Opinião

Não incidência de contribuição previdenciária sobre licença-maternidade estendida

Autores

  • Vitor Henrique Malikoski

    é advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-fraduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet/PR).

  • Gabriel Paraizo Rodrigues

    é advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados e pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet/PR).

22 de maio de 2023, 16h14

A licença-maternidade constitucional é um direito fundamental da mulher, que tem a sua previsão no artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição, garantindo um período de afastamento de 120 dias à empregada gestante, assegurando-lhe integralmente a sua remuneração por meio do salário-maternidade custeado pela Previdência Social (artigo 18, I, "g", da Lei nº 8.213/91).

Já a licença-maternidade estendida é um benefício previsto na Lei nº 11.770/08 que instituiu o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por mais 60 dias o período garantido constitucionalmente. Durante o período da prorrogação, a empregada tem direito à remuneração integral, nos mesmos moldes do salário-maternidade, mas que será paga pelo empregador.

O referido programa concede um incentivo fiscal às empresas aderentes, que poderão deduzir do valor a recolher a título de IRPJ, em cada período de apuração, o total da remuneração paga durante os 60 dias de prorrogação.

Em fevereiro de 2023, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit nº 27/23, esclarecendo que a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) deve incidir sobre a remuneração paga referente a licença-maternidade estendida, sob o argumento de que não se estendem os fundamentos da decisão proferida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no Tema nº 72 de Repercussão Geral.

Isso porque, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento RE nº 576.967/PR com repercussão geral reconhecida no Tema nº 72, firmou o entendimento de que "é inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade", cujo julgamento não analisou o benefício da licença maternidade estendida.

Para chegar a essa conclusão, o STF adotou a premissa de que "há limitações biológicas para que a mulher engravide e usufrua de licença-maternidade com habitualidade", razão pela qual o salário-maternidade "não configura contraprestação por serviços prestados pela empregada no período de licença-maternidade".

A inconstitucionalidade da incidência foi declarada a partir do exame do alcance que a Constituição confere aos conceitos de "folha de salário e demais rendimentos do trabalho" e "ganhos habituais", base de cálculo das contribuições previdenciárias (artigo 195, I, alínea "a" da CF).

Em outra oportunidade, analisando justamente o alcance da expressão "folha de salários", o STF no julgamento do RE nº 565.160/SC (Tema nº 20 da Repercussão Geral), ratificou que a Contribuição Previdenciária Patronal incide sobre os ganhos habituais que ostentem caráter contraprestacional, pagos com habitualidade pelo empregador exclusivamente em razão do labor.

Neste sentido, apenas "(…) incluem-se na base de cálculo da contribuição previdenciária da empresa e equiparada as parcelas remuneratórias do trabalho, excluindo-se as de cunho indenizatório (…)" [1], de modo que as "(…) verbas que não constituam, propriamente, rendimentos do trabalhador destinados a retribuir o trabalho não podem compor a base de cálculo da contribuição" [2].

Confrontando estas premissas, o Plenário do STF, no julgamento do Tema nº 72 da Repercussão Geral, declarou a inconstitucionalidade formal do artigo 28, §2º, da Lei nº 8.212/91, por entender que o dispositivo criou uma nova fonte de custeio em relação às materialidades previstas no artigo 195, I, "a", da Constituição, afastando a inclusão dos valores relativos ao salário-maternidade da base de cálculo da contribuição previdenciária.

Assim como o salário-maternidade "constitucional", o benefício da licença-maternidade estendida não representa contraprestação pelo serviço prestado e tampouco configura ganhos habituais, justamente pela limitação física e biológica da mulher, não se adequando ao conceito de salário de contribuição, motivo pelo qual entendemos que a ratio decidendi do Tema 72/STF e seus respectivos fundamentos são aplicáveis, por analogia, integralmente à licença estendida.

Sob esse fundamento, diversas empresas buscaram o Poder Judiciário para questionar a incidência da contribuição sobre a licença maternidade estendida. Analisando o tema, o TRF da 3ª Região reconheceu que as razões de decidir adotadas pelo STF no Tema nº 72 devem ser aplicadas à licença-maternidade estendida, "uma vez que ostenta a mesma natureza jurídica dos primeiro 120 dias gozados" [3], qual seja, não se destinam a retribuir uma atividade laboral.

Embora o entendimento da Receita evidencie flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, a Solução de Consulta vincula o Fisco Federal e é aplicável a todos os contribuintes que se enquadrarem na hipótese por ela abrangida, restando aos contribuintes acionar o Poder Judiciário para afastar a incidência da contribuição previdenciária sobre a licença-maternidade estendida.

 


[1] AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2017

[2] PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019

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  • é advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados, mestrando em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pós-fraduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet/PR).

  • é advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados e pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet/PR).

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