Opinião

Análise jurisprudencial sobre cumulação de pedidos e sucumbência

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14 de março de 2023, 19h17

Não é novidade, para qualquer advogado, que a parte "dos pedidos" é a mais importante da petição inicial. Por isso, ao elaborá-la, é preciso consultar os artigos do CPC que tratam sobre o tema (artigo 322/329).

A partir do artigo 325, o Código de Processo Civil dispõe sobre a cumulação de pedidos, que pode ser simples, sucessiva, alternativa e eventual.

A cumulação simples é aquela em que o acolhimento de um pedido não depende do acolhimento ou da rejeição de outro, uma vez que não há vínculo de prejudicialidade. Por exemplo, pedido de indenização por danos materiais e morais. Nesse caso, a sucumbência será fixada sobre a perda, conforme previsto no artigo 86 do CPC.

A cumulação sucessiva é aquela em que o acolhimento do segundo pedido depende do acolhimento do primeiro, uma vez que, aqui, há vínculo de prejudicialidade entre os pedidos. Por exemplo, pedido de reconhecimento de união estável c/c partilha de bens. Nesse caso, a sucumbência também será fixada sobre a perda.

A cumulação alternativa é aquela em que, em regra, pela natureza da obrigação, o devedor pode cumprir a prestação de mais de um modo, conforme previsto no artigo 325 do CPC; isto é, não há preferência entre os pedidos. Por exemplo, pedido de entrega de coisa certa ou o seu equivalente em dinheiro. Nesse caso, acolhido qualquer um dos pedidos não haverá sucumbência para o autor.

A cumulação eventual é aquela em que há preferência entre os pedidos; isto é, há um pedido principal e um pedido subsidiário. Por exemplo, pedido de restituição integral da quantia paga pelo autor para internação de emergência ou, subsidiariamente, restituição dos valores conforme tabela da Unimed. Nesse caso, a questão da sucumbência é polêmica.

A 1ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2006, ao julgar o REsp 616918 MG 2003/0229095-0, entendeu que, se acolhido o pedido subsidiário, a sucumbência é total da parte adversa, inadmitindo-se a reciprocidade sucumbencial.

Ocorre que a Corte Especial do STJ, em 2010, ao julgar o EREsp 616.918/MG, reformou tal entendimento sob o seguinte fundamento: "Na cumulação alternativa não há hierarquia entre os pedidos, que são excludentes entre si. O acolhimento de qualquer um deles satisfaz por completo a pretensão do autor, que não terá interesse em recorrer da decisão que escolheu uma dentre outras alternativas igualmente possíveis e satisfativas. Se não há interesse recursal, conclui-se que os ônus da sucumbência devem ser integralmente suportados pelo réu. 3. Já na cumulação subsidiária, como é o caso dos autos, os pedidos são formulados em grau de hierarquia, denotando a existência de um pedido principal e outro (ou outros) subsidiário(s). Assim, se o pedido principal foi rejeitado, embora acolhido outro de menor importância, surge para o autor o interesse em recorrer da decisão. Se há a possibilidade de recurso, é evidente que o autor sucumbiu de parte de sua pretensão, devendo os ônus sucumbenciais serem suportados por ambas as partes, na proporção do sucumbimento de cada um".

E esse é o entendimento do TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás):

"DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA ?INAUDITA ALTERA PARS? C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA SUBSTITUTO. PROVA DISCURSIVA. ANÁLISE DE RECURSOS COM MOTIVAÇÃO INSUBSISTENTE A JUSTIFICAR A NOTA PARCIAL. EXCEPCIONAL CONTROLE DE LEGALIDADE PELO JUDICIÁRIO. RECORREÇÃO DAS PROVAS. PRECEDENTES DO STJ E STF. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO, PELA ADMINISTRAÇÃO, DO PONTO DE CORTE ESTABELECIDO PARA HABILITAÇÃO NA 2ª FASE DO CERTAME. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA. PEDIDO SUBSIDIÁRIO ACOLHIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 7.O acolhimento do pedido exordial subsidiário gera sucumbência recíproca e não sucumbência em parte mínima do pedido, porquanto a pretensão do autor não foi satisfeita integralmente. 8.Com espeque nas balizas estabelecidas nos incisos I a IV do §2º e §8° do artigo 85 do Código de Processo Civil e ante as peculiaridades da causa, observa-se mediante apreciação equitativa que a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada parte, se apresenta razoável e proporcional, porquanto atende ao estrito equilíbrio entre o tempo da demanda, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa e o desempenho dos profissionais. PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E DESPROVIDO. SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5016844-91.2019.8.09.0051, relator desembargador (a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 3ª Câmara Cível, julgado em 25/03/2022, DJe  de 25/03/2022)."

"Apelação Cível. Ação de indenização de danos cumulada com revisão de contrato. I. Pretensão principal rejeitada. Pedido subsidiário acolhido. Sucumbência recíproca reconhecida. Sendo formulados, na petição inicial, pedidos cumulativos em ordem sucessiva, a improcedência do principal com o acolhimento do subsidiário caracteriza sucumbência recíproca. II. Distribuição proporcional dos ônus de sucumbência. Tem-se que, no caso em tela, a proporção da distribuição entre as partes dos ônus de sucumbência não está correta, devendo ser redefinida para que a parte autora/apelante seja condenada em 20%, enquanto a ré/apelada em 80%, vedada a compensação da verba honorária advocatícia.   Apelação cível conhecida e parcialmente provida. Sentença reformada.
(TJ-GO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 0059426-70.2014.8.09.0051, Rel. Des(a). Jeronymo Pedro Villas Boas, Goiânia  22ª Vara Cível, julgado em 29/11/2021, DJe de 29/11/2021)."

Isso posto, considerando que a parte "do pedido" é a mais importante da petição inicial, nós, advogados, devemos estar atentos na escolha da cumulação que utilizaremos em nossas petições iniciais, analisando estrategicamente o caso concreto a fim de diminuir os riscos da sucumbência ao nosso cliente.

Às vezes, embora seja aplicável a cumulação eventual, a cumulação alternativa pode ser a escolha mais estratégica a fim de solucionar o problema do cliente, a depender do valor da causa e da peculiaridade do caso; principalmente, quando o pedido subsidiário tiver mais chances de ser acolhido do que o pedido principal.

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