104175-0, relator: ministro Og Fernandes, Data de Julgamento: 03/12/2013, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12/12/2013).”

Assim, conclui-se que é obrigatória a concessão da licença para acompanhamento do cônjuge que, por qualquer motivo, foi deslocado para outra localidade, ou mesmo para o exterior, nos termos do artigo 84 da Lei nº 8.112/1990, ainda que o cônjuge não seja servidor público.

Autores

  • é mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Violência pelo Instituto Euro-Americano de Educação, Ciência e Tecnologia, especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), professor das Faculdades Integradas Unicesp/Facicesp e assessor especial da presidência do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

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