Politização do judiciário

'Investimentos' em campanhas eleitorais de juízes nos EUA batem recordes

Autor

18 de março de 2023, 8h19

Em 38 estados que têm eleições para juízes nos Estados Unidos, as campanhas eleitorais dos candidatos estão cada vez mais politizadas, mais agressivas e mais caras — especialmente para o cargo de ministro dos tribunais superiores dos estados, que, em maioria, se autodenominam Suprema Corte.

123RF
Polarização da política chegou às
eleições do Judiciário nos Estados Unidos123RF

A eleição de 4 de abril para apenas um cargo de ministro do Tribunal Superior de Wisconsin é um exemplo: em vez de anunciar suas qualificações, os candidatos anunciam suas ideologias políticas e até se posicionam sobre um processo em tramitação nas cortes inferiores, que vai exigir do tribunal superior uma decisão que vai agradar os eleitores de um partido (republicano ou democrata) e desagradar os eleitores "adversários".

Em anúncios publicitários, que estão inundando o horário nobre das emissoras de TV locais, um candidato acusa o outro de ser defensor de predadores sexuais de crianças e pergunta quem quer uma pessoa como essa no tribunal superior. O outro responde que as acusações são ridículas e estúpidas — e devolve acusações, como se fosse uma campanha política.

A menos de três semanas das eleições, as campanhas eleitorais de quatro candidatos — agora reduzido a dois desde as eleições primárias — já custaram, só em anúncios na televisão, US$ 27 milhões, de acordo com o site WisPolitics. Tal valor quebra o recorde anterior, de US$ 24 milhões, gastos nas campanhas eleitorais para ministro do Tribunal Superior de Illinois.

Nacionalmente, as campanhas eleitorais para ministros dos tribunais superiores dos estados, no ano judicial 2019/2020 (os últimos dados disponíveis), custaram US$ 114 milhões, de acordo com levantamento do Brennan Center for Justice. Nas últimas duas décadas, foram gastos mais de US$ 500 milhões nessas campanhas eleitorais.

A essa altura, muita gente pergunta por que as eleições para ministros dos tribunais superiores dos estados atraem tanto dinheiro e custam tão caro. A resposta mais óbvia é a de que não se trata de custos, mas de "investimentos".

Além de contribuintes individuais, que tomam partido por juízes conservadores ou liberais, empresas e organizações "investem" pesadamente nas campanhas eleitorais de juízes por duas razões, especialmente: uma, têm interesse político no resultado de futuras decisões da corte; outra, têm interesse em um caso específico que será decidido pela corte futuramente.

Em muitos desses casos, ministros de tribunais superiores deveriam se declarar impedidos ou suspeitos e não participar de julgamento de doadores para sua campanha. Mas, de uma maneira geral, não o fazem, diz o site que se foca em análises de pesquisa de opinião, FiveThirtyEight — ou 538, que corresponde ao número de delegados do Colégio Eleitoral que elege o presidente dos EUA.

De acordo com esse site (que, por sinal, é bastante útil para se acompanhar eleições nos EUA), é bem comum que os poderes legislativo e executivo de um estado sejam controlados por um dos dois partidos dominantes do país. Assim, um dos partidos aprova a legislação que quiser, quando quiser.

Dessa forma, só resta ao partido de oposição e às organizações que o apoiam recorrer ao tribunal superior, a mais alta corte do estado, para tentar revogar uma lei que não gostam. Por exemplo, em Montana, o Partido Republicano aprovou uma lei que proibiu o aborto. O tribunal superior decidiu, a pedido dos democratas, que a Constituição do estado protege o direito ao aborto.

Na Pensilvânia, o tribunal superior anulou o desenho de um mapa distrital que favorecia claramente o Partido Republicano nas eleições para deputados federais e estaduais. Foi uma expressiva vitória para o Partido Democrata que, no ano anterior, conseguiu estabelecer uma maioria de ministros liberais na eleição para o tribunal superior do estado.

Além dos 38 estados que elegem ministros para seus tribunais superiores, através de sistemas partidários, não partidários e híbridos, em dez estados os ministros são nomeados por governadores e, em dois, pelas assembleias legislativas.

Ativismo judicial
Na Convenção Constitucional de 1787, que resultou na ratificação da Constituição dos Estados Unidos em 1789, os constituintes idealizaram o Judiciário como o mais fraco e imparcial dos três poderes. Com o tempo, o Judiciário se distanciou desse ideal, devido, em boa parte, ao ativismo judicial, que expandiu significativamente o poder dos juízes. E a linha que separa o julgador do legislador ficou confusa, segundo o site William & Mary Bill of Rights Journal.

Os métodos de seleção de juízes nos EUA se tornaram politizados, tanto o de eleição de juízes como o de nomeação que envolve políticos do executivo e do legislativo. E a questão do mérito do profissional ficou de lado. Esses métodos de seleção apresentam uma aparente contradição por colocar os juízes, que deveriam manter uma posição de imparcialidade, em um papel de políticos comuns, diz o site.

Teoricamente, independência do judiciário significa que os juízes têm liberdade para decidir casos com base apenas nos fatos e na lei. Assim, os juízes deveriam ser protegidos contra pressões políticas, legislativas e financeiras, bem como de interesses especiais, da mídia, do público ou de indivíduos. Mas esse não é o caso nos EUA, segundo o documento publicado pelo site.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!