Olhar econômico

SP nos séculos 20 e 21: concentração, desconcentração e decadência do centro

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

29 de maio de 2023, 8h00

Múltiplas foram as circunstâncias subjacentes à evolução vertiginosa da cidade de São Paulo e à decadência de sua área central 1.

Spacca
A industrialização no Brasil é fenômeno relativamente recente, iniciado somente no século 20 (governos Vargas e JK). A política de substituição de importações foi a principal responsável por seu surgimento, por volta de 1930; e por seu impulsionamento, desde 1970. Embora suas origens tenham-se dado no Nordeste (e. g. fabrico de alimentos e manufatura de tecidos (lembre-se do affaire Delmiro Gouveia e Machine Cotton); a industrialização desenvolveu-se, concentrada e principalmente, em São Paulo e colateralmente no Rio de Janeiro, motivada pela força político-econômica, bem como pelas estruturas remanescentes do ciclo cafeeiro, existentes na região.

Fundamental para o predomínio da cidade de São Paulo, foi a rede de estradas de ferro, [Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (1867) e da Companhia Paulista: Jundiaí a Campinas (1872), Ituana (1873), Mogiana (1875) e Sorocabana (1879), que acorriam à capital e a ligavam ao Porto de Santos; bem como da Estrada de Ferro do Norte (1877), que a unia ao Rio de Janeiro]. A construção de estradas de rodagem também floresceu devido a incentivo legislativo, datado de 1852.

Por outro lado, durante o ciclo cafeeiro, São Paulo acolheu bancos, seguradoras, exportadoras, empresários e numerosos habitantes, que dela fizeram, inclusive, um centro consumidor. Forte efeito multiplicativo teve a duplicação da capacidade energética, no segundo quartil do século 20, propiciado pelo capital estrangeiro.

O crescimento da capital da Província de São Paulo foi explosivo. Apenas 20 anos intermedeiam a cidade provinciana do final do século 19, da urbe próspera da década de 1920. Indício importante desse crescimento foi seu aumento populacional: (i) 9.000 habitantes, ao tornar-se cidade, em 1711; (ii) 32 mil, em 1872; (iii) 239 mil, em 1900; (iv) 1,326 milhão, em 1940; (v) 3,8 milhões, ao tornar-se a maior cidade brasileira, em 1960; (vi) 8,387 milhões, em 1980; (vii) 10,405 milhões, quatrocentos e cinco mil, no ano 2000; e (viii) 11,9 milhões, em 2021.

Em cem anos (1921 a 2021), a população paulistana cresceu 20 vezes; sendo que havia mais do que quintuplicado em sessenta anos (1950 a 2010).

O Sétimo Recenseamento Geral do Brasil (1960) comprovou possuir São Paulo indústria robusta e diversificada; potente setor terciário (60% do pessoal empregado); comércio vultoso e especializado; proeminente atividade financeira; e respeitáveis centros de pesquisa e institutos universitários. Em suma, havia-se tornado a capital brasileira mais populosa (quase 4 milhões de habitantes), afluente (10% da riqueza brasileira) e protagônica do país.

O crescimento populacional, fruto dos contingentes imigratórios e da vigorosa migração interna: (i) aumentou, extraordinariamente, a premência por habitação; e (ii) impeliu processo de urbanização descontrolado; com os corolários do aumento de preços de terrenos, da pujante verticalização (iniciada pelo Sampaio Moreira (1924) e o Martinelli (1929), do encortiçamento, da favelização, do excesso de lixo, da poluição de rios e da atmosfera, do congestionamento, do aumento da desigualdade social, dos problemas de segurança pública etc.

A modernização (destruir para construir) foi, igualmente, elemento determinante, que, sob o pálio de moldar a cidade ao presente e prepará-la para o futuro, pôs abaixo dezenas de prédios históricos, construiu grandes avenidas, praças, viadutos, anéis viários etc.

Após longo processo de concentração econômico-industrial, São Paulo, passou a sofrer, desde 1970 (com pico na década de 1990, em razão da abertura econômica e do avanço técnico-científico), o fenômeno inverso, por força, inter alia, dos incentivos do governo federal, para que a industrialização se alastrasse pelo interior do Brasil [e. g. Sudene (1959), Sudam (1966) e Zona Franca de Manaus (1966)].

A desconcentração econômico-industrial fez-se sentir, intensamente, na região metropolitana paulistana, modificando-a e alargando-a; além de levar a industrialização para cidades, que bordeavam as rodovias. A cidade de São Paulo e seu centro, em fins do século 20, tinham-se modificados, grandemente, diferenciando-se, em muito, de sua aparência em meados desse século.

Desconcentração industrial paulista não significou desindustrialização, pois, no presente século, São Paulo, além de manter considerável parcela industrial, mormente de alta tecnologia, é o maior centro de serviços complexos, dependentes de tecnologia de ponta, como comunicação e informática.

O crescimento de São Paulo e o evolver das mudanças por que passaram a cidade e seu centro, propiciaram:

(i) de um lado, a criação de uma das maiores megalópoles do universo, capital de um estado federado, que conduz o Brasil (o listel do brasão paulistano é bem apropriado: non ducor duco — conduzo, não sou conduzido); e

(ii) de outro, a decadência do centro. A segunda metade do século 20 assistiu ao esvaziamento e a deterioração da área central: a) novos subcentros (avenidas Paulista, Brigadeiro Faria Lima e Luís Carlos Berrini) atraíram bancos, sede de grandes indústrias e comércio; b) inúmeros prédios foram subutilizados e abandonados; c) milhares de famílias mudaram-se para bairros recém abertos, alguns exclusivamente residenciais; d) logradouros e praças aptas a serem pontos de lazer e de convergência de pessoas, tornaram-se terminais de ônibus, que substituíram os bondes como transporte de massa; e e) o centro diminuiu seu protagonismo histórico, deixando de ser o local em que as pessoas gostavam de passear, ir às compras etc.

A pandemia acelerou o fechamento de lojas, a pichação dos prédios a desertificação das ruas, os furtos, o aumento dos moradores de rua (32 mil atualmente, muitos morando em barracas), e a deposição de lixo nas calçadas.

O centro significa muito para São Paulo, pois lá a cidade foi fundada e aconteceram fastos marcantes como a aclamação de Amador Bueno, a instalação da primeira faculdade de direito do País, a realização da Semana de Arte Moderna, as manifestações que originaram o MMDCA e a Revolução Constitucionalista de 1932 etc. Ademais seu potencial simbólico, comercial e turístico é relevante.

A despeito de tudo, o centro continua atrativo, vivaz, plural, criativo e responsável por quase 20% dos empregos formais da cidade. Não é de hoje que o poder público vem levando a cabo projetos para reerguê-lo, sendo instrutivo e interessante analisá-los.

 


1 Rodas, João Grandino, "O centro de São Paulo precisa ser reabilitado" e "São Paulo do século 16 ao 20: de cidade adormecida por 300 anos a megalópole", Revista Eletrônica ConJur, respectivamente, de 10 de abril e de 24 de abril de 2023.

Autores

  • é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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