Opinião

Brasil e Ilhas Cayman: regulação de fundos com cotas de classes segregadas

Autor

  • Vinicius Betini

    é mestrando em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com ênfase em Direito Regulatório e Mercado de Capitais e sócio do escritório Vinicius Betini Advocacia.

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20 de maio de 2023, 17h15

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), em 28/12/2022, publicou a Resolução nº 175, atualizando o regime regulatório dos fundos de investimentos brasileiros. Dentre diversas alterações que trouxe às normas nacionais, as quais conseguiu introduzir devido à Lei de Liberdade Econômica de 2021, uma das que salta aos olhos é a possibilidade de segregação de classes de cotas por fundo, cada classe tendo seu próprio patrimônio, efetivamente regulamentando a existência de fundos com "minifundos" dentro de si.

Apesar da data recente de introdução desse instituto no regime pátrio, estamos longe de avançados nesse quesito em perspectivas internacionais. O instituto do "Segregated Portfolio Companies" (SPC) foi introduzido pela primeira vez em 1998, em uma reforma à Companies Act das Ilhas Cayman, após anos de pressão política para a flexibilização e desburocratização dos procedimentos empresariais no país. Pretendemos aqui fazer uma breve análise comparada de alguns pontos da atual regulação brasileira, ainda em fase de discussão e implementação, com a caimanesa, a qual acumula 25 anos de experiência regulatória.

O registro
O Companies Act, em sua seção 213, subseções 1 e 2, determina que qualquer SPC pode solicitar seu registro, o qual pode ser indeferido discricionariamente pela Autoridade Monetária, caso entenda que seu licenciamento não seja adequado conforme o modelo requerido. Os portfólios segregados devem ser notificados junto ao registro original da SPC, ou incorporados autonomamente posteriormente. Experiência prática à parte (a qual demonstra que o registro ou incorporação de uma SPC leva em torno de cinco a dez dias úteis), a legislação caimanesa apresenta a possibilidade de demora devido à análise meritória do registro por parte da autoridade reguladora.

A Resolução CVM nº 175/2022, por outro lado, define em seu artigo 8º, §1º, que o registro de funcionamento é concedido automaticamente após envio eletrônico dos documentos exigidos, dando à Autarquia a discricionariedade de posteriormente cancelar o registro por critérios objetivos (insuficiência dos documentos exigidos ou não subscrição do patrimônio mínimo), conforme o artigo 11. No mais, cada classe ou subclasse de cotas pode ser registrada conjuntamente ao registro inicial ou posteriormente, dando flexibilidade aos fundos para alocar seus recursos de forma dinâmica, conforme as condições factuais do negócio.

Neste aspecto, o Brasil parece começar sua experiência regulatória focada na desburocratização, visto que prevê flexibilidade e celeridade nos registros dos fundos, classes e subclasses de cotas.

A responsabilidade civil
O Companies Act, em sua seção 221, dispõe sobre a segregação da extensão da responsabilidade civil por classe ou subclasse de cotas emitidas, definindo que as responsabilidades advindas dos negócios empenhados por um portfólio segregado seriam limitadas apenas aos ativos do respectivo portfólio, ou, caso fosse cabível, aos ativos gerais da SPC. É silente, entretanto, quanto à extensão da responsabilidade civil entre cotistas e fundo, na hipótese em que o cotista seja o responsável, delegando tal determinação à cultura jurisprudencial em seu sistema de common law.

A Resolução CVM nº. 175/2022, porém, devido devido à sua natureza
normativa, é impossibilitada de produzir normas que tanjam na extensão da responsabilidade civil do fundo, visto que esta é matéria de competência legislativa federal. Diferentemente da Companies Act, a qual é lei nacional nas Ilhas Cayman, a Resolução limita-se a regular a definição estatutária da distribuição de responsabilidade civil entre cotistas, o que seria uma possibilidade legal concedida pelo Código Civil. Visto a isto, a CVM fez um trabalho normativo extenso na delegação aos fundos a decisão sobre a extensão da responsabilidade civil dos cotistas, prevendo, por exemplo, a previsão estatutária de fundos de responsabilidade limitada ou ilimitada, como dita o artigo 18. Porém, como já dito, é uma regulação restritiva, devido à limitação da competência normativa de uma agência reguladora.

No sentido da responsabilidade civil dos fundos em si e sua restrição aos ativos de um portfólio segregado, recai sobre os administradores utilizar-se dos recursos legais disponíveis, como fazer constar em estatuto cláusulas de limitação de responsabilidade jurídica, ou recorrer a institutos como a afetação na condução de seus negócios.

A tributação
A legislação interna das Ilhas Cayman não tem tributos corporativos, de renda, de ganhos de capital ou demais tipos tributários que se apliquem a companhias conduzindo negócios off shore. Neste aspecto, devido à laxidão tributária do país, a categorização dos portfólios é irrelevante, tendo os fundos completa liberdade de modelar seus negócios da forma mais eficaz possível.

Na legislação brasileira, porém, devido aos ajustamentos necessários para reduzir as alíquotas tributárias do Imposto de Renda sobre Ganhos de Capital, há a disposição expressa na Resolução CVM nº 175, artigo 5º, §1º, que todas as classes de cotas devem pertencer à categoria do fundo, de forma a não alterar o tratamento tributário dado às classes. Isto gera complicações na diversificação do portfólio, visto que talvez seja necessária a abertura de um novo fundo para expansão do escopo dos investimentos (o que em si já gera um custo burocrático adicional), a inclusão de negócios com tributação superior à possível ou a desistência de oportunidades de investimento que poderiam ser rentáveis aos cotistas.

Conclusão
Conforme o exposto neste breve artigo, observa-se a boa intenção da CVM em dinamizar o mercado de capitais brasileiro, buscando acompanhar o mercado financeiro internacional em suas regulamentações, inclusive indo além de jurisdições mais experientes em certas áreas na sua política de desburocratização e flexibilização normativa. É louvável ver a disposição da Diretoria da CVM de dinamizar o mercado de capitais brasileiro dentro de suas competências, mesmo com as limitações que lhe são forçadas.

Não se pode imputar à Autarquia a lentidão em ajustar-se às tendências comerciais internacionais, visto que tais mudanças trazidas pela Resolução CVM nº 175/2022 só foram possíveis devido à Lei da Liberdade Econômica, a qual dependeu dos trabalhos políticos do Congresso Nacional. Igualmente, não se pode ignorar que as limitações impostas à modernização do mercado de capitais, sendo algumas abordadas neste artigo, são de competência legislativa da União Federal, o que gera amarras à capacidade reformadora da CVM.

Cabe às administradoras dos fundos de investimento, assim como a seus advogados, ter perspicácia jurídica no sentido de ajustar os fundos às lacunas e fraquezas da Resolução, geradas pelas debilidades legais do sistema jurídico pátrio, e buscar a proteção necessária para melhor condução possível dos negócios.

Autores

  • é mestrando em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com ênfase em Direito Regulatório e Mercado de Capitais e sócio do escritório Vinicius Betini Advocacia.

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