Opinião

Despesas para viabilizar o teletrabalho devem ser comprovadas

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22 de março de 2023, 16h19

A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) viabilizou o desempenho das atividades laborais de forma remota, de modo que, a partir de sua vigência, as atividades passíveis de realização fora das dependências da empregadora poderiam ser desempenhadas de onde o trabalhador estivesse. É o chamado teletrabalho que, no período de pico da pandemia decorrente do coronavírus, ficou mais conhecido como home office.

Unplash/Yasmina H
Unplash/Yasmina H

Como consequência da utilização do teletrabalho durante a pandemia, surgiu a preocupação acerca das despesas incorridas pelos trabalhadores para viabilizar a prestação de serviços ao empregador, tais como, energia elétrica, internet, e eventuais gastos com mobília.

A despeito de a norma celetista não obrigar o empregador a arcar com tais despesas, muitas empresas passaram a efetuar de forma mensal o pagamento de uma despesa, em valor fixo apurado com base na média de gastos, com o fito de ajudar os trabalhadores com as despesas de internet e energia elétrica durante o expediente de trabalho, e até mesmo em razão de cláusulas normativas.

Em razão da concessão desta despesa por uns e não por outros, o tema passou a ser levado para a Justiça do Trabalho por trabalhadores e sindicatos que entendiam que as despesas deveriam ser suportadas pelos empregadores. Como consequência dessa procura pelo Poder Judiciário, surgiram duas principais vertentes.

Há quem entenda que o ressarcimento deve ser feito em relação àquelas despesas que estão além das ordinárias do cotidiano do trabalhador, ou seja, se o trabalhador já possui a infraestrutura necessária para a prestação de serviços como internet e mobiliário, não deve ser reembolsado por nada, por se tratar de despesa ordinária já existente em sua rotina.

Mas há também aqueles que se apegam à letra da lei no sentido de que as disposições relativas à responsabilidade pela infraestrutura e despesas para a prestação de serviços de forma remota devem estar previstas em contrato, o que implica na conclusão de que se o contrato/aditivo nada dispor e não houver previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, nenhum valor a título de ressarcimento de despesas é devido.

As dúvidas, no entanto, não pararam por aí. Apesar de constar expressamente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que as despesas, ainda que habituais, não constituem base de cálculo para incidência de encargos trabalhistas e previdenciários, muitas empresas passaram a questionar a forma de se evitar e/ou minimizar, em caso de eventual ação trabalhista ou fiscalização pelos órgãos competentes, que tais valores fossem considerados na base de cálculo de encargos trabalhistas, previdenciários e tributários, o que atrairia uma considerável contingência nessas áreas.

Em vista deste cenário, no final de 2022, a Receita Federal manifestou entendimento que orienta os fiscais de todo o país, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 63, de 19 de dezembro de 2022, a respeito da tributação sobre valores transferidos aos colaboradores a título de despesa de energia elétrica e internet, em caso de teletrabalho ou home office.

Referida consulta formal foi proposta por um fabricante de refrigerantes e refrescos que também atua no comércio atacadista de bebidas, que no auge da pandemia adotou o regime integral de teletrabalho para alguns empregados e fez o pagamento de uma despesa mensal, em valor fixo apurado com base na média de gastos, para auxiliá-los em despesas de internet e energia elétrica durante o expediente de trabalho. Alega que CLT prevê expressamente que despesa, ainda que habituais, não constituem base de cálculo para a incidência de encargos trabalhistas e previdenciários.

No entendimento do órgão, o empregador que reembolsa estes custos a seu colaborador pode excluí-los da base de cálculo das contribuições previdenciárias uma vez que se trata de ganhos eventuais, com caráter indenizatório, conforme determina o artigo 28, §9º, alínea "e", item 7, da Lei nº 8.212, de 1991. Ressaltando-se, ademais, que os valores pagos pela empresa aos seus empregados deixarão de ser devidos caso o empregado volte a realizar suas atividades no espaço físico da empresa.

Contudo, para a caracterização do aspecto indenizatório dos valores percebidos, restou consignado que o beneficiário deve comprová-los, mediante documentação hábil e idônea, afastando, por conseguinte, a incidência das contribuições previdenciárias.

A despeito da Receita não ter competência para se manifestar a respeito da incidência do FGTS, compreendemos que o Fundo de Garantia deve seguir a mesma lógica, não incorporando essas despesas na base de cálculo.

Pertinentemente, também foi questionado se os valores integram o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF) dos empregados e se essas despesas são dedutíveis no Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) das empresas.

No que se refere ao IRPF, é sabido que a legislação tributária determina sua incidência sobre o acréscimo patrimonial do contribuinte. No caso da despesa, ora tratado, ocorre, na verdade, a restituição do patrimônio. De todo modo, é imperioso que haja a comprovação da inexistência de acréscimo patrimonial mediante documentação hábil e idônea, comprovando, outrossim, a natureza indenizatória dos valores.

Já com relação a determinação do lucro real para apuração do IRPJ, o Fisco entendeu que a despesa pelo teletrabalho pode ser considerada despesa operacional para fins de dedução do imposto, pois tem relação com a atividade da empresa e com a manutenção da fonte produtora. Ressaltando-se que para ser dedutível é preciso comprovar a necessidade, a usualidade e a normalidade dos valores gastos, para que as despesas sejam caracterizadas como operacionais.

Da análise realizada, verifica-se que o texto da solução de consulta não especifica o critério de quantificação da parcela indenizatória ou se no entendimento da Receita a comprovação do dispêndio do empregado com energia elétrica e serviço de internet, por si só, comprovaria que todo o valor recebido do empregado para fazer frente a esses custos teria natureza indenizatória, o que pode gerar eventuais questionamentos ao contribuinte pelo fisco federal.

Assim, para que as empresas se resguardem e minimizem futuras reclamações trabalhistas e riscos fiscais, é importante que a empresa crie uma política interna de reembolso para autorregularão, caso não tenha previsão em convenção da classe.

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