Norma reinterpretada

Para eleitoralistas, TSE corrige déficit da lei ao multar deputado por fake news

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29 de março de 2023, 20h53

Ao mudar a interpretação da regra antianonimato da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) para multar o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) por disseminação de fake news, o Tribunal Superior Eleitoral compensou uma deficiência da legislação sobre o tema, segundo advogados eleitoralistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Reprodução/Facebook
Nikolas Ferreira foi multado em R$ 30 mil por propagar fake news nas eleições
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O TSE decidiu nesta terça-feira (28/3), por maioria de votos, flexibilizar o entendimento do artigo 57-D da lei, que pune manifestações anônimas em contexto eleitoral na internet, para manter a multa de R$ 30 mil ao deputado, que não estava sob anonimato quando publicou conteúdo desinformativo durante as eleições presidenciais do ano passado.

Ao decidir, o ministro Alexandre de Moraes, relator da matéria e presidente do TSE, argumentou que, em eleições anteriores, a corte entendeu que o artigo 57-D tem aplicação restrita aos casos de anonimato. Mas, devido ao grave contexto de propagação reiterada de desinformação, ele propôs uma nova interpretação para a norma.

No entendimento de Fernando Neisser, o ministro agiu bem ao propor essa inovação.

"A decisão tomada pelo TSE, por uma ampla maioria, de ampliar o escopo de aplicação do artigo 57-D mostra o empenho da Justiça Eleitoral no exercício dessa função regulatória que ela tem, outorgada pela Constituição, de manter ambiente eleitoral livre do abuso de poder, seja econômico, político ou de uso dos meios de comunicação", disse ele.

"Há um déficit na legislação, construída ainda para um mundo pré-internet, pré-redes sociais. O TSE, dentro da sua competência e dentro de um âmbito de interpretação razoável, entendeu por dar uma efetividade maior a esse controle", completou o advogado.

De acordo com Neisser, a punição ao deputado pode servir como exemplo para as próximas disputas eleitorais. "Me parece que isso passa um recado para os atores políticos das próximas eleições de que cada vez mais o TSE percebe a necessidade de restringir comportamentos nocivos no âmbito das redes. Acho que isso caminha bem para a proteção da democracia brasileira."

Medidas extraordinárias
Isabel Mota, coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), afirma que é urgente uma correção concreta desse déficit, com a criação de respostas na legislação para combater de maneira eficaz o fenômeno das fake news.

"O contexto das eleições de 2022 exigiu do TSE medidas extraordinárias e urgentes para a proteção do próprio processo eleitoral e a higidez do sistema", analisou a especialista.

No entanto, ela afirma que a ampliação da interpretação da lei, nesse caso, pode gerar alguma insegurança jurídica. "Não existe previsão legal para albergar o ajuste da interpretação do artigo 57-D", ponderou. 

"Para fins de segurança jurídica, não podemos adaptar um dispositivo que trata de disseminação de conteúdos anônimos, ainda que para punir a difusão de conteúdo inverídico e nocivo", afirmou ela. "Fora do ambiente acalorado do pleito, precisamos apresentar respostas ao fenômeno das fake news que sejam perenes e devidamente previstas na legislação".

Na opinião de Lígia Vieira de Sá Lopes, também membro da Abradep, o TSE buscou, com a ampliação do entendimento da regra, responsabilizar agentes que violam a lei eleitoral. Mas ela também pondera que a lei precisa ser atualizada para coibir de maneira eficaz o fenômeno da propagação de desinformação.

"Entendo que merece maior reflexão a capitulação legal do 57-D, que talvez inspire uma melhor adequação das normas regulamentadoras do TSE diante de uma problemática tão incipiente", analisou a advogada. "O cenário enfrentado, diante da constatação de distorção e manipulação informativa, desafia medidas enérgicas e eficazes para controle de ocorrência de condutas que violentam o Estado democrático de Direito."

Barra forçada
A decisão do TSE de manter a multa aplicada contra o deputado não teve apoio unânime dos eleitoralistas. Arthur Rollo acredita que a corte fez nesse julgamento um trabalho que cabe ao Poder Legislativo.

"Acho que a decisão do TSE está errada. O artigo é específico quanto à propaganda eleitoral anônima na internet. Acredito que o TSE forçou a barra na aplicação da multa com base no artigo 57-D", afirmou Rollo, que também acredita que a lei deve ser alterada para punir as fake news de forma eficaz. "Cabe ao legislador mudar a legislação para punir fake news, mas não fazer dessa forma. O TSE está legislando nesse caso."

Contexto
Em vídeo compartilhado em suas redes sociais em outubro do ano passado, Nikolas Ferreira usou trechos de textos jornalísticos antigos e descontextualizados para acusar Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato à Presidência, de ter desviado R$ 242,2 bilhões da saúde em mandato anterior.

A defesa de Lula conseguiu a retirada do material do ar e fez a representação pedindo a aplicação do artigo 36 da Lei das Eleições, que trata de propaganda eleitoral antecipada. O ministro Alexandre de Moraes entendeu incabível o seu uso e decidiu enquadrar a conduta no artigo 57-D da mesma lei.

A norma, incluída na Lei das Eleições em 2009, garante a livre manifestação do pensamento desde que "vedado o anonimato durante a campanha eleitoral por meio da rede mundial de computadores". O parágrafo 2º prevê multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

Ao decidir pela reinterpretação da norma, o ministro Alexandre argumentou que a disseminação de fake news, mesmo quando feita por pessoa identificada, tem os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das eleições da manifestação feita por usuário anônimo. Os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves acompanharam o relator.

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