Opinião

Caso Vini Jr.: reflexos na lei penal e o princípio da extraterritorialidade

Autor

  • Eduardo Mauricio

    é advogado no Brasil Portugal e Hungria presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP-Portugal) e da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP-Paris) pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia pós-graduado em Direito Penal Econômico Europeu em Direito das Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance todos pela Universidade de Coimbra/Portugal pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil pós-graduado pela Católica—Faculdade de Direito—Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em Direito—Ciências—Jurídico Criminais pela Universidade de Coimbra/Portugal.

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23 de maio de 2023, 16h18

No que tange à Espanha, o caso que envolveu Vinicius Júnior, o Vini Jr. do do Real Madrid, tem como tipificação penal espanhola os crimes de crime de ódio e discriminação e foi denunciado formalmente pelo clube à Procuradoria Geral da Espanha.

Os torcedores do Valencia, equipe rival, podem ser punidos penalmente pelo fato de chamar o jogador de "mono" — macaco em espanhol. Essa não é a primeira vez que Vini Jr. passa por esse tipo de situação. As autoridades espanholas tratam de dez crimes dessa mesma natureza, tendo o jogador como vítima em todas, um verdadeiro absurdo que deve ser evitado na sociedade moderna.

A título de curiosidade, no primeiro episódio, ocorrido no jogo Barcelona x Real Madrid (em 24/10/2021), Vini Jr. foi xingado de macaco, porém os autores não foram identificados, e o caso foi arquivado. No segundo episódio, no jogo entre Mallorca x Real Madrid (em 14/3/2022) torcedores rivais fizeram sons imitando macacos, mas o caso também foi arquivado com fundamentação de que não atingiu a dimensão pública penal. No quarto episódio, no jogo Valladolid x Real Madrid (em 30/12/2022), a La Liga – responsável pelo Campeonato Espanhol de Futebol – apresentou denúncia na Comissão Antiviolência, Comissão da Competição e no Tribunal Judicial de Valladolid, e os infratores foram punidos penalmente. E nos outros seis casos, todos foram a tribunal e alguns estão em processo ou já finalizaram, com punições aos infratores.

Na Espanha, os crimes de ódio e discriminação estão consumados se a ofensa criminal de qualquer natureza, no caso contra pessoas, se executa em detrimento da sua cor de pele – no caso de Vini Jr., por ter a pele negra.

Esse crime previsto é punido no Artigo 510 do Código Penal espanhol, notadamente crime cometido contra direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Assim, os torcedores do Valencia poderão ser condenados em até 4 anos de prisão, multa, e um possível banimento de comparecer aos jogos e expulsão do quadro associativo do clube.

Divulgação
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Com relação ao Brasil, importante analisar, antes de tratar dos crimes que podem incidir no território brasileiro, a possibilidade emanada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, de socorrer a medida jurídica excepcional caso as autoridades espanholas se omitam quanto aos crimes que vitimizam de forma preconceituosa e racista Vini Jr.

O ministro da Justiça, por meio do Itamaraty, quer a aplicação do princípio da extraterritorialidade – que prevê, nos casos de crimes contra cidadãos brasileiros no exterior, a possibilidade de aplicação da lei penal brasileira, impulsionando assim o governo espanhol a tomar as medidas judiciais (cíveis e criminais) e administrativas perante a Fifa e à Federação Espanhola de Futebol.

O princípio da extraterritorialidade pode, inclusive — em um outro caso, a depender —, ser utilizado a título de pedido de extradição, pedido de prisão, por exemplo, em caso de indivíduo com reincidência, e inclusão na Interpol, isso se aplicado o princípio da extraterritorialidade na forma indicada pelo ministro da Justiça do Brasil.

No Brasil, o crime de racismo, por meio de ofensa discriminatória por causa de cor de pele, já existe, e recentemente o presidente Lula sancionou a Lei nº 14.532/2023, na qual o crime de racismo dentro dos estádios de futebol prevê pena de 2 a 5 anos de prisão, e dobrada, se for cometido por duas ou mais pessoas, com banimento por 3 anos.

Assim, uma questão técnica a ser observada é a diferença da injúria racial para o racismo. Na primeira, basta uma ofensa como, por exemplo, o ato de chamar uma pessoa de macaco, conforme ocorreu no caso de Vini Jr., pois a intenção é ofender alguém. Já no crime de racismo, o ato deve praticado em detrimento do coletivo, contra um grupo por causa da raça também (japonês, africano), por conta da cor da pele (negra, amarela) e com o objetivo de impedir o grupo, por exemplo, de frequentar um local, ou de excluí-lo de práticas e direitos comuns.

Vale frisar que todos são iguais perante a lei e devem ser preservados os direitos fundamentais, humanos e constitucionais.

Ou seja, com a entrada em vigência da nova lei sancionada pelo presidente Lula, o crime de injúria racial praticado dentro de um estádio de futebol é equiparado ao preceito secundário da pena (com aumento) do crime de racismo.

Entretanto, o preceito primário apresenta diferenças, como é o caso da tipificação de cada crime. A injúria racial está prevista no Código Penal brasileiro, e o racismo, na Lei 7.716/1989. O crime de injúria racial está previsto e punido no Artigo 140, parágrafo terceiro, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. O racismo, nos termos do Artigo 3 da referida Lei própria, tem pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Referida lei, sancionada pelo presidente Lula, que entrou em vigência em 11 de Janeiro de 2023, altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

A conclusão a que se chega é a necessidade de punição de infratores que praticam estes tipos de delitos dentro do estádio de futebol. E, sobretudo, que as mudanças da legislação tornem as sanções penais mais duras (respeitando sempre o princípio da proporcionalidade), a fim de coibir a prática de delitos que envolvem cor de pele (raça e outras) em um esporte como o futebol, dentro e fora dos gramados. Importante ampliar o investimento em câmeras de segurança de reconhecimento facial de última geração para auxiliar na identificação de infratores (que muitas vezes se torna difícil); e, sobretudo, conscientização da população moderna em todos os setores, neste caso o do futebol, com políticas de conscientização dos clubes, torcidas e federações sobre estes crimes intoleráveis. As penas devem ser mais eficazes e a luta contra o racismo não pode parar.

Autores

  • é advogado no Brasil, em Portugal e na Hungria, doutorando em Direito — Estado de Derecho y Governanza Global (Justiça, sistema pena y criminologia) — pela Universidad de Salamanca (Espanha), mestre em Direito — Ciências Jurídico Criminais — pela Universidade de Coimbra (Portugal), pós-graduado pela Católica —Faculdade de Direito — Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas, pós-graduado em Direito Penal Econômico Europeu, em Direito das Contraordenações e em Direito Penal e Compliance pela Universidade de Coimbra (Portugal), pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia, pós-graduando pela Ebradi em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Confederação Brasileira de Futebol Academy Brasil em formação para intermediários de futebol, mentor em Habeas Corpus e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).

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