Opinião

Pedido de conversão da multa ambiental não interrompe a prescrição

Autores

2 de março de 2023, 6h39

A questão posta em debate é se o mero pedido de conversão de multa ambiental em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente feito pelo autuado como pedido subsidiário em sua defesa administrativa ou alegações finais importa em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória para fins de interrupção do prazo prescricional aos moldes do inciso IV do artigo 2º, da Lei Federal 9.873/99.

Nos termos do referido dispositivo legal, interrompe-se a prescrição da ação punitiva por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.

Como bem se sabe, a prescrição é instituto aplicado aos vários ramos do Direito, com finalidade precípua na estabilização das relações sociais, na paz social e principalmente à necessidade de preservação da segurança jurídica. Como apontava o renomado doutrinador Pontes de Miranda [1], a prescrição não destrói direito, tampouco apaga as pretensões, e sim, atende à conveniência de que um direito não perdure por demasiado tempo.

A prescrição não é uma mera opção do legislador. Ao contrário, está inserida em um grupo de institutos jurídicos que são corolários diretos e obrigatórios do próprio princípio da segurança jurídica, compreendido por Canotilho [2], como um dos grandes pilares do próprio Estado democrático de Direito, ao lado do princípio da legalidade, revestindo-se de fundamental importância diante da não exigibilidade do direito pela inércia do credor.

A prescrição no processo administrativo sancionador instaurado para apurar a prática da infração ambiental está prevista na Lei 9.873/99, a qual estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, bem como no Decreto 6.514/08 que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações e dá outras providências, sendo que este praticamente repete as disposições daquela no tocante à prescrição e causas de sua interrupção, com exceção da manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória como ato interruptivo do lustro prescricional.

Com efeito, o processo administrativo ambiental iniciado a partir da lavratura do auto de infração está sujeito à incidência da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, em regra de cinco anos — salvo na hipótese de a infração administrativa também constituir crime ambiental, ocasião em que a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal — e da prescrição intercorrente que será sempre de três anos, que uma vez incidentes, acabam por retirar da Administração Pública o poder de impor sanções às condutas indesejadas.

Entretanto, o legislador também previu causas que interrompem o prazo da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, bem como da prescrição intercorrente trienal, bastando, via de regra, um comportamento ativo do credor que se caracterize como ato de exercício ou proteção ao direito, ou, um comportamento do devedor reconhecendo inequivocamente a obrigação, hipóteses que extinguem o tempo já decorrido, que volta a correr por inteiro. As causas de interrupção da prescrição estão elencadas no artigo 2º da Lei 9.873/99, e artigo 22 do Decreto 6.514/08:

"Artigo 2º. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; II – por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III – pela decisão condenatória recorrível. IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.
Artigo 22. Interrompe-se a prescrição: I – pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital; II – por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e III – pela decisão condenatória recorrível. Parágrafo único. Considera-se ato inequívoco da administração, para o efeito do que dispõe o inciso II, aqueles que impliquem instrução do processo."

Embora similares, sobreleva notar que a Lei 9.873/99 dispõe de uma causa interruptiva da prescrição não adotada pelo Decreto 6.514/08, qual seja, "IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal", o qual, adiante-se, não serve como causa interruptiva da prescrição quando o autuado, ao impugnar o auto de infração ambiental através de sua defesa administrativa ou alegações finais, elabora mero pedido subsidiário de conversão da multa ambiental, porque tal se trata de simples escrito que não reconhece, inequivocamente, a obrigação, e assim sendo, não interrompe a prescrição.

A conversão da multa ambiental é uma alternativa prevista em lei para que o infrator possa cumprir a sanção de forma diferente, substituindo o pagamento da multa em obrigação de prestar um serviço ambiental, e embora prevista no Decreto 6.514/08 como uma das soluções legais possíveis para o encerramento do processo, somente é capaz de interromper a prescrição como manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória se o autuado reconhecer expressamente o débito decorrente da autuação.

É que o próprio Decreto 6.514/08 dispõe no §5º do artigo 96 que o autuado será notificado para "I – apresentar defesa ou impugnação contra o auto de infração; ou, II – aderir a uma das seguintes soluções legais possíveis para o encerramento do processo: a) pagamento da multa com desconto; b) parcelamento da multa; ou c) conversão da multa em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente".

Especial atenção merece o termo "ou" entre o inciso I e II, termo do qual se faz entender que, uma vez apresentada a defesa e impugnado o auto de infração, o mero pedido subsidiário de conversão da multa não caracteriza tentativa de conciliação, tampouco de um direito subjetivo do autuado, porque a conversão da multa está inserida no poder discricionário do órgão ambiental.

E nem se cogite que o Decreto 6.514/08, no §2º do artigo 143, determinou à autoridade ambiental a aplicação de descontos sobre o valor da multa consolidada quando o autuado formule pedido de conversão da multa ambiental em sua defesa ou alegações finais, porque embora conhecida a fama de pouco sábio do nosso Legislador, a pouca sapiência não chega ao raio de permitir o contraditório e ampla defesa ao mesmo tempo que impõe ao autuado a renúncia expressa aos seus direitos de impugnação do auto de infração.

Cumpre asseverar no ponto, que a prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente possui um caráter eminentemente pedagógico, propiciando restauração do meio ambiente, bem como o contato direto do infrator com o meio ambiente. Daí porque a intenção do Legislador ao prever tal instituto decorre do entendimento de que a prestação de serviços possui significativo potencial educativo, no sentido de prevenir infrações futuras pelo processo de conscientização do cidadão.

Some-se a isso, que a legislação previu o momento em que o pleito de conversão da multa deve ser veiculado pelo interessado, de modo que o não requerimento a tempo e modo devido implica na preclusão do direito, e sendo assim, está fora da zona nebulosa do inciso IV do artigo 2º da Lei 9.873/99, porque se somente pode ser formulado em determinados momentos expressamente previstos, não será "qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória" em razão desse abranger qualquer fase processual.

Para que o pedido de conversão da multa ambiental se caracterize como causa interruptiva da prescrição aos moldes do inciso IV do artigo 2º da Lei 9.873/99, deve, necessariamente, ser o único formulado pelo autuado, seguido da renúncia expressa ao seu direito de impugnar o auto de infração ambiental, acompanhada da opção de conversão pela modalidade indireta ou direta, e sendo esta, deve instruir o pedido com o projeto para implementar, por seus meios, o serviço de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente, sob pena de indeferimento do pedido de conversão de multa.

Corroborando, o artigo 97-B dispõe que o requerimento de adesão imediata a uma das soluções legais previstas no inciso II do §5º do artigo 96, ambos do Decreto 6.514/08, deve conter "I – a confissão irrevogável e irretratável do débito, indicado pelo autuado, decorrente de multa ambiental consolidada na data do requerimento; II – a desistência de impugnar judicial ou administrativamente a autuação ambiental ou de prosseguir com eventuais impugnações ou recursos administrativos e ações judiciais que tenham por objeto o auto de infração discriminado no requerimento; e III – a renúncia a quaisquer alegações de direito sobre as quais possam ser fundamentadas as impugnações e os recursos administrativos e as ações judiciais a que se refere o inciso II. Parágrafo único. Na hipótese de autuação ambiental impugnada judicialmente, o autuado apresentará, no ato do requerimento de que trata o caput, cópia do protocolo do pedido de extinção do respectivo processo com resolução do mérito, dirigido ao juízo competente, com fundamento na alínea 'c' do inciso III do caput do artigo 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil".

Da leitura dos dispositivos acima destacados, fica clara a necessidade de o autuado reconhecer de forma irrevogável e irretratável o débito decorrente da infração praticada, desistindo do seu direito de impugnar o auto de infração na esfera administrativa ou judicial. Se isso ocorrer, estará configurada a manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória.

Lado outro, mero pedido de conversão de multa acompanhando de impugnação do auto de infração ambiental não enseja qualquer reconhecimento inequívoco da obrigação, pelo simples motivo de não ter havido qualquer confissão do débito ou da infração, e, portanto, não é capaz de interromper o prazo prescricional.

Com efeito, somente pode ser considerado como causa de interrupção de prescrição, o ato volitivo, expresso e isolado de adesão ao programa de conversão de multas. Ora. Se o autuado impugnou o auto de infração ambiental, por óbvio, não concorda com a conduta que lhe foi imputada, de modo que simples pedido subsidiário de conversão da multa não se caracteriza como manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória. Não é demais repetir que o escrito do autuado que não reconhece, inequivocamente, a obrigação, não interrompe a prescrição.

De mais a mais, ressalta-se que o chamado Núcleo de Conciliação Ambiental efetivamente existiu no âmbito da estrutura administrativa fiscalizatória ambiental federal apenas no período compreendido entre outubro de 2019 (entrada em vigor do Decreto nº 6.760/2019) e janeiro de 2023 (revogação da previsão legal referente ao Núcleo de Conciliação Ambiental, em decorrência do Decreto nº 11.373/2023).

Assim sendo, no caso de pedidos de conversão de multa ambiental em serviços de preservação, de melhoria e de recuperação da qualidade do meio ambiente articulados em época que sequer existia e funciona o Núcleo de Conciliação Ambiental, fica ainda mais evidente a não configuração da causa interruptiva de prescrição prevista no artigo 2º, inciso IV, da Lei Federal 9.873/99. Se sequer havia uma estrutura administrativa afeta à conciliação, é claro que o pedido de conversão de multa não pode ser interpretado como manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória por parte do autuado.

Conclui-se, portanto, que a interrupção da prescrição, no caso de busca de conciliação na forma disciplinada pelo inciso IV, do artigo 2º, da Lei 9.873/98, somente pode se dar quando a iniciativa inequívoca for do autuado, aliada à renúncia expressa do direito seu, até porque, a prescrição é instituto punitivo da inércia do titular da pretensão, ou seja, da Administração Pública, que apenas aproveita ao autuado que expressamente confessar de forma irrevogável e irretratável o débito decorrente da infração, além de desistir de impugnar judicial ou administrativamente a autuação ambiental, bem como renunciar a quaisquer alegações de seu direito.

 


[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. São Paulo: RT, 1971, p. 131.

[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1999, p. 258.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!