Opinião

Gratuidade na Justiça não necessariamente atinge a população menos favorecida

Autores

  • Roberto Luis Troster

    é sócio da Troster & Associados bacharel (Prêmio Gastão Vidigal) e doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pós-graduado em banking pela Stonier School of Banking. Foi economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC) professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da USP e consultor de empresas governos e instituições financeiras no Brasil e no exterior incluindo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

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  • Vanessa Ribeiro Mateus

    é juíza e presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).

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18 de maio de 2023, 16h15

A Justiça do Brasil é percebida por muitos como ineficiente e cara. É fato, os processos são demorados e o Poder Judiciário consome 1,2% do PIB para seu funcionamento. Uma justiça demorada é menos justa e quanto mais recursos são destinados ao Judiciário menos recursos sobram para outros destinos importantes, como saúde e educação.

O problema não é a produtividade dos juízes brasileiros, que em média julgaram 1.588 processos em 2021. A título de comparação, anualmente são 800 processos por magistrado na Espanha, 620 na Argentina, 530 na Itália, 400 nos Estados Unidos e 350 na Alemanha. Na média, os brasileiros julgam mais processos do que os desses países.

Spacca
Vanessa Mateus é juíza

O problema também não é excesso de juízes por habitante. Brasil tem um juiz para cada 11.764 habitantes, Espanha um para cada 8.929 habitantes, Suécia um para cada 8.621 habitantes, Itália um para cada 8.403 habitantes, Portugal para cada 5.155 habitantes e Alemanha um para cada 4 mil habitantes.

As raízes das dificuldades são múltiplas, a mais importante é o congestionamento do sistema, são 77 milhões de processos em tramitação. Só em 2021, foram 28 milhões de casos novos. O Poder Judiciário está sobrecarregado.

Apontamos a seguir três motivos causadores do congestionamento: 1. Critérios das gratuidades; 2. Sistema de custas do Judiciário; e 3. Litigância imoderada do setor público. Geram uma corrida ao Poder Judiciário com finalidades distantes daquelas pretendidas. Quais sejam: a pacificação social, a apresentação de modelos de conduta e a sensação de justiça.

Critérios das gratuidades
A justiça diz respeito à sociedade como um todo. A Justiça Criminal e a Justiça Eleitoral são de interesse de toda sociedade e devem ser custeadas pelo orçamento. O acesso à justiça dos mais necessitados também faz parte do que diz respeito à sociedade como um todo.

Implica em estruturas de garantia de acesso aos que não têm condições de arcar com os custos, as gratuidades. Todavia, as gratuidades concedidas com critérios alargados estimulam o acesso de quem tem condições de arcar com os custos, em que os benefícios são só privados e os custos de toda a sociedade.

O percentual de processos que tramitaram pelo Poder Judiciário em regime de gratuidade foi de 30% em 2021. Esse percentual leva em conta apenas os feitos em que incidem custas, na medida em que os feitos criminais e aqueles que tramitam perante os Juizados Especiais somam outros 20% do total dos processos em tramitação.

Outro ponto é que a gratuidade não necessariamente atinge a população menos favorecida. Ilustrando. Nas duas unidades da federação com a renda per capita mais alta do país, Distrito Federal e São Paulo, os percentuais de gratuidades são de 30% e 38% respectivamente. E em estados com rendas mais baixas, como Rio Grande do Norte e Piauí, são de 2% e 3%. O razoável seria que os com menos renda tivessem o percentual mais elevado. Há mais exemplos.

A gratuidade é efetivamente necessária em determinados casos. Mas é preciso que a definição dos casos em que a gratuidade incide seja clara. Não há parâmetros mínimos para aferição da insuficiência. Uma proposta deste artigo é que a gratuidade, dentro do razoável, seja concedida mediante a fixação de critérios da sua necessidade e da comprovação desses critérios.

2. Sistema de custas do Judiciário
Grande parte da justiça diz respeito a interesses eminentemente privados, como discussão de contratos, indenizações por ato ilícito e divórcios. Nesses casos, embora haja cobrança de custas, não cobrem o custo de tramitação dos processos. As custas totais arrecadadas correspondem a menos de 14% do custo total do Poder Judiciário.

A segunda proposta do artigo é uma reestruturação do sistema de custas, que cubra os custos de cada processo exclusivamente privado. Há projetos já nesse sentido. É tornar sustentável a prestação dos serviços jurisdicionais. Com a transferência do custo do Poder Judiciário ao particular, é razoável esperar uma racionalização maior da opção por litigar e uma prevenção à procrastinação de processos (na medida em que quanto maior o tempo, maior o custo).

As gratuidades sem critérios e um sistema de custas abaixo dos custos incentivam o litígio no Judiciário. Apesar dos investimentos em centrais de composição e métodos de conciliação, em 2021, apenas 12% dos feitos terminaram mediante homologação de acordos. Na esfera cível do sistema de Justiça norte-americano, os índices de acordo chegam a 77% dos feitos.

3. Litigância imoderada do poder público
Não é apenas o particular que litiga sem ônus ou com custas abaixo dos custos. O poder público também e é o maior litigante no Judiciário brasileiro. As execuções fiscais representam 35% do total de casos pendentes no Brasil.

Agravando o quadro, quando perde, o Estado recorre sistematicamente usando prerrogativas processuais e a prática dos atos judiciais de seu interesse independe de prévio depósito. A justificativa para essas prerrogativas é o interesse público, que não pode ser confundido com extrativismo fiscal.

Há uma interpretação equivocada da Lei da Responsabilidade Fiscal. O Estado foca primordialmente em extrair, no curto prazo, o máximo de recursos. Problemas temporários de liquidez dos devedores, em função das regras de correção das dívidas se tornam problemas permanentes de solvência. O foco deveria ser o crescimento da base de tributação, na saúde financeira de cidadãos e de empresas.

As três propostas são razoáveis, e se implantadas, devem descongestionar o sistema, acelerar a tramitação de processos e reduzir os custos do Judiciário. Enfim, tornarão a Justiça brasileira mais justa.

*o artigo foi publicado originalmente no Valor Econômico

Autores

  • é sócio da Troster & Associados, bacharel (Prêmio Gastão Vidigal) e doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pós-graduado em banking pela Stonier School of Banking. Foi economista chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da USP e consultor de empresas, governos e instituições financeiras no Brasil e no exterior, incluindo o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

  • é juíza e presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).

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