Pobreza menstrual

Câmara Municipal não pode editar lei sobre fornecimento gratuito de absorventes

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8 de março de 2023, 21h59

Políticas públicas que envolvam a criação de responsabilidades para os orgãos da administração dependem de lei de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo.

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Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou inconstitucional uma lei de São José do Rio Preto, de autoria parlamentar, que instituía um programa de fornecimento de absorventes como política de combate à pobreza menstrual no município.

A lei foi contestada pela prefeitura com o argumento de que a matéria é de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, pois envolve gestão administrativa de política pública, isto é, planejamento, direção e organização do fornecimento dos absorventes pelas Secretarias Municipais de Educação e da Saúde.

Ao julgar a ação procedente, o relator, desembargador Jacob Valente, disse que a lei não se limitou a autorizar o Poder Executivo a implantar um programa de saúde pública voltado para pessoas do gênero feminino em situação de pobreza menstrual.

"A lei objurgada institui política pública de natureza permanente que ensejará prestação de serviço para determinada faixa da população, de modo que há necessidade de alocação de pessoal, destinação de estrutura física para gestão logística do item de higiene, o que, à evidência, implica em geração de despesa e novas atribuições a órgãos públicos ligados à área de saúde e assistência social", disse ele.

A questão, segundo o magistrado, é que a norma não criou apenas uma política programática, genérica e abstrata no campo da saúde pública e da assistência social, mas, "inadvertidamente", avançou sobre a forma da sua implementação e o público específico a ser alcançado, o que não é de competência do Poder Legislativo, mas do Executivo.

"A lei objurgada, enquanto instituidora de uma política pública voltada para o combate da chamada 'pobreza menstrual', poderia, em tese, ser reputada como constitucional em relação à possibilidade de iniciativa concorrente entre os Poderes locais; mas, no caso em testilha, o seu artigo 2º padece de inconstitucionalidade insanável, eis que se propõe a estabelecer os critérios para distribuição gratuita permanente para grupos previamente identificados, tarefa, precípua, da administração."

Assim, afirmou Valente, a destinação dos absorventes, a definição do local onde eles serão armazenados e o método de distribuição, além de outras regras administrativas previstas no texto, estão no âmbito da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de gestão da máquina pública, imunes a interferência de outro poder, conforme a Constituição do Estado.

"E não se perca de vista que em 18 de março de 2022 foi promulgada a Lei Federal 14.214/21, que instituiu o 'Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual', para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos da saúde menstrual, o que não prejudica o presente feito, mas denota desnecessidade de autorização local", acrescentou o relator.

A conclusão do magistrado foi de que a lei de São José do Rio Preto trata de atividade nitidamente administrativa, pois cabe ao Executivo, não ao legislador, deliberar sobre a conveniência e a oportunidade da realização de programas, campanhas e políticas públicas: "Aqui também não se trata de vício formal de iniciativa legislativa, mas de vício material ligado à ingerência do legislador em assunto inserido na competência material privativa do chefe do Poder Executivo."

Por fim, Valente apontou inconstitucionalidade no artigo que previa prazo de 60 dias para implantação da norma e disse que não compete ao Poder Legislativo impor prazo para que o Executivo pratique o ato de regulamentação. A decisão foi tomada por unanimidade.

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Processo 2165244-78.2022.8.26.0000

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