Opinião

O que diz o Future of Jobs Report sobre o futuro do trabalho e a economia mundial?

Autor

  • Matheus Soletti Alles

    é professor de Direito da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) mestre em Direito pelo Departamento de Direito Econômico e do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pós-graduado em Direito do Trabalho pela UFRGS professor responsável pelo Grupo de Estudos de Relações e Normas Internacionais de Trabalho na Ulbra professor corresponsável pelo Grupo de Estudos sobre Justiça e Meios Consensuais de Resolução de Conflitos da Ulbra advogado e consultor trabalhista.

5 de novembro de 2023, 13h18

O Future of Jobs Report, conhecido relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial, é anunciado como indicativo para as repercussões humanas no cenário empresarial e laboral, especialmente com ênfase às mudanças tecnológicas e as novas habilidades necessárias para adaptação ao curso tecnológico.

É relatório cuja leitura remete ao patoá: os trabalhadores movimentam a economia? Ou a economia movimenta os trabalhadores?

Isso porque, nos últimos cinco anos dos relatórios emitidos pelo Fórum Econômico Mundial é comum a constatação de projeções pautadas em novas características necessárias à busca, manutenção e destaque laboral. Termos como hard skills, soft skills, upskilling e reskilling tornam-se cada vez mais usuais.

Entre as classificações adotadas neste cenário, assume uma visualização em três competências basilares: o conhecimento técnico, as habilidades de comunicação e transformação colaborativa, bem como a requalificação e aperfeiçoamento. A previsão não é de um único e capacitado profissional, o que relativiza o próprio conceito de capacitação. A previsão é de um profissional flexível ou multiprofissional.

Por outro lado, a economia global é marcada por projeções, especialmente de cunho tecnológico, com protagonismo das duas principais potências internacionais que buscam demarcar a orientação da comunidade internacional no futuro próximo: Estados Unidos e China. A escolha pelos dois países não significa diminuir a importância de outros atores internacionais, porém de visualizá-los, conforme a estratégia global que vem sendo estabelecida pelos territórios norte-americano e chinês.

Dentro da organização laboral de cada território existem severas e consideráveis alterações.

Os Estados Unidos estão pautados na ênfase da individualidade e autonomia do trabalhador, com uma estrutura que busca condicionar o labor e a vida pessoal. Em contrapartida, a China possui uma estrutura mais rígida, voltada ao trabalho coletivo, com jornada de trabalho definida. Isso reflete também nas hierarquias organizacionais e em aspectos como gestão e tomada de decisão. Nos Estados Unidos a tendência se amolda para uma hierarquia mais horizontal, decorrente da flexibilidade e na descentralização do trabalho, enquanto na China é mais presente a figura de uma autoridade, mediante uma abordagem mais centralizada.

Para o trabalhador, isso significa que há uma maior rotatividade laboral na economia americana, quando comparada à economia chinesa. A descentralização e flexibilização do labor permite uma maior sensação de liberdade, ao mesmo tempo em que a centralização e o rigor chinês promovem maior estabilização e estruturação.

De forma ocidental, a dicotomia entre a estrutura laboral de ambas as nações relembra a competitividade do modelo econômico de Reno e o modelo anglo-americano descrito pelo banqueiro francês Michel Albert. A estrutura laboral de cada território e sua visualização no Future of Jobs Report marcam uma transição pautada no objetivo do trabalhador.

No âmbito do desenvolvimento pessoal, habilidades de comunicação e transformação colaborativa decorrente de soft skills no modelo econômico americano auxiliam no processo de independência e flexibilização, justamente pela maior movimentação permitida pelos elementos comunicativos.

Por outro lado, as soft skills nas estruturas organizacionais chinesas auxiliam no processo de tomada de decisão e na aceleração da projeção dentro de um sistema mais rigoroso.

As hard skills e as habilidades de requalificação e aperfeiçoamento apresentam convergência em ambos os modelos, motivada justamente pela repercussão global da economia e pelo implemento da tecnologia em larga escala.

China e Estados Unidos demandam profissionais capacitados para lidar com a tecnologia da informação, setores de energia, manufatura aditiva, ciência e pesquisa. A mesma demanda por esses profissionais enraíza a necessidade de aderir a novas qualificações e aperfeiçoar os conhecimentos pré-existentes para se adaptar às influências da inteligência artificial e tecnologia emergente. Sobre esse último ponto, ganha destaque o recente programa do governo chinês denominado Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial de Próxima Geração e os constantes programas americanos de upskilling em inteligência artificial implementados no setor empresarial e universitário.

No ano de 2022, o governo chinês anunciou severos e constantes investimentos em infraestrutura e tecnologia rural. Em 2023, houve uma iniciativa global liderada pelos Estados Unidos e pelos Emirados Árabes Unidos para investir cerca de US$ 8 bilhões em agtechs nos próximos cinco anos, são exemplos da amplitude do setor tecnológico e do intento de adaptação do mercado de trabalho em diferentes eixos.

Atualmente, os Estados Unidos buscam a ratificação da hegemonia econômica alcançada no século passado, com proeminentes investimentos em tecnologia. A China busca fugir de uma possível estagnação econômica e continuar seu processo de expansão.

Os efeitos da globalização e a análise de projeção de investimentos é também objeto passível de constatação no Report do Fórum Econômico Mundial. O documento aborda que as tendências pela expansão global levaram as organizações a aprimorarem tanto fatores de resiliência em sua cadeia de suprimentos e formas de distribuição de riscos.

O aprimoramento dos fatores de resiliência ocorreram através de estratégias de nearshoring e friendshoring com atração de atividades produtivas em localidades relativamente próximas e cooperação com parceiros situados nesta localidade. A distribuição de riscos se deu através de estratégias governamentais promovidas pelos próprios países onde estão situadas essas organizações. Neste campo teve destaque a estratégia do governo chinês China+1 com as empresas multinacionais, ao conseguir manter bases de produção na China e diversificar as bases de fornecedores para outros territórios.

A medida adotada pelo China+1 revelou ser importante para o setor leste asiático que acaba por se beneficiar da diversificação nessa conexão entre produção e fornecimento. Em contrapartida, a medida também é uma forma de reduzir a demanda de empresas europeias e norte-americanas que moveram parte de sua cadeia produtiva para bases de operação mais próximas.

Em interpretação a estratégia chinesa, remete ao que escreve o diplomata Henry Kissinger em Sobre a China, quando aborda a estratégia wei chi, com a exposição de circunstâncias comunicativas como ideia de controle territorial externo para fins de preservação externa.

A história internacional nesse sentido corrobora também a estratégia chinesa.

É importante lembrar que a China possui histórico milenar, ainda nebuloso de profundo conhecimento pelo Ocidente. Em relação à economia e território, a China manteve a hegemonia asiática por longo período. O historiador Angus Maddison afirmava que no século 19, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita chinês era superior ao PIB do lado ocidental europeu e cerca de quatro vezes maior do que comparado ao próprio PIB no século 17. A história revela que a China foi acostumada à expansão e a estabelecer o domínio, com período mais duradouro quando comparada a ascensão e controle americano estabelecido a partir do século 19.

Na esfera prática isso representa um desafio ao estabelecimento da economia capitalista provocada pelo neoliberalismo americano e ao desafio perante a própria tentativa de proeminência chinesa frente ao processo de globalização e da implementação tecnológica crescente no século 21.

A expectativa abordada no Report de como será enfrentado esse desafio é baseada em ramos de desenvolvimento exponencial dos territórios asiáticos, a exemplo do aumento da transformação digital e da ampliação da estratégia digital, com a maior contratação de profissionais especializados em comércio eletrônico.

Outro ponto relevante é o investimento crescente para a transição verde. Depois da pandemia foi informado o gasto global de US$ 1,8 trilhão em sustentabilidade.

Nesses investimentos, a China se destaca pelo compromisso de neutralidade de carbono e os Estados Unidos pelo Ato de Redução da Inflação, com investimento na economia verde. Os Estados Unidos saem na frente no montante investido na transição e em medidas como o padrão Environmental, Social and Governance (ESG).

O progressivo investimento verde por ambas potências globais ressalta o aumento da taxa de empregabilidade na área, com o alerta para a melhora das condições laborais dos industriários.

Comparativamente, marca também um posicionamento americano, com o aumento de investimentos interligados à sustentabilidade, que pode prejudicar ou influenciar uma nova orientação a padronização das relações contínuas estabelecidas com alguns países participantes da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep). Dentro do relatório do Fórum Econômico Mundial é ressaltado que investimentos em energias renováveis e eficiência energética vem gerando mais empregos em curto prazo quando comparado aos investimentos em combustíveis fósseis.

Trata-se de interessante movimento estadunidense que busca preservar as relações com a Opep e que de certa forma estimula a empregabilidade perante o setor, mas ao mesmo tempo busca a diversificação sustentável, o que também acaba por gerar investimentos no setor da energia renovável, especialmente na área do carbono.

Em contrapartida, a China busca estabelecer alianças a partir do compromisso sustentável, a exemplo da construção de redes com países que participam do Brics e do G20. Já os Estados Unidos na consolidação das conexões com territórios do Oriente Médio e da rede comercial com alguns territórios asiáticos como Vietnã, Taiwan e Cingapura.

Inclusive, recentemente, houve uma disputa de aliança pelos países que integram o Mercosul, com o desacordo entre o bloco e a União Europeia na tentativa de estabelecimento de uma rota de livre comércio e a declaração do governo uruguaio em estabelecer uma relação bilateral com a China.

A verificação das relações indica também o posicionamento do aumento de investimento e das áreas tendentes à promoção de determinadas espécies de profissionais.

No território chinês, fruto das negociações extraterritoriais, estima-se o crescimento de setores de serviços financeiros, varejo e atacado de bens de consumo, bem como cadeia de suprimentos e transporte nos próximos anos.

A adaptação desses setores à tecnologia são refletidos em investimentos no setor industrial automotivo e aeroespacial, como no eixo da manufatura aditiva, aceleramento produtivo, inclusive com o investimento de natureza de upskilling e reskilling para fins de capacitação profissional.

Alerta-se para que esta transformação não busca a promoção do emprego, mas de estabelecer o crescimento do aspecto econômico nas relações externas. A tecnologia, especialmente ao falarmos de inteligência artificial, mantém certa crueldade quando diz respeito ao crescimento da taxa de empregabilidade. Se espera o encerramento de dois milhões de postos de trabalho nos próximos anos para trabalhadores de montagem e de fábrica, fruto da queda da demanda de força de trabalho nas indústrias em processo de implementação da manufatura aditiva. De mesmo modo, a preocupação pelo desemprego em massa fruto da inserção ampla da inteligência artificial é sentida em solo americano que registrou um aumento de 20% de demissões no mês de maio de 2023.

Essa variante se dá ao encerramento de profissões que podem ser substituídas pela IA e retomam aos desenvolvimentos dos eixos de soft skills, hard skills, upskilling e reskilling propagados nos últimos relatórios do Fórum Econômico Mundial sobre projeções das atividades laborais.

Como projeção, o território chinês e os demais provenientes a celebrar ou em corrente celebração de acordos tendem a ter um maior investimento e empregabilidade em setores como encriptação, cibersegurança, Internet of Things (IoT) e machine learning. Enquanto no território americano, observada a liderança no investimento em transição verde, há também uma maior probabilidade de crescimento profissional no setor que envolve ciência e análise de dados, gerentes de projetos, contadores e auditores, nos próximos cinco anos.

A tendência americana também revela uma maior contratação de profissionais de ensino médio e superior concluídos, quando comparado ao território chinês que possui maior margem de contratação de trabalho vulnerável. A diferença apontada chama atenção, uma vez que no Report há uma tendência pela busca do profissional pelo território chinês com hard skills mais equilibradas, ou seja com pré conhecimento técnico, enquanto o território americano apresenta a busca por uma relação mais equilibrada entre habilidades técnicas e comunicativas, com leve inclinação para a última.

Uma breve análise do Future of Jobs Report de 2023 constata a necessidade de constante análise dos arranjos econômicos internacionais que direcionam tendências econômicas e profissionais que, dentro do indeterminismo dinâmico da modernidade, permite que seja visualizada uma leve pista do futuro.

Sobre o questionamento com origem no patoá realizado no início desta discussão, a tendência vai para além de que a economia movimente os trabalhadores, ao instante em que revela a necessidade laboral e econômica de que ambos os eixos não sejam movimentados pelas máquinas.

Autores

  • é professor de Direito na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em Direito do Trabalho pela UFRGS, advogado nas áreas trabalhista e tributária e membro do grupo de pesquisas em Direito e Fraternidade da UFRGS.

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