Opinião

Novo regras brasileiras de dedutibilidade de royalties: nem tudo é o que parece

Autores

  • Thabitta Rocha

    é advogada tributarista no Martinelli Advogados pesquisadora do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem) e do Núcleo de Pesquisas do Mestrado Profissional em Direito Internacional do IBDT (Nupem) MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP/ESAlq) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

    View all posts
  • Caio Persici

    é advogado da área tributária do Vieira Rezende Advogados e pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem).

    View all posts
  • Danilo Andrade Bertagnoli de Figueiredo

    é advogado da área tributária do Bergamini Advogados pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem) MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e pós-graduado em Direito Tributário pela FGV/SP.

    View all posts
  • Rodrigo Alves

    é Financial Services Tax Consultant em São Paulo pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem) e MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

    View all posts

3 de novembro de 2023, 15h16

Os royalties foram introduzidos na legislação brasileira na década de 50 através da Lei 3.470/1958, a qual estabeleceu o limite máximo de dedução de 5% do valor da despesa registrada como pagamento de royalties para fins de determinação do lucro real (artigo 74).

Com a recente conversão da MP 1.152/2022 na Lei 14.596/2023, que trouxe as novas regras de preço de transferência, tal restrição não vigorará mais no Brasil a partir do início de 2024, o que gerou empolgação nos contribuintes brasileiros já que na prática, significa que será possível deduzir a totalidade dos royalties se as disposições da referida lei forem observadas.

A exceção será para os royalties 1) tratados como despesa dedutível para outra parte relacionada, 2) deduzidos no Brasil não seja tratado como rendimento tributável do beneficiário em sua jurisdição, 3) destinados a financiar, direta ou ineditamente, despesas de parte relacionadas que acarretem as hipóteses referidas nos itens "(1)" e "(2)", na linha do que disciplina o artigo 44 da Lei supramencionada, regulamentado pelo artigo 78 da Instrução Normativa RFB nº 2161/2023.

Apesar das regras em tela começarem a valer obrigatoriamente a partir do ano que vem, os contribuintes podem optar em aderir à nova disciplina já para este ano, de modo que a Lei supramencionada passará a ter efeito imediato.

Dentro do contexto da legislação que está em vigor até o final deste ano, o artigo 362 do RIR/2018 assegura que a dedutibilidade de royalties só será permitida quando o bem ou direito seja fundamental no desenvolvimento de sua atividade econômica. Trata-se de um critério geral para a dedução das despesas de royalties, baseado na sua relação de pertinência com a atividade da pessoa jurídica.

É pertinente pontuar tal legislação também estabelece que há três modalidades de royalties não dedutíveis: 1) royalties pagos a sócios ou dirigentes e a seus familiares ou dependentes; 2) royalties pagos pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas ou pelo uso de marcas de comércio ou indústria, quando pagos pela empresa filial no Brasil de empresa sediada no exterior em benefício de sua matriz, ou pagos pela empresa que possui sede no Brasil a pessoa com domicílio no exterior que tenha controle do seu capital com direito a voto, quando o contrato não for registrado no Inpi e, 3) royalties pagos pelo uso de marcas de indústria e comércios pagos ou mesmo creditados a beneficiário que possua domicílio no exterior, também quando o contrato não tiver registro no Inpi.

Em 2021, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 64, na qual limitação de 5% da receita líquida foi imposta apenas às despesas de royalties pela exploração de patentes de invenção ou mesmo pelo uso de marcas de comércio ou de indústria e os montantes devidamente pagos por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante a estes.

A RFB, então, manifestou posicionamento menos restritivo, no qual outros tipos de royalties, desde que classificados como despesas operacionais, poderiam ser deduzidos na apuração do lucro real (base de cálculo do IRPJ) sem respeitar o limite de 5% da receita líquida e, com a nova lei, deixou de exigir o registro no Inpi.

A temática envolvendo a dedutibilidade de despesas de royalties, em março deste ano, chegou a ser analisada pela Câmara Superior do Carf (acordão 9101-006.492). A controvérsia girou em torno da limitação ou não da dedutibilidade de royalties a título de remessas ao exterior, realizadas pela empresa Arcos Dourados, que detém poderes de operar no Brasil na condição de franqueadora da rede de fast food McDonald's, tendo prevalecido, por voto de qualidade, o entendimento de que não há nenhuma ilegalidade quanto à limitação, na linha do que autoriza o artigo 74 da Lei 3.470/1958.

Com o novo cenário, a tão esperada aproximação ao padrão OCDE inclui os royalties no rol das transações sujeitas as regras de preço de transferência, e, logicamente, abandona as regras até então vigentes que estabeleciam a dedutibilidade mencionada, máxima de 5% para os royalties que representem despesas necessárias, bem como a necessidade de registro no Inpi.

Se antes os royalties funcionavam de forma apartada das demais transações entre partes relacionadas, tendo seus requisitos e limites pré-definidos pela legislação (sem aplicação de métodos de cálculo de TP), a partir de agora os pagamentos realizados à título de royalties deverão obedecer o arm's length e o regramento de preço de transferência aplicado as demais operações entre partes relacionadas.

Assim, os contribuintes brasileiros deverão enfrentar o desafio complexo e novo de comprovar a conformidade ao arm's length nas transações envolvendo royalties originados de ativos intangíveis que na maioria das vezes possuem características únicas que tornam as transações muitas vezes incomparáveis.

Nesse sentido, a experiência internacional é capaz de nos adiantar como algumas estruturas usualmente utilizadas pelas empresas no Brasil para pagamento de royalties ao exterior deverão ser revisitadas pelos contribuintes numa ótica completamente diversa da atualmente utilizada.

 Em caso [1] envolvendo o pagamento de royalties entre uma empresa portuguesa e outra empresa polonesa do mesmo grupo, as autoridades fiscais examinaram cálculo pelo MPCM (PIC) que utilizou estudo de benchmark entre 50 empresas do mesmo ramo para demonstrar que o valor do ativo gerador dos royalties e o percentual adotado (aplicado sobre a receita de vendas da empresa portuguesa) para utilização da marca estavam dentro do percentual praticado por partes independentes em transações com ativos semelhantes.

 No entanto, ao se debruçar sobre o caso, o fisco português analisou outros aspectos da transação que bem ilustram a mudança de paradigma que o cenário nacional está prestes a embarcar através da adoção da nova sistemática.

In casu, o tempo do contrato (20 anos) celebrado entre as partes sem que houvesse previsão de rescisão ou revisão dos valores pactuados, e, principalmente, cláusula que obrigava a empresa portuguesa a investir no mínimo 0,15% de seu faturamento em publicidade e outras ações de promoção da marca polonesa, fez o fisco português concluir que o contrato de royalties celebrado entre as partes não obedecia o arm's lenght, e, portanto, considerou indedutível o valor do pagamento realizado pela empresa portuguesa.

Além disso, as autoridades fiscais concluíram que para a transação em questão, o método mais apropriado seria o método de fracionamento do lucro ("MFL") [2], previsto no Brasil no artigo 44 da Instrução Normativa nº 2161/2023 (método "MDL”) o qual inclusive prevê em seu §2º, I, que este será o método preferível em transações envolvendo intangíveis.

O espectro da análise realizada neste caso permite perceber o quão impactante a modesta previsão do artigo 78 da referida IN pode se mostrar, uma vez que não se restringe simplesmente a previsão de dois requisitos [3] para que seja possível deduzir a integralidade dos montantes pagos nestas transações.

Os pagamentos de royalties, apesar de não possuírem limite expresso em percentual, a partir de agora passarão a ter limitações inerentes a capacidade do contribuinte de escolher o método mais adequado e, principalmente, ser capaz de demonstrar que a transação obedeceu a prática de mercado.

Isso, por si só, já pode se mostrar desafiador tendo em vista que a comparação destas transações pode ser difícil sobretudo considerando que os países em desenvolvimento possuem riscos e especificidades absolutamente diversas daquelas enfrentadas pelos países membros da OCDE.

Assim, parece cedo para concluir se essas mudanças serão bem recepcionadas, já que o novo arcabouço legislativo apesar de parecer benéfico por não prever limite fixo ao montante dedutível de pagamento à título de royalties, pode se mostrar desafiador para os contribuintes, uma vez que demandará uma análise mais robusta de todas as etapas da transação global bem como de todos os termos contratuais celebrados.

 


[1] Portugal vs R… Cash & C…, S.A., June 2023, Tribunal Central Administrativo Sul, Case 2579/16.6 BELRS.

[2] A modalidade consiste em determinar o lucro global obtido pelas partes nas operações vinculadas e, em seguida, proceder ao seu fracionamento entre aquelas entidades tendo como critério o valor relativo a contribuição de cada uma das partes para realização das operações considerando para isso as funções, riscos assumidos bem como se entidades não relacionadas com os mesmos riscos e funções teriam se pactuado de forma semelhante.

[3] Serão indedutíveis os royalties pagos se: 1) os beneficiários forem situados em paraísos fiscais ou beneficiários de regimes fiscais privilegiados (conforme definidos pelos artigos 24 e 24-A da Lei 9.430/1996); 2) o valor seja tratado como despesa dedutível para a outra parte relacionada; 3) o valor deduzido no Brasil não seja tratado como rendimento tributável do beneficiário de acordo com a legislação de sua jurisdição; e; 4) os valores sejam destinados a financiar, direta ou indiretamente, despesas dedutíveis de partes relacionadas que acarretem as hipóteses referidas nos incisos I ou II do caput.

Autores

  • é MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP/ESAlq) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

  • é advogado da área tributária do Vieira Rezende Advogados e pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem).

  • é Financial Services Tax Consultant em São Paulo, pesquisador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT-Jovem) e MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!