Opinião

Legitimidade exclusiva do franqueado ao ajuizamento de ação renovatória comercial

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9 de março de 2023, 18h22

Este artigo tem como objeto o questionamento, em tese, da legitimidade exclusiva ou concorrente do sublocatário/franqueado ao ajuizamento de ação renovatória em sede de contrato de locação comercial.

A questão será analisada sob a ótica da boa-fé objetiva dos contratantes, tendo por base o fundo de comércio criado e desenvolvido pela franqueada/sublocatária, bem como será feito estudo de precedentes que resumem a atual posição da jurisprudência sobre o tema, e, ainda, analisado o entendimento doutrinário quanto à matéria.

De início, necessário destacar que, quando o empresário, ainda que franqueado fruto de relação jurídica de contrato de franquia, abre um negócio, precisa escolher o local mais adequado, realizar reformas, conseguir clientela, fazer publicidade. Forma-se, assim, um conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, destinado ao desenvolvimento de sua atividade. É o que se denomina "fundo de comércio".

E, importante contextualizar que, do ponto de vista funcional e teleológico, a ação renovatória, que remonta ao início do século passado, tendo sido regulada pelo Decreto 24.150/1934, conhecido como "Lei de Luvas", tem por objetivo evitar o enriquecimento injustificado do locador, tutelando, sobretudo, o fundo de comércio criado e desenvolvido pelo locatário durante a execução do contrato de locação, visando protegê-lo de eventuais investidas abusivas do locador que, não raras vezes, exigia do locatário o pagamento de altos valores ("luvas") para renovar o contrato.

Nesse sentido, é a lição de Sílvio de Salvo Venosa, em "Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática. 16. ed. Atual. E ampl. São Paulo: Atlas, 2021, p. 199", citado no Recurso Especial nº 1971600 / RJ, publicado no dia 26/08/2022.

Como se verifica, o fundo de comércio, criado e desenvolvido pelo locatário/pela sociedade empresária, geradora de negócios e de renda através da sua atividade produtiva, é a essência da ação renovatória, concebida como forma de proteção ao referido fundo de comércio, e, como consequência, ao locatário.

Ou seja, para proteger este patrimônio elaborado para o exercício empresarial, o Direito criou a ação renovatória. Ela permite que o inquilino renove o contrato de locação, mesmo contra a vontade do locador, desde que cumpra os requisitos da Lei de Locações (lei nº 8.245/1991, artigo 51).

A jurisprudência da Corte Especial é firme no sentido de que o locatário/franqueador que subloca totalmente o imóvel ao revendedor/franqueado varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, §1º, da lei nº 8.245/91 ("O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário") e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem.

Neste caso, o sublocatário deverá incluir, no polo passivo da ação renovatória, como Réus, em litisconsórcio passivo necessário, tanto o locador, como o sublocador.

O STJ, em alguns julgados, faz uma pequena flexibilização, entendendo que o sublocador poderia se antecipar ao sublocatário, caso tenha receio de perder o contrato pela inércia do sublocatário em ajuizar a ação em tempo hábil.

Vejamos, então, a evolução da construção jurisprudencial sobre o tema:

"É certo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que 'a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, § 1º, da Lei nº 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem'. (AgRg no AREsp 40.840/PR, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, julgado em 21/8/2012, DJe 28/8/2012)". (REsp nº 1.699.015, ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 1/6/2020).
"Evidentemente, as agravadas poderiam ter ajuizado, sozinhas, ação renovatória em face dos locadores, se não houvesse interesse da sublocadora, com fulcro no artigo 71 e seu parágrafo único, da Lei nº 8.245/91, caso em que haveria litisconsórcio passivo necessário entre o locador e sublocador.
Sucede que, no caso, a sublocadora, antes, tomou a iniciativa da ação renovatória sem opção do litisconsórcio com a empresa que comercializa seus produtos, certamente com receio de perder o contrato pela inércia em tempo hábil da sublocatária.
(…)
Então, a presente demanda traduz comunhão de interesses entre a locatária-sublocadora e as sublocatárias, considerada a coexistência de um interesse comum no fundo de comércio entre todas elas. Nesse caso, inconsistente o argumento da agravante de que o contrato de sublocação foi celebrado com prazo indeterminado, porque eventual improcedência da ação renovatória, ou se acolhido pedido de retomada pelos locadores na sentença, afetará, sim, o contrato de sublocação". (AREsp nº 895.689, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 1/8/2017.)
"O Tribunal de origem decidiu em conformidade com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, pois cabe ao sublocatário proteger o fundo de comércio, segundo interpretação do disposto no artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91. (…) Incide, na espécie, a Súmula nº 83/STJ, segundo a qual 'Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida', aplicável a ambas as alíneas autorizadoras". (REsp nº 1.353.361, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 16/02/2017.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA. DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO. SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE ATIVA. (…) De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a distribuidora de petróleo não possui legitimidade ativa para propor ação de renovação do contrato de aluguel, nos termos do artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91, quando subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido". (STJ, AgRg no AREsp 496.098/PR, 4ª Turma, relator ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10.03.2015).
"O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que a distribuidora de petróleo, legalmente impedida de comercializar diretamente seus produtos, que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, §1º, da Lei nº 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem". (STJ, AgRg no AREsp nº 40.840/PR, 3ª Turma, relator ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAS, DJe de 28.08.2012).
Íntegra:
"ao contrário do que alega a Apelante, o fato de o contrato de sublocação ter sido firmado por tempo indeterminado, não confere legitimidade ao sublocador para a propositura da ação. Isso porque, a legitimidade do sublocatário permanece, mesmo nos casos em que o prazo estipulado para o contrato de locação for inferior ao do contrato para sublocação, quando então ter-se-á hipótese de litisconsórcio passivo necessário, nos termos da primeira parte do artigo 71, parágrafo único da Lei nº 8.245/91
(…)
Desse modo, verificando o sublocatário que o prazo da sublocação é superior ao do contrato de locação, incumbe a ele propor a ação renovatória, determinando a citação tanto do locador, quanto do locatário, em litisconsorte passivo necessário".
"SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO RENOVATÓRIA. LEI 8.245/91. (…) A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a distribuidora de petróleo (…) que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação, diante do óbice do artigo 51, § 1o. da Lei 8.245/91 e da circunstância de que cabe ao sublocatário buscar a proteção ao fundo de comércio, por estar na posse do bem". (AgRg no Ag nº 1.149.139/PR, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado em 15/2/2011, DJe de 9/3/2011).

No mesmo sentido, o seguinte recente julgado do TJ-RJ:

"Apelação. Ação renovatória de locação de imóvel não residencial. Extinção do processo ante a ilegitimidade ativa. Manutenção da sentença. Restou incontroverso que a locatária sublocou o imóvel em sua integralidade. Artigo 51 §1º, da lei nº 8245/91, prevê expressamente que, em caso de sublocação, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário, cujo estabelecimento empresarial a lei visa proteger". (0033165-14.2017.8.19.0042 — APELAÇÃO. Desembargador (a) CLÁUDIA TELLES DE MENEZES  Julgamento: 28/07/2020  5ª CÂMARA CÍVEL).

Íntegra:

"Quando ocorre a sublocação total do imóvel, não tem o sublocador legitimidade para ajuizar ação renovatória, uma vez que não é sua a titularidade do fundo de comércio reclamado, mas do sublocatário. Com efeito, a renovação compulsória da locação visa proteger o locatário que desenvolveu o fundo de comércio ou estabelecimento empresarial, estabelecendo um ponto comercial conhecido pela clientela."

No mesmo sentido, o seguinte recente julgado do TJ-PR:

"AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO. DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO.ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA PELA SENTENÇA.MANUTENÇÃO. HIPÓTESE DE SUBLOCAÇÃO TOTAL. LEGITIMIDADE ATIVA CONFERIDA APENAS AO SUBLOCATÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO QUE SE AFIGURA CORRETA. Nos casos de sublocação total do imóvel locado, a lei atribui somente ao sublocatário a legitimidade para propor ação renovatória, mesmo nos casos em que o prazo estipulado para a sublocação é superior ao do contrato de locação, hipótese em que deverão ser citados como litisconsortes passivos necessários o locador e o sublocador. Inteligência do disposto na primeira parte do parágrafo único do art. 71 da Lei nº 8.245/1991.RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO". (TJ-PR – APL: 13467286 PR 1346728-6 (Acórdão), relator: Ivanise Maria Tratz Martins, Data de Julgamento: 02/03/2016, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1770 31/03/2016).

Íntegra:

"Havendo sublocação total do imóvel locado, a lei atribui somente ao sublocatário a legitimidade para propor ação renovatória, uma vez que é este que quem desenvolve e explora o comércio, assumindo os riscos por ele proporcionados."

No mesmo sentido, a melhor doutrina sobre direito locatício:

"Se a sublocação for de todo o imóvel locado, o locatário não terá direito à renovatória que se defere ao sublocatário que, em verdade, assumiu a posição do locatário-sublocador. Exatamente por isso é que, cuidando de renovatórias propostas por empresas que exploram postos de gasolina, o 2º TACivSP aprovou a Súmula 9, que tem o seguinte teor: 'As distribuidoras de derivados de petróleo, quando sublocam totalmente os imóveis a terceiros, não têm legitimidade para propor ação renovatória, embora dotem os estabelecimentos revendedores dos implementos necessários à comercialização dos seus produtos, ou os orientem e fiscalizem, ainda que lhes propiciando financiamentos e cuidados dos investimentos publicitários'". (SANTOS, Gildo dos. Locação e despejo: comentários à Lei 8.245/91. 7ª ed. rev., ampl. e atual., com as alterações da Lei 12.112/2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 340).
"Na sublocação total do imóvel, o direito à renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário (…) a legitimidade para ocupar o polo ativo da relação processual seria só da sublocatária, ficando a locatária (…) inibida de ingressar com a ação.
Mas isso pode lhe trazer grave e irreparável dano, diante da omissão da sublocatária, que deixasse fluir in albis, o prazo decadencial para o exercício da ação, o que representaria perda do ponto, com o risco de ali, no futuro, vir a se instalar uma concorrente.
Para evitar que isso ocorra, e a novo aviso, entendemos que a jurisprudência deverá mitigar o rigor formal da redação do texto da lei, admitindo a presença do locatário, sublocador no polo ativo da ação, ainda mais quando não houver oposição do sublocatário
(…)
É imperioso reconhecer que sendo total a sublocação, deve prevalecer o interesse econômico daquele que ocupa o imóvel e nele exerce sua atividade empresarial, e não o do locatário, que dele se afastou".
("A Lei do Inquilinato Comentada", Sylvio Capanema, GZ Editora, 6ª ed., 2010, pág. 216).
"Quando ocorre a sublocação total do imóvel, não tem o sublocador legitimidade para ajuizar ação renovatória, uma vez que não é sua a titularidade do fundo de comércio reclamado, mas do sublocatário. Com efeito, a renovação compulsória da locação visa proteger o locatário que desenvolveu o fundo de comércio ou estabelecimento empresarial, estabelecendo um ponto comercial conhecido pela clientela
(…)
Sobre este ponto, entendemos que o sublocatário poderá ajuizar a renovatória contra o locador, de acordo com o artigo 51, §1º, da lei 8.245/91, bem como em face do sublocador, o qual, por sua vez, terá legitimidade para estar no polo passivo, ante a existência de um contrato sublocação integral com o sublocatário.
(…)
Caso a ação movida pelo sublocatário seja julgada procedente, o sublocador será excluído da relação locatícia e a locação passará a ser celebrada diretamente entre proprietário do imóvel e o sublocatário, que se tornará o novo locatário".
("Aspectos da ação renovatória em locação empresarial", Matheus Lira e Gustavo Rocco Corrêa, 4/8/2022, aqui)

Desta forma, sublocatário/franqueado tem legitimidade ativa para a propositura da referida ação renovatória, com base no artigo 51, §1º, da lei nº 8.245/91, no entendimento dos Tribunais e na melhor doutrina sobre o tema.

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