Fintech & Crypto

Você tem alguns minutos para ouvir a palavra da inovação financeira?

Autor

  • Isac Costa

    é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

8 de março de 2023, 8h00

É um prazer ter você aqui na coluna quinzenal "Fintech & Crypto". Esse é o texto inaugural de um espaço para discussões sobre regulação, riscos e modelos de negócios envolvendo o uso de tecnologias para a inovação financeira. Esse tema é marcado por exageros e desinformação, tendo um jargão pesado — o abuso de anglicismos e neologismos dificulta a compreensão da essência econômica de novos produtos e serviços, usualmente mais simples do que parecem.

Spacca
Não irei tratar do apocalipse dos bancos nem profetizarei sobre o futuro do mercado financeiro. Trago apenas a boa nova de que, com criatividade e ferramentas adequadas, podemos construir um mercado que efetivamente financie a atividade econômica e ofereça oportunidades de investimento com transparência e integridade. Ainda que essa ideia possa parecer ingênua, eu quero acreditar nela. E troço para que você também compartilhe essa fé.

Espero trazer um pouco de lucidez e organização de ideias para ajudar você a navegar por esse mundo, seja porque deseja empreender, advogar, contribuir para a criação de normas ou, simplesmente, investir.

Inovar é preciso
As pessoas inovam porque têm algum incômodo com o estado atual das coisas. No mercado financeiro brasileiro, a despeito de seu protagonismo regional, encontramos inúmeras ineficiências e problemas que podem ser enfrentados com o auxílio de tecnologias da informação. A redução do tempo em filas de bancos, a comodidade na experiência de pagamentos, alguma facilidade no acesso ao crédito (ou, pelo menos, na experiência de sua obtenção), o surgimento de carteiras digitais com cashback, dentre outros exemplos, mostram que nossa relação com bancos tem mudado consideravelmente. Contudo, ainda há muitos desafios a serem superados. Por exemplo:

  • Tanto no mercado bancário como no de capitais, há concentração de mercado que geram distorções concorrenciais e comprometem a formação de capital;
  • A capacidade de poupar, o nível de endividamento das famílias e a educação financeira ainda se encontram em patamares muito precários no Brasil;
  • A complexidade da emissão de valores mobiliários e os encargos regulatórios ainda são barreiras de entrada para empresas de menor porte;
  • Nosso mercado sofreu episódios de choque de credibilidade no passado recente, em termos de manipulação de mercado e contabilidade criativa;
  • A ineficiência das transferências internacionais ainda é um empecilho inexplicável no contexto de uma economia global.

O diagnóstico poderia seguir indefinidamente, mas o rol selecionado já ilustra a magnitude das preocupações e, por que não dizer, oportunidades a serem exploradas. A qualidade do ambiente de negócios no Brasil ainda pode melhorar muito e o direito tem um papel fundamental nisso.

Regulação financeira: necessária, mas não suficiente
A complexidade da regulação do mercado financeiro é significativa, mas normas não fazem milagres. As entidades a cargo de aplicar essas normas precisam de pessoas e recursos orçamentários e, ainda, sofrem com as disfunções generalizadas da máquina pública. Ademais, não é possível calibrar os incentivos dos agentes econômicos priorizando a aplicação de sanções.

Uma questão fundamental para qualquer regulador financeiro diz respeito à criação de mecanismos aptos a inibir a violação de deveres fiduciários e estimular a divulgação de informações verdadeiras. O interesse do cliente precisa vir primeiro na prática, não apenas nas ações de publicidade.

Suponha que qualquer empresa puder conceder empréstimos ou criar um site e fazer um "vaquinha" para financiar a sua atividade, oferecendo como contrapartida juros ou dividendos. O que poderia dar errado?

Esse é exatamente o contexto no qual muitas soluções da criptoeconomia foram gestadas, uma vez que a criação do bitcoin e do ethereum permitiu o surgimento de um sistema financeiro supranacional e opaco aos estados. Testemunhamos um experimento social único nos últimos anos, com o florescimento de "ecossistemas" alheios ao sistema financeiro internacional, de modo análogo a espécies que evoluem isoladamente em ilhas. Para além das pirâmides financeiras, manipulação, lavagem de dinheiro e outras fraudes, estudar esse mercado nos ajuda a compreender os fundamentos e os instrumentos da regulação financeira.

Por exemplo, podemos nos perguntar, de um lado, de que adiantam tantos gatekeepers (como empresas de auditoria independente e agências de classificação de risco) diante da continuidade de escândalos contábeis e manipulações de mercado. Por outro lado, podemos questionar qual a segurança jurídica de atuar em um mercado no qual a ausência de regulação equivale à lei do mais forte e cabe apenas a você a responsabilidade por ser tolo.

O sistema financeiro tradicional e a criptoeconomia coexistem e há movimentos de aproximação e distanciamento que merecem atenção. Acredito que pode haver aprendizado recíproco e o resultado final pode ser uma regulação aprimorada, mais flexível e capaz de estimular a inovação sem comprometer a proteção do investidor e a garantia da estabilidade financeira.

O papel da tecnologia
O termo fintech é bastante popular, servindo como um rótulo abrangente para o uso de tecnologias da informação no aprimoramento da oferta de produtos e serviços financeiros, acirrando a concorrência no setor e sua transformação digital. Esse movimento é impulsionado por inovações regulatórias.

Nesse contexto, observamos varejistas tornarem-se "bancos" segundo o paradigma de embedded finance e os pagamentos tornarem-se centrais na jornada dos clientes e na reorganização das cadeias de valor. Os dados das transações são aproveitados para a personalização de ofertas, a fidelização de clientes e o desenvolvimento de modelos de análise de risco. Com o anúncio do real digital, abre-se um leque de possibilidades.

As tecnologias não são fins em si mesmas e sua compreensão é fundamental para decidir sobre a adequação para determinado caso, segundo uma análise custo-benefício.

O conjunto de ferramentas é bastante eclético, incluindo, por exemplo, as soluções de infraestrutura para pagamentos, custódia e liquidação, as interfaces de usuário para uma melhor experiência, a conveniência da utilização de dispositivos móveis, as soluções de segurança da informação e proteção de dados pessoais. Ainda, podemos investigar como técnicas de análise de dados (associadas aos rótulos analytics e big data), blockchain e métodos de inteligência artificial (como machine learning e processamento de linguagem natural) podem criar novas oportunidades e novos riscos no setor financeiro. Ao longo do tempo, espero ter a sua companhia na exploração das ferramentas dessa "caixa mágica".

Se 2022 era o "ano da Copa do Mundo" e do "Elon Musk lançando foguete", 2023 é o ano do "real digital" e da modernização da regulação do sistema bancário e do mercado de capitais no Brasil. Ainda, será um ano decisivo para a criptoeconomia aqui e alhures. Espero ser seu companheiro nessa viagem, um misto de guia turístico e comentarista esportivo desse admirável mundo novo (spoiler: muita coisa não é nova, apenas tem nova embalagem).

Autores

  • é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito, engenheiro de computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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