Opinião

Princípio da causalidade e processo cooperativo

Autor

  • Maicon Natan Volpi

    é especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMPSP) e analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

22 de fevereiro de 2023, 6h03

Sobre a responsabilização de umas das partes pelas despesas processuais e honorários advocatícios, quando do encerramento da relação jurídica processual, doutrina e jurisprudência tem feito referência ao princípio da causalidade, "segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo, ou ao incidente processual, deve arcar com os encargos daí decorrentes" [1].

Ocorre que aludido conceito aponta apenas para o resultado prático da aplicação deste princípio. Contudo, para que se promova uma aplicação racional deste princípio, evitando-se eventuais decisionismos carregados de subjetividades, é necessário investigar os fundamentos e a própria natureza jurídica do instituto processual, o qual vem sendo bastante aplicado.

Buscando respostas acerca das questões acima, verifica-se que o tema é bastante controvertido na doutrina e na jurisprudência.

A 3ª Turma do STJ, por exemplo, já concluiu que "o princípio da causalidade não se contrapõe ao princípio da sucumbência. Antes, é este um dos elementos norteadores daquele, pois, de ordinário, o sucumbente é considerado responsável pela instauração do processo e, assim, condenado nas despesas processuais. O princípio da sucumbência, contudo, cede lugar quando, embora vencedora, a parte deu causa à instauração da lide" [2]. Observa-se aqui a adoção daquilo que denominamos de posição integracionista do princípio da causalidade ao próprio princípio da sucumbência.

Contudo, há críticas na doutrina quanto a esta posição, pois promoveria uma confusão entre elementos de direito material e de direito processual. Luciano Andraschko relembra que "o Brasil adotou a teoria abstrata (Calmom de Passos, Chiovenda e mesmo Liebmann, com sua teoria eclética), e não a teoria concretista (Wash e Büllow), segundo a qual o direito de ação pressupõe a existência real do direito material pleiteado" [3]. Verifica-se aqui a adoção de uma posição não-integracionista, que reconhece o princípio da causalidade como verdadeiro postulado de derrotabilidade da regra geral.

A posição que denominamos de não-integracionista parece-nos mais propensa a fornecer as respostas buscadas acima (fundamentos e natureza jurídica da causalidade), pois promove uma consideração relevante acerca da distinção dos elementos da relação jurídica material e processual, além de buscar não as consequências da aplicação, mas a própria racionalidade da aplicação do princípio.

Como bem destacado por Luciano Andraschko, "por uma questão de lógica jurídica, jamais o mero exercício do direito de ação poderia importar em sucumbência, pois como se resolveriam os honorários em caso de sucumbência parcial?" [4]. Para além deste questionamento, que encontra resposta divergente do defendido pelos aqui chamados integracionistas, no artigo 86, parágrafo único, CPC, vale ainda destacar que o artigo 85, caput do CPC vinculou a sucumbência apenas àquele que foi vencido na demanda, apresentando-se o §10 do mesmo dispositivo como verdadeira regra de derrotabilidade.

E sobre os fundamentos do princípio da causalidade, na atualidade, parece-nos claro trata-se de uma concretização do modelo de processo cooperativo, cujo fundamento está "na necessidade de uma equilibrada distribuição da cota de participação para cada um dos participantes do processo" [5].

Em que pese a manifestação atual mais clara deste princípio, previsto no artigo 6º do CPC, esteja na concretização, pelo atual CPC, dos deveres do magistrado, certo é que todos os sujeitos do processo estão pautados, dentro da relação jurídica processual, por deveres, decorrentes da boa-fé objetiva.

Assim, entendemos que violação destes deveres, decorrentes da boa-fé objetiva, dentro de uma relação jurídica processual, traz a derrotabilidade da regra geral, segundo a qual o vencido arcará com os ônus da sucumbência. Trata-se, em verdade, de sanção processual àquele que ilegitimamente provocou as perdas e danos a outra parte, ainda que vencedor da demanda.

Trazendo para análise exemplo clássico apresentado por Yussef Said Cahali "o princípio da causalidade e sua adequada aplicação em sede de embargos de terceiro, assume particular relevância na hipótese de embargos de terceiro oferecidos pelo compromissário comprador de imóvel, com título não registrado, e que tenha sido penhorado na execução contra o alienante. (…) se a penhora somente ocorreu porque o compromissário comprador não procedeu ao respectivo registro imobiliário, fazendo com que o exequente fosse levado a equívoco ao requerê-la com base no registro imobiliário ainda em nome do devedor-executado, nada justifica seja o embargante beneficiado com honorários em razão de uma lide a que ele próprio deu causa" [6].

Voltando às considerações apresentadas poderíamos afirmar que, neste caso, o embargante descumpriu com seu dever legal, de modo que a resistência a uma pretensão formulada legitimamente deu-se em razão da violação deste dever jurídico pelo autor, de modo que a condenação do embargado nos ônus da sucumbência representaria violação ao princípio da boa-fé objetiva, pois, em verdadeiro comportamento contraditório, seria premiar aquele que não cumpriu com os seus deveres legais. Consequentemente, e como sanção ao inadimplemento de seus deveres, o embargante terá que responder com os ônus da sucumbência, não obstante vencedor na demanda [7].

A mesma ratio supra pode ser aplicada aos inúmeros outros exemplos de aplicação do princípio da causalidade, como: 1) apresentação de embargos de terceiro, como o cônjuge do devedor, para a exclusão de sua meação, cabendo os ônus da sucumbência ao executado, que não cumpriu com o seu dever processual de indicar bens (considerado, inclusive, ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do artigo 774, inciso V, do CPC); 2) extinção da demanda, pela perda do objeto de ação personalíssima (artigo 85, §10, CPC), como na hipótese de negativa de fornecimento de tratamento médico ou medicamento (descumprimento de dever legal), omissão em razão da qual o autor da demanda falece; dentre outros.

Neste quadro, vislumbramos o princípio da causalidade como uma sanção processual (natureza jurídica), que importa na derrotabilidade da regra de atribuição dos ônus da sucumbência ao vencido, atribuindo-os ao vencedor da demanda, sendo o fundamento desta sanção a inobservância de deveres, dentro da relação jurídica processual ou material antecedente, os quais decorrem da boa-fé objetiva. O modelo cooperativo de processo contribui para a incrementação destes deveres, em especial na relação jurídica processual, na medida em que busca uma equilibrada distribuição da cota de participação dos sujeitos processuais, inclusive impondo-lhes deveres.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa do REsp n. 264.930-PR, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 16.10.2000.

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n 303.597-SP, relatora ministra Nancy Andrighi, DJ de 26.06.2001. Fls. 153.

[3] ANDRASCHKO, Luciano. Direito Hoje. Honorários Advocatícios: princípio da sucumbência ou da causalidade. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=2389. Acessado em 06/02/2023.

[4] ANDRASCHKO, Luciano. Direito Hoje. Honorários Advocatícios: princípio da sucumbência ou da causalidade. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=pagina_visualizar&id_pagina=2389. Acessado em 06/02/2023.

[5] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. 4 ed.; capítulo 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

[6] CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 988.

[7] Conforme enunciado de Súmula do STJ, nº 303: "Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios".

Autores

  • é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo e especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMPSP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!