Questão de legalidade

Justiça pode permitir uso medicinal do cogumelo mágico nos EUA

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1 de novembro de 2023, 7h31

O órgão de controle de narcóticos dos EUA não pode negar, de forma "arbitrária e caprichosa", a reclassificação de um alucinógeno para uso médico, sem fornecer um nível mínimo de análise de acordo com a lei.

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Esse foi o entendimento adotado pelo Tribunal Federal de Recursos da 9ª Região, na Califórnia, ao rejeitar uma decisão administrativa do DEA, órgão de controle e repressão de narcóticos dos EUA, que indeferiu o requerimento de um médico para reduzir a classificação do cogumelo mágico, para que esse alucinógeno (que contém psilocibina) possa ser usado legalmente para tratar depressão e ansiedade em pacientes com câncer terminal.

Em uma decisão concisa de cinco páginas, o colegiado de três juízes conservadores afirmou que a decisão do DEA, transmitida por carta ao médico Sunil Aggarwal de Seattle, no estado de Washington, é "inadequada". O tribunal ordenou ao DEA que esclareça as razões do indeferimento do pedido e que reavalie a questão de forma transparente.

"Devemos considerar ilegais e anular as ações, constatações e conclusões da agência consideradas arbitrárias, caprichosas, um abuso de poder discricionário ou de outra forma em desacordo com a lei. A agência não conseguiu fornecer um nível mínimo de análise, sua ação é arbitrária e caprichosa e, portanto, não pode ter força de lei", diz o tribunal.

O requerimento pede ao DEA que reclassifique o status do cogumelo mágico na lista de substâncias controladas, da "Schedule I" (categoria 1) para a "Schedule II" (categoria 2) — o que faz uma grande diferença para os profissionais de saúde, pelas definições de cada uma delas — e por questão de legalidade.

As substâncias listadas na "Schedule I" não têm, atualmente, uso medicinal autorizado nos Estados Unidos e seu potencial de abuso e dependência é alta; as da "Schedule II" têm algum potencial de abuso e dependência, mas têm alguns usos medicinais aceitos no país. Existem ainda mais três categorias: Schedules III, IV e V, cada uma com menor potencial de abuso.

São listadas na "Schedule I", por exemplo: heroína, LSD, êxtase, mandrix, peiote (ou mescal) e maconha — embora o uso medicinal da maconha tenha sido legalizado em 38 dos 50 estados e do óleo de canabidiol CBD) em sete; o uso recreativo em 23.

Fazem parte da "Schedule II", por exemplo: cocaína, e, pela dosagem, fentanil, vicodin, metanfetamina, metadona, hidromorfona (Dilaudid), meperidina (Demerol), oxicodona (OxyContin), Dexedrina, Adderall e Ritalina. Nas demais categorias (entre as drogas mais conhecidas), Tylenol com codeína está na "Schedule III", Valium na "IV" e alguns remédios para tosse (como Robitussin AC) na "V".

Dois estados, Oregon e Colorado, descriminalizaram o uso de cogumelos mágicos e criaram centros para pessoas usá-los sob supervisão. Várias cidades fizeram a mesma coisa — entre elas, São Francisco (Califórnia), Ann Arbor (Michigan) e Washington — e ordenaram à polícia que a prisão de usuários da substância seja despriorizada.

Argumentos das partes
Em sua carta de indeferimento do pedido, o DEA escreveu que a FDA (Food and Drug Administration) ainda não aprovou o uso medicinal da psilocibina no tratamento de pacientes, um pré-requisito para mudar substâncias controladas da "Schedule I" para a "Schedule II".

Mas, o tribunal de recursos declarou em sua decisão que a lei diz, na verdade, que a droga "deve ter um uso medicinal aceito nos Estados Unidos ou um uso medicinal atualmente aceito com restrições rigorosas" — essa última, a condição em que o requerimento se baseia.

O DEA argumentou ainda que o requerimento do médico não satisfaz as cinco condições que estabeleceu para considerar uma substância aceita para uso medicinal: 1) a substância química é conhecida e reproduzível; 2) há estudos de segurança adequados; 3) há estudos adequados que provam sua eficácia; 4) a substância é aceita por especialistas qualificados; 5) provas científicas estão amplamente disponíveis.

O advogado Matt Zorn, que representa o médico, acusou o DEA na sustentação oral de querer "controlar a prática de medicina". Afirmou que o DEA deve pedir um parecer do Department of Health and Human Services (HHS), que avalie o uso medicinal da substância, antes de emitir uma decisão.

Na verdade, os juízes deveriam encaminhar o processo ao HHS para um parecer, porque esse é o órgão superior do governo na área de ciência e medicina que pode, em vez do DEA, determinar o potencial médico da psilocibina no tratamento de depressão, ansiedade e síndrome de estresse pós-traumático (PTSD). A substância também pode ser usada para tratar alcoolismo e para ajudar pacientes em fim de vida a aceitar melhor a morte.

Os advogados do médico observaram que o governo já reconheceu que "a psilocibina é (1) apropriada para uso em programas de uso compassivo, (2) recebeu múltiplas designações de terapia inovadora e (3) está em fase final de ensaios clínicos".

Eles alegaram que múltiplos estudos têm fortalecido o caso do uso medicinal legítimo da psilocibina. No mês passado, por exemplo, pesquisadores das universidades Johns Hopkins e do Estado de Ohio publicaram um relatório que vincula o uso da substância a reduções persistentes da depressão, ansiedade e alcoolismo, bem como melhoras no bem-estar emocional e espiritual e na extroversão.

Um estudo da American Medical Association (AMA), divulgado em agosto, chegou a conclusões semelhantes. Outro estudo de pesquisadores canadenses, publicado em outubro, concluiu que o cogumelo mágico "pode ser particularmente benéfico para crianças que sofrem de adversidades graves na infância".

Com informações do Courthouse News, Law360, Missoula Current, Schedule 6 Foundation, Just Criminal Law e website do DEA.

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