Opinião

Quando a audiência de conciliação viola o princípio da celeridade

Autor

  • Wévertton Gabriel Gomes Flumignan

    é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.

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19 de maio de 2023, 6h09

A Lei nº 9.099/95 dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais e dá outras providências, mencionando em seu artigo 2º os critérios que norteiam os processos dos juizados, dentre os quais a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, devendo-se buscar, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

Da própria leitura do dispositivo legal percebe-se que os critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade devem sempre orientar os processos nos juizados, enquanto que a conciliação ou a transação devem ser buscadas sempre que for possível. Em outras palavras, quando for viável e houver possibilidade de conciliação ou transação, deve-se buscar tais medidas, não havendo imposição legal na realização.

O princípio da celeridade processual é de tamanha importância que foi elevado a cláusula pétrea com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que inseriu o inciso LXXVIII ao artigo 5º:

"Art. 5º, LXXVIII, CF – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

Ao analisarmos a Lei nº 9.099 nota-se uma clara inclinação à solução por meio da conciliação, assim como o Código de Processo Civil de 2015, que busca a conciliação e mediação em diversos momentos.

Observando-se o artigo 16, da Lei nº 9.099, tem-se disposto que a sessão de conciliação, em regra, deveria realizar-se no prazo de quinze dias contados do registro do pedido na secretaria do juizado. De fato, atualmente, mais de vinte anos depois da promulgação da Lei nº 9.099, tal prazo é quase impossível de ser cumprido, tendo em vista, principalmente, a quantidade de processos que as Varas dos juizados especiais cíveis possuem. Não raras vezes, a sessão de conciliação acaba por demorar vários meses para ser realizada.

O Código de Processo Civil possui premissa semelhante, determinando que o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, consagrando um sistema multiportas na resolução dos conflitos. Pela letra da lei, somente não será realizada tal audiência se as partes expressamente manifestarem desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição (artigo 334, §4º, CPC).

Em determinadas Varas, inclusive, já existe a tendência, com base nos princípios constitucionais da celeridade e da duração razoável do processo, de deixar de designar audiência prévia de conciliação em determinados casos. Nestes, a audiência poderá ser realizada caso as partes se manifestem pelo interesse em realizá-la durante a tramitação processual.

Perceba que, diferente do que dispõe o Código de Processo Civil de que a audiência somente não seria realizada se as partes manifestarem expressamente seu desinteresse, tem-se inclinação à flexibilização da obrigatoriedade de realização da audiência de conciliação, somente sendo realizada se as partes expressamente manifestarem o interesse nesta.

Ainda que o Código de Processo Civil seja categórico no sentido de que a audiência de conciliação seria dispensada no caso de manifestação da parte pelo seu desinteresse, algumas Varas judiciais ainda obrigam as partes a participarem de tal audiência que em grande parte das vezes não alcança o objetivo desejado, mesmo no caso de alguma das partes ter se manifestado contrária à realização.

A título de exemplo, em determinados casos, a parte ré, não raras vezes, encaminha preposto ou advogado apenas para se fazer presente na audiência de conciliação e não ser declarada revel nos termos do artigo 20 da Lei nº 9.099. Corriqueiramente, tais representantes da parte ré não possuem qualquer proposta ou margem para se chegar a uma conciliação razoável e solucionar o imbróglio.

Algumas Varas da Justiça comum e do juizado especial, percebendo tais fatos, já adotaram a sistemática de determinar de plano a citação da parte ré para que apresente a sua contestação.

Nesse caso, flexibilizando a ideia de obrigatoriedade da audiência de conciliação, determinam que no prazo de resposta, a parte ré deverá informar se há disposição em colaborar para o desate consensual da lide, formalizando algum tipo de acordo. Se a parte ré se manifestar positivamente, haverá a audiência de conciliação.

Percebendo o lapso temporal excessivo para se marcar a audiência de conciliação no âmbito dos juizados especiais cíveis e a impossibilidade de se cumprir o prazo do artigo 16, da Lei nº 9.099, foi editado o Projeto de Lei nº 4.901 de 2020, que busca alterar a Lei nº 9.099, a fim de tornar facultativa a realização das audiências de conciliação e de instrução e julgamento nos processos de sua competência.

Caso o projeto de lei seja aprovado, o juiz poderá dispensar a audiência de conciliação quando uma das partes manifestar expressamente desinteresse na composição consensual, hipótese em que o juiz ordenará a citação do réu para que apresente contestação no prazo de 15 dias. Entre as justificações de tal alteração tem-se a de que isso agilizaria os procedimentos nos juizados especiais cíveis, na medida em que o excesso de processos que neles tramitam acarretam um lapso temporal excessivo entre a designação e a efetiva realização das audiências, prejudicando ainda mais as partes.

Além da audiência de conciliação, atualmente as partes possuem acesso a e-mails, telefones e endereços umas das outras, contando com uma ampla gama de tecnologia que facilita a solução consensual de conflitos. De fato, se as partes desejarem mesmo a solução consensual do conflito tais meios são os mais adequados e, percebendo que poderá haver um acordo consensual, as partes poderão formular um pedido de realização de audiência de conciliação nos autos do processo.

Deve-se atentar, ainda, que muitas vezes a parte que teve prejuízos e busca o ressarcimento acaba sendo novamente penalizada ao ter que se afastar do trabalho e de seus afazeres para participar da audiência de conciliação que, em muitos casos, poderá ser infrutífera.

De fato, a importância da audiência de conciliação é evidente, mas deve ser analisada a sua eficácia e viabilidade casuisticamente, a fim de que o princípio da celeridade seja respeitado, tendo em vista que muitas vezes a demora em se realizar tal audiência é tamanha que acaba por prejudicar a celeridade processual e a duração razoável do processo, gerando ainda mais prejuízos as partes.

Nesse sentido, inclusive, foi editado o enunciado 30 do Fórum de Juizados Especiais do Estado de São Paulo, que determina que não é obrigatória a designação de audiência de conciliação se a matéria for exclusivamente de direito:

"Enunciado 30, Fojesp – Em se tratando de matéria exclusivamente de direito, não é obrigatória a designação de audiência de conciliação e de instrução no Juizado Especial Cível."

Por mais que tal enunciado do Fojesp mencione que a audiência de conciliação não seja obrigatória somente em relação a matérias exclusivamente de direito, deve-se estender tal possibilidade também para casos envolvendo matérias de fato, pois em eventual audiência de instrução e julgamento poderá ser analisada todas as nuances envolvendo as questões fáticas bem como poderá ser realizada a conciliação.

Além disso, tal entendimento do enunciado do Fojesp também poderia, em tese, ser aplicado aos casos que tramitam na justiça comum, visto que se adequa ao que dispõe o Código de Processo Civil e a ideia de celeridade buscada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Portanto, com a finalidade de dar maior celeridade processual e evitar maiores prejuízos as partes, deve ser analisada casuisticamente a possibilidade ou não de audiência de conciliação, permitindo que as partes externalizem tal vontade em suas manifestações processuais, flexibilizando a ideia de obrigatoriedade da audiência de conciliação. O Projeto de Lei nº 4.901 de 2020, caso venha a ser aprovado, poderá trazer ainda mais celeridade aos processos no âmbito dos juizados especiais cíveis, possibilitando às partes que demonstrem ou não o seu interesse na realização de audiência de conciliação.

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