Seguros Contemporâneos

Mitigação dos efeitos da mora do devedor no mercado de seguros

Autores

  • Fabrício Marques de Oliveira

    é advogado gerente de operações na Mapfre especialista em Direito Civil e Empresarial pela Damásio Educacional especialista em Gestão Jurídica em Seguros e Resseguros pela Escola de Negócios e Seguros (ENS) e associado na Associação Internacional de Direito Securitário (Aida).

    View all posts
  • Thiago Gabbardo

    é advogado sócio do escritório Müller & Moreira Advocacia especialista em Direito dos Seguros pela Fundação do Ministério Público (RS) e associado na Associação Internacional de Direito Securitário (Aida).

    View all posts

11 de maio de 2023, 8h00

Em 16/12/2022, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), ao julgar o Recurso Especial nº 1.820.963, posicionou-se em relação à mora do devedor e reflexos desta nas formas de atualizações dos valores depositados em juízo, bem como de quem seria tal responsabilidade, temas estes que apresentam diversas discussões e ideias antagônicas. 

A decisão em voga fez a efetiva distinção entre: 1) o valor que é depositado para fins de quitação, e consequentemente, satisfação da execução e 2) o valor que é depositado com intuito de embasar eventual discussão futura (seja decorrente de a garantia do juízo e/ou penhora).

Na interpretação do julgado, depreende-se que, na primeira situação, em havendo concordância com o valor depositado, não há debate quanto a ser necessária nova atualização quando da liberação do valor, ou seja, adimplido o débito, extingue-se a dívida.

A celeuma, por sua vez, e matéria de debates, ressoa na segunda situação, na qual o STJ leciona que, sendo o depósito judicial realizado sem a liberação imediata ao credor, quando o numerário é utilizado para fins de garantia do juízo ou decorrente de penhora de bens, haverá o acréscimo de encargos moratórios.

Sobre este ponto, ainda, ao julgar o referido recurso, o tribunal prevê que, quando da efetiva entrega de dinheiro ao credor, o devedor deverá deduzir o saldo da conta judicial do montante que é devido, ocorrendo assim a atualização monetária até o momento do repasse do numerário. Ou melhor, apesar de o devedor ser responsável pelos encargos moratórios de sua dívida, pontua-se que a natureza dos juros remuneratórios é distinta dos juros moratórios, pelo que deverá a primeira ser deduzida do montante devido do saldo da conta judicial.

Neste sentido, expressa o novo entendimento do STJ (Tema 677/STJ):

"Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial."

Corroborando com o entendimento do julgado, necessário destacar que este posicionamento está atrelado à discussão existente na ação judicial subjacente ao recurso, que tratou da "inércia" do devedor, sendo necessária a realização de penhora para satisfação do crédito devido. Inclusive, para fins de conhecimento e elucidando o acima exposto, impera destacar que, no recurso especial, a parte recorrente sinalizou que não teria ocorrido a espontânea garantia do juízo pelo devedor, mas sim depósito decorrente de penhora online.

Em vista desse debate, bem como a demora superior a três anos para levantamento de parte da quantia, o juiz de primeiro grau, nos autos subjacentes ao recurso em tela, afastando a pretensão do credor quanto a necessidade de remuneração após a penhora, assim entendeu: "(…) os juros terão como termo final a data do depósito judicial (dezembro/2009). Compreende-se os argumentos da requerente, mas a mora cessa com o depósito judicial do valor integral do débito, seja ele espontâneo seja ele resultado de arresto ou penhora. A partir do depósito judicial não há mora, e o valor será atualizado pela instituição bancária oficial."

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reforçou este posicionamento ao indicar já na ementa do agravo de instrumento interposto em face da decisão supra transcrita ao discorrer que "Não cabe ao devedor, segundo entendimento firmado pelo STJ, responder por juros ou correção monetária no tocante ao período em que o numerário permaneceu em depósito judicial".

Assim, considerando que "a jurisprudência da Terceira e Quarta Turmas passou a oscilar entre a aplicação, ou não, do Tema 677/STJ nas hipóteses em que o depósito judicial não é feito com o propósito de pagamento ao credor, repercutindo a divergência nos demais juízos e Tribunais pátrios", o STJ reviu o entendimento para, desta vez, reforçar que o devedor será responsável pelos consectários legais de sua mora até o efetivo levantamento do valor devido pelo credor.

Quanto ao ponto, inclusive, constou no julgado que "a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor".

Esta decisão, além das questões teóricas e ideológicas, tem implicações práticas e de ordem financeira que impactarão também o mercado de seguros. Isto porque, a decisão confirma que os encargos moratórios serão de responsabilidade do devedor até a efetiva disponibilização do crédito ao credor, o que implica dizer que, a depender da situação, será necessária a complementação do depósito efetuado para satisfazer a diferença entre os juros moratórios e os remuneratórios, fato que, em uma comparação simples do período acumulado dos últimos 12 meses, apresenta-se como 10% mais onerosa ao devedor.

Desta forma, os gestores destes riscos judiciais deverão ter consciência dos impactos da decisão e, por via de consequência, terão que adotar medidas estratégicas tanto para reduzir o prejuízo financeiro oriundo dos processos judiciais, como ações para garantir que o provisionamento das ações que já possuírem liquidações observe eventual majoração de condenação em razão dos encargos moratórios.

Inclusive, uma possibilidade aventada pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em seu voto contrário à decisão definitiva, foi no sentido de destacar que a decisão posta poderá desestimular o depósito judicial e, juntamente com este entendimento, já apresentou uma das estratégias possíveis para mitigar o risco financeiro, sendo ela a apresentação de seguros de garantia judicial ou outros títulos que possam, provisoriamente, substituir os depósitos judiciais.

Tal entendimento se apresenta como assertivo na medida em que, ao substituir o depósito judicial por títulos que garantam a execução, o devedor não imobiliza o seu capital financeiro e, neste cenário, tem ainda a possibilidade de realizar investimentos que, possivelmente, terão margem superior àquelas existentes na remuneração da conta judicial.

Sem prejuízo da assertividade do posicionamento do ministro, é certo também que outras estratégias poderão ser adotadas pelas Companhias Seguradoras para mitigar o risco financeiro destas situações, dentre as quais destacam-se: a gestão jurídica com vistas à realização de acordos e/ou depósitos voluntários em ações com baixa probabilidade de êxito; e a adição de provisão suplementar em casos que existam depósitos judiciais sem a liberação ao credor.

Apesar de a prática de composições judiciais estar em crescimento no mercado de seguros desde a promulgação do novo Código de Processo Civil, a decisão em comento traz consigo mais motivos para que esta prática seja ainda mais fomentada nas seguradoras, em especial porque para se estimar a economia financeira os gestores dos riscos deverão, além de valorar o risco presente, adicionar na conta a previsão futura com os juros de mora.

Ademais, os pagamentos voluntários, apesar de não trazerem economia no momento presente, também se tornam mais viáveis na medida que são reduzidos riscos financeiros futuros. Quanto a isto, importante apenas reforçar que, de acordo com a decisão, há a necessidade de tais depósitos serem feitos para quitação e efetivo levantamento do devedor, sob pena de não se estancar o prejuízo futuro.

Pois bem, ainda com respeito às possíveis estratégias e ações que deverão ser avaliadas a partir desta decisão está a necessidade de provisionamento adequado das situações que já estão depositadas nos autos e que permanecem sendo discutidas, sem o levantamento ao credor. Isso porque não é incomum, neste mercado, que os depósitos judiciais realizados esgotem o provisionamento, sob o fundamento do entendimento anterior do tema 677/STJ, o qual foi, inclusive, ratificado na decisão do TJSP acima transcrita. Melhor dizendo, entendia-se que o depósito judicial já seria suficientemente atualizado pelos encargos remuneratórios das contas judiciais.

Ora, com o novo entendimento, apesar de tal revisão poder significar um aumento no provisionamento das Companhias, acredita-se que necessária será tal revisão, sob pena de os gestores subestimarem as provisões, fazendo com que sejam necessários complementos não conhecidos e, principalmente, seja ocultado o real risco financeiro das ações judiciais, fato que, por conseguinte, pode prejudicar o resultado da Seguradora.

Enfim, em vista destes ajustes, tem-se que a decisão do STJ buscou delegar ao devedor a responsabilidade de suas ações, em alinhamento com o princípio da causalidade. Além disso, notoriamente vem garantir maior segurança jurídica ao tema, seja por dirimir um conflito de entendimento que permeava as suas Turmas, seja para garantir entendimento assertivo sobre a natureza remuneratória das contas judiciais e dos juros de mora, oriundos da mora dos devedores.

Agora, com a decisão posta, resta aos gestores dos riscos jurídicos avaliar as melhores opções para minimizar os prejuízos e manter a credibilidade de suas operações no mercado segurador.

Autores

  • é advogado, gerente de operações na Mapfre, especialista em Direito Civil e Empresarial pela Damásio Educacional, especialista em Gestão Jurídica em Seguros e Resseguros pela Escola de Negócios e Seguros (ENS) e associado na Associação Internacional de Direito Securitário (Aida).

  • é advogado, sócio do escritório Müller & Moreira Advocacia, especialista em Direito dos Seguros pela Fundação do Ministério Público (RS) e associado na Associação Internacional de Direito Securitário (Aida).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!