Opinião

Crédito de PIS/Cofins: alguns impactos da MP 1.159 e da IN 2.121

Autor

  • José Luis Ribeiro Brazuna

    é advogado em São Paulo e Brasília sócio fundador do Bratax (Brazuna Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados) professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

10 de março de 2023, 6h08

A Medida Provisória nº 1.159/2023 acaba de ser editada, como se sabe, para excluir o ICMS do cálculo do crédito da contribuição ao PIS e da Cofins sob o regime não-cumulativo.

O inevitável aumento da carga tributária foi admitido pelo presidente da República, que respeitou a anterioridade nonagesimal do artigo 195, §6º, da Constituição, passando-se a observar a restrição a partir do próximo dia 1º de maio.

A mudança foi anunciada face ao tema de repercussão geral nº 69, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, com o propósito de corrigir a assimetria econômica entre os créditos da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins e o valor do débito apurado pelo contribuinte que aufere receita na transação antecedente.

Tal assimetria foi analisada nos Pareceres SEI nºs 14483/2021/ME e 12943/2021/ME, tendo a própria União reconhecido que "o regime de não cumulatividade de PIS e Cofins, dada a própria natureza da incidência sobre o faturamento, envolve um mecanismo atípico de tributação indireta, em que não há necessária correspondência entre o que se pagou na etapa anterior com o valor de créditos a serem utilizados".

Daí porque se concluiu que "a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, tal como definida pelo Tema nº 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições, em razão da legislação de regência, em especial dos arts. 2º e 3º da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2004".

Por isso a edição da nova medida legislativa, a ser ainda confirmada ou rejeitada pelo Congresso Nacional, nos termos do artigo 62, da Constituição: modoficar a base de cálculo do crédito, dando suporte legal à intenção do de se corrigir aquela assimetria.

A exclusão do ICMS, portanto, precisou ser expressa pelo legislador.  Do contrário, o imposto estadual permaneceria incluído no cálculo do crédito, em razão de se integrar ao "valor de aquisição" do bem ou serviço, conforme o artigo 3º, §1º, inciso I, das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.

A atual Instrução Normativa nº 2.121/2022, cuja redação ainda não foi ajustada à Medida Provisória nº 1.159/2023, reconhece que, sem essa mudança, o "ICMS incidente na venda pelo fornecedor" deve ser incluído no cômputo dos créditos da não-cumulatividade das duas contribuições sociais (artigo 171, inciso II).

Apesar desse acerto, a Instrução Normativa erra no inciso II do seu artigo 170, quando manda excluir do crédito o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor.

Erra também quando, no seu artigo 26, inciso XII e parágrafo único, prevê que o ICMS não compõe a receita bruta tributada do contribuinte, conforme o tema nº 69, mas deve integrar as receitas desoneradas da contribuição ao PIS e da Cofins.

Muito além de um aparente equívoco, esse segundo comando provocará prejuízos ilegais ao sujeito passivo, caso ele aufira, concomitantemente, receitas tributadas e desoneradas da contribuição ao PIS e da Cofins.

Vejamos.

IPI no crédito
No que se refere ao imposto federal sobre produtos industrializados, a União há muito reconhece não ser ele parte integrante da receita bruta tributada pela contribuição ao PIS e pela Cofins.

Assim consta do artigo 23, inciso IV, do Decreto nº 4.524/2002, constou das Instruções Normativas nºs 247/2002 (artigos 23, inciso III, e 24, inciso III) e 1.911/2019 (artigo 26, §4º, inciso I), e segue reconhecido no artigo 25, §3º, inciso I, da Instrução Normativa nº 2.121/2022.

Não estar na base de cálculo do débito de PIS/Cofins, porém, nada tem que ver com estar ou não no cálculo do crédito da não-cumulatividade.

Não existe obrigatoriedade de tal simetria, a não ser que seja ela imposta por lei.  E a Medida Provisória nº 1.159/2023 veio confirmar essa realidade, ao trazer regra expressa para excluir o ICMS da base do crédito, pois essa exclusão não derivaria, automaticamente, do que se decidiu no tema nº 69.

Não há, no entanto, regra similar no que se refere à exclusão do IPI. Ou melhor, regra de exclusão até pode ser encontrada, mas ela não diz respeito ao crédito da contribuição ao PIS e da Cofins sobre a receita bruta do fornecedor, e sim ao creditamento das contribuições sociais sobre a importação (PIS/Cofins-importação).

O artigo 15, §3º, da Lei nº 10.865/2004, prevê que o IPI não poderá compor o cálculo do crédito de PIS/Cofins-importação quando for recuperável, isto é, creditável pelo importador. Se não puder ser creditado, o IPI integrará o custo de aquisição da mercadoria importada e, desse modo, estará incluído na base de cálculo do crédito.

Note-se que, em todas as Instruções Normativas anteriores sobre a matéria  nºs 247/2002 (artigo 66, § 3º), 404/2004 (artigo 8º, §3º, inciso I) e 1.199/2019 (artigo 167, inciso III)  havia autorização genérica para a inclusão do IPI sempre quando irrecuperável.  Quando o imposto fosse creditável pelo adquirente, a sua inclusão no crédito da contribuição ao PIS e da Cofins era vedada tanto para as importações, quanto para as aquisições no mercado interno.

Nessa última hipótese, porém, todas as regulamentações anteriores incorriam em ilegalidade, pois a previsão legal sempre foi a de aproveitamento do crédito sobre o valor da aquisição, sem restrições quanto a impostos recuperáveis ou não recuperáveis incluídos no preço cobrado pelo fornecedor.

Agora, o desrespeito à lei é ainda maior, pois a inclusão do IPI não é admitida pela Instrução Normativa em nenhuma hipótese (artigo 170, inciso II), o que causa espanto frente às vedações expressas e específicas: trazidas pela Medida Provisória nº 1.159/2023, relativa ao ICMS, e pela da Lei nº 10.865/2004, que só alcança o PIS/Cofins-importação.  Relativamente ao IPI nas operações internas, portanto, não há proibição legal da sua inclusão  na base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins.

Distorção no rateio proporcional
Após reconhecer a exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, o artigo 26, parágrafo único, da Instrução Normativa nº 2.121/2022, estabelece que "não poderão ser excluídos os montantes de ICMS destacados em documentos fiscais referentes a receitas de vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não sujeitas à incidência das contribuições".

Ora, imagine-se o contribuinte que adquire um insumo por R$ 60,00 e, a partir dele, produz duas mercadorias, vendidas cada qual por R$ 100,00, sendo uma transação tributada e, a outra, por qualquer motivo, desonerada de PIS/Cofins.  O rateio do seu crédito, de modo proporcional às receitas tributadas, como previsto no artigo 244, §7º, da Instrução Normativa nº 2.121/2022, o autorizaria a realizar um creditamento final de R$ 2,78:

a) seria de 50% a proporção entre as receitas oneradas (R$ 100) versus total de receitas (R$ 200), o que englobaria as receitas desoneradas (R$ 100); e
b) aplicado esse percentual ao crédito máximo advindo da compra do insumo (9,25% x R$ 60 = R$ 5,55), chegaríamos ao referido creditamento final de R$ 2,78 (R$ 5,55 x 50% = R$ 2,78).

Imagine-se agora que esse contribuinte, em respeito à Instrução Normativa nº 2.121/2022, exclua o ICMS da sua receita tributada, mas o mantenha computado nas suas receitas desoneradas (como impõe o artigo 26, parágrafo único). A proporção acima será alterada, reduzindo o creditamento a R$ 2,50.  Afinal:

a) passaria a ser de 45% a proporção entre as receitas oneradas sem o ICMS (R$ 1000  R$ 18 = R$ 82) versus total de receitas (R$ 182), o que englobaria as receitas desoneradas, mas com o ICMS incluído (R$ 100); e

b) aplicado esse percentual ao crédito máximo advindo da compra do insumo (9,25% x R$ 60 = R$ 5,55), chegaríamos ao creditamento final reduzido de R$ 2,50 (R$ 5,55 x 45% = R$ 2,50).

A norma do artigo 26, parágrafo único, é claramente ilegal e inconstitucional, desrespeitando a orientação do Supremo, firmada no tema nº 69, onde não se decidiu apenas que o ICMS deve ser "excluído" da base de cálculo tributada pela contribuição ao PIS e pela Cofins.

Entendeu a Corte Suprema, muito além disso, que o imposto estadual não é receita do vendedor da mercadoria e é por isso que a sua inclusão, na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, é inconstitucional.

Sendo assim verdadeiro, o ICMS não faz parte da receita do contribuinte nem quando ela é onerada, tampouco quando ela deixa de gerar o pagamento daquelas duas contribuições sociais.

Por consequência, a exclusão do ICMS, em razão do tema nº 69, deveria ser neutra com relação ao cálculo do rateio proporcional, o que evidencia a inconstitucionalidade da Instrução Normativa nº 2.121/2022 neste particular.

Autores

  • é professor do IBDT, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Bratax (Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados).

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