Opinião

A Casa da Suplicação do Brasil e a independência do STF

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10 de maio de 2023, 9h13

Na história da humanidade não tardou a surgir a figura do juiz, que logo ganhou certa independência diante dos reis, como forma de garantir a imparcialidade de suas decisões. Mas foi com a derrota do absolutismo pelas revoluções liberais que um Judiciário independente passou a ser visto como necessário ao Estado de direito e à democracia.

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Entre nós, poucos meses após a chegada da família real, o alvará régio de 10 de maio de 1808 transforma a Relação do Rio (tribunal de apelação sediado no Rio de Janeiro) na Casa da Suplicação do Brasil, que passa a ser a máxima instância da Justiça brasileira, não mais subordinada à Justiça portuguesa e em pé de igualdade com a corte de mesmo nome sediada em Lisboa.

Nessa data em que celebramos a memória e a independência do nosso Judiciário (10 de maio: Dia da memória do Poder Judiciário, instituído pela Resolução 316/2000 do CNJ), o contexto atual nos leva a refletir também sobre o papel do Supremo Tribunal Federal, que sucedeu à Casa da Suplicação do Brasil e ao Supremo Tribunal de Justiça do Império.

Nos últimos tempos, enfrentamos uma ameaça real e concreta à democracia e ao regime constitucional instaurado em 1988. Os atos de 8 de janeiro não foram meros atos de vandalismo, mas se inserem numa lógica mais abrangente observável durante todo o governo anterior, de ataque generalizado às instituições.

Uma premissa da democracia, para quem adere a ela de boa-fé, é aceitar a derrota eleitoral; se um grupamento político tenta deslegitimar de antemão o resultado das urnas, de forma leviana, não está mais atuando "dentro das linhas" do campo democrático. A deslealdade para com as instituições e missões do Estado brasileiro revelou-se e está ainda se revelando nos mais variados domínios: na política indigenista, ambiental, sanitária.

Às cortes constitucionais são conferidas garantias de independência para que, justamente, possam resistir a governos e movimentos que tentem subverter a ordem jurídica vigente.

O artigo 60 da Constituição dá-nos uma ideia do núcleo duro da democracia cuja defesa, em última instância, cabe ao STF: garantir os direitos individuais, o voto livre, a separação dos poderes, a forma federativa. Insere-se aí o chamado "papel contramajoritário" da corte constitucional, incumbida da garantia dos direitos fundamentais diante de ataques que podem advir dos poderes eleitos.

O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que com ele guarda laços orgânicos, estiveram à altura do desafio, desincumbindo-se da missão com inegável êxito. A todo tempo, reafirmaram a vigência de uma ordem constitucional que não cederia facilmente às tentativas de engolfá-la.

Alguns, imbuídos do intuito de desinformar, tentam hoje apresentar o STF como inimigo da liberdade de expressão. Mas um conhecimento mínimo da jurisprudência constitucional dos últimos anos não deixa margem a dúvidas. Cito algumas decisões de firme defesa desse direito fundamental pelo Supremo: a decisão sobre a "marcha da maconha", autorizando-a; a decisão sobre as biografias não autorizadas, dispensando a anuência do biografado; a decisão que impediu o ingresso de forças policiais nas universidades em época eleitoral; a decisão, enfim, que declarou não recepcionada a lei de imprensa.

Mas os direitos fundamentais têm limites e podem conflitar entre si, como admitem de forma unânime os constitucionalistas. No famoso "caso Ellwanger", que tratou de publicações antissemitas, o STF entendeu que a liberdade de expressão em nosso país não pode atentar contra a dignidade da pessoa humana.

Quando se viu confrontado com o fenômeno novo das redes sociais e das fake news, o STF manteve-se firme na mesma perspectiva de que um direito não pode ser exercido para desinformar, confundir, caluniar e prejudicar direitos de terceiros e da sociedade em geral.

Aprimoramentos, sim, são possíveis e mesmo bem vindos à nossa Corte Constitucional e ao sistema jurídico em geral. O Supremo deve conviver com os demais Poderes e respeitar seus espaços próprios e discricionários de atuação. Mas neste 10 de maio nosso sentimento deve ser de admiração e orgulho pela independência da nossa Justiça, que começou já em 1808, antes mesmo da independência do Brasil, e continua sendo de grande valia para o nosso povo.

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