Opinião

Ação rescisória calcada no artigo 966, VII do CPC e Justiça do Trabalho

Autores

  • Alberto Bastos Balazeiro

    é ministro do Tribunal Superior do Trabalho ex-procurador-geral do Trabalho doutorando em Direito (IDP) e mestre em Direito (UCB).

  • Raquel L. S. Santana

    é assessora jurídica no TST mestra em Direito (UnB) autora da obra As Cuidadoras na Sala de Visita: Regulamentação Jurídica do Trabalho de Cuidado à Luz da Trilogia de Carolina Maria de Jesus (Editora Dialética 2022).

5 de maio de 2023, 6h04

Não é novidade que a coisa julgada material formada nos processos trabalhistas pode ser desconstituída mediante ação rescisória, que é disciplinada pelo artigo 966 do CPC de 2015. Neste dispositivo são previstas oito distintas hipóteses de admissão da ação rescisória. No presente ensaio, teceremos considerações acerca dos pressupostos de admissibilidade da ação rescisória ajuizada com fundamento na descoberta de "prova nova" (artigo 966, VII, do CPC/2015). 

O artigo 966, VII, do CPC prevê que a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando "obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".

Conforme compreensão já há muito sedimentada na Súmula 402, I, do TST (publicação original em 20/4/2017), diversamente do que parece conduzir a rápida leitura do dispositivo, a "prova nova" deve ser cronologicamente velha. Ou seja, para fins de ação rescisória é, de fato, necessário que a "prova nova" já tenha nascido velha. Isso significa que a prova em questão já deveria existir à época em que prolatada a decisão que se pretende rescindir (coisa julgada material) mediante ação rescisória. 

Contudo, essa não é única exigência para que a ação rescisória com fulcro no artigo 966, VII do CPC possa ser admitida e, ainda, julgada procedente na Justiça do Trabalho.

A doutrina e a jurisprudência firmada no âmbito da Subseção Especializada II do TST (Tribunal Superior do Trabalho) harmonizam-se na construção de, ao menos, outros três pressupostos inafastáveis.

Em primeiro lugar, além de já ser existente ao tempo do trânsito em julgado da decisão rescindenda, a "prova nova" deve, necessariamente, ser ignorada pelo interessado ou de impossível utilização, à época da formação da coisa julgada. A esse respeito discorrem Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

"Prova nova é aquela cuja ciência é nova ou cujo alcance é novo. O novo Código fala em prova nova e não mais em documento novo. Isso quer dizer que não só a prova documental nova dá azo à ação rescisória. (…) Prova nova é aquela preexistente ao processo cuja decisão se procura rescindir. Não é prova nova aquela que se formou após o trânsito em julgado da decisão". (Novo Código de Processo Civil comentado, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, RT, 2016, pp. 1.024/1.025).

Nesse espectro, a comprovação do momento em que a parte teve acesso ou ciência da "prova nova" — se anterior ou posteriormente ao trânsito em julgado do feito matriz- constitui outro requisito essencial de admissibilidade da ação rescisória calcada no artigo 966, VII, do CPC.

TST
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Tem-se aqui pressuposto de destacada relevância, haja vista que a causa de rescindibilidade prevista no artigo 966, VII, do CPC é regida por rito especial no que se refere ao prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória.

De fato, o caput do artigo 975 do CPC prevê que o direito à rescisão da coisa julgada decai em dois anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. No que se refere às ações desta natureza ajuizadas com fundamento em "prova nova", o direito de ação terá início com a "descoberta da prova nova", observado o prazo máximo de cinco anos desde o trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir.

A respeito deste rito especial de contagem do prazo decadencial em ações rescisórias, comenta Vinícius Silva Lemos:

"São dois prazos a serem cumpridos quando da alegação de descoberta da prova nova [em ações rescisórias]: o prazo de dois anos após a descoberta; e o prazo de cinco anos do trânsito em julgado. O autor da ação rescisória deve preocupar-se com a conjunção dos dois prazos, ou seja, que seja descoberta em, no máximo, cinco anos do trânsito em julgado e, a partir da descoberta, deve cumprir o prazo de dois anos para a proposição da demanda. Importante, ainda, salientar que o autor deve comprovar a data de tal descoberta, talvez o mais difícil a ser realizar na demanda, mas essencial para tal cumprimento". (LEMOS, Vinícius Silva. A amplitude de impugnação na ação rescisória: decisão parcial, coisa julgada prejudicial, capítulos da decisão e coisa julgada progressiva. Revista Eletrônica de Direito Processual – Redp. Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 1. Janeiro a Abril de 2019. Disponível aqui..

Além disso, a jurisprudência do TST vem reiteradamente adotando a compreensão de que para fins de ação rescisória, será considerada como "prova nova" aquela que somente foi acessada pela parte em momento processual, na ação originária, em que não mais seria possível admiti-la para subsidiar o julgamento da decisão cujo corte rescisório se almeja. Nesse sentido é o julgamento proferido no RO-5661-95.2014.5.09.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 23/09/2022.

Outro pressuposto de admissibilidade de ação rescisória fundamentada no artigo 966, VII, do CPC refere-se à cabal comprovação da impossibilidade de acesso à prova antes do trânsito em julgado da decisão contra a qual se volta o corte rescisório. A esse respeito são os ensinamentos de Fredie Didier. Jr.e Leonardo Carneiro da Cunha:

"É que, nos termos do artigo 966, VII, do CPC, a prova nova deve ser obtida 'posteriormente ao trânsito em julgado'. O momento da descoberta da prova nova deve ocorrer depois do trânsito em julgado. Se ainda era possível à parte produzir a prova no processo originário, e não o fez, não caberá a rescisória. Esta somente será cabível, se a prova foi obtida ou se tornou possível em momento a partir do qual não se permitia mais produzida no processo originário.
A ação rescisória, no caso do inciso VII do artigo 966 do CPC, deverá ser intentada por petição inicial que venha acompanhada do documento novo ou da indicação da prova nova a que alude o referido dispositivo. Não se permite seja a ação rescisória intentada, sem a indicação da prova nova e a demonstração do momento de sua descoberta ou da possibilidade de sua produção. Isso porque um dos requisitos da rescisória, nesse caso, é, como se viu, a comprovação de que o autor da rescisória só teve acesso à prova, 'posteriormente ao trânsito em julgado'. Ora, se ainda não teve acesso à prova, não lhe cabe, por enquanto, propor a ação rescisória."

(Curso de Direito Processual Civil: meio de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, p. 502-505).

Quanto ao aspecto, veja-se que a jurisprudência do TST é a de que deve haver demonstração de força maior que conduziu à impossibilidade de utilização da alegada "prova nova" no processo em que proferida a decisão rescindenda (e.g.: ROT-7602-80.2011.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 09/09/2022).

Assim, não é suficiente que a parte que pretende se beneficiar da rescisão da coisa julgada alegue meramente ter enfrentado dificuldades para produzir a prova no processo de origem. Tampouco a ela socorre o direito quando a "prova nova" não pôde ser utilizada porque estava em poder de terceiros. A esse respeito discorre Manoel Antonio Teixeira Filho:

"Cremos que uma regra doutrinária deve ser agora enunciada a respeito desse assunto: sempre que o interessado deixar de produzir a prova documental nos autos do processo primitivo, por ato que lhe possa ser imputado, o documento, obtido tempos depois, não deve ser admitido como fulcro da ação rescisória; se, em sentido inverso, a não juntada do documento deveu-se a fato que não possa ser assacado (motivo de força maior subtração do documento pela parte adversa etc.) à parte, esta poderá, obtendo-o depois usá-lo como supedâneo da ação rescisória". (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Ação Rescisória no Processo do Trabalho, São Paulo: Editora Ltr, 3ª edição, 2017).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência segue em sentido semelhante. Além de ser inequívoca a necessidade de que a "prova nova" seja existente à época da decisão rescindenda (AR n. 6.980/DF, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 28/9/2022, DJe de 4/11/2022), é necessária a demonstração de que o autor não teve condições de produzi-la no processo originário por motivos alheios à sua vontade e à sua disponibilidade, seja porque desconhecida ou por não estar acessível (AgInt na Pet nº 15.287/SP, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/10/2022, DJe de 21/10/2022).

Desta feita, seja na Justiça do Trabalho, seja na Justiça Comum, caso não seja observada a processualística regente desta hipótese rescisória, não será possível realizar o exame acerca da força probante da "prova nova" para, isoladamente, conduzir à rescisão do julgado rescindendo.

Portanto, a despeito de ser a Justiça do Trabalho ramo especializado, que é regido, em sua gênese, pelos princípios da informalidade e da simplicidade, a transmudação da coisa julgada material almejada com fulcro em "prova nova", a que alude o artigo 966, VII, do CPC. depende não só da apresentação de prova cronologicamente velha, mas também do preenchimento de requisitos outros, sem os quais a novidade não será suficiente para dar vida à pretensão rescisória.

Autores

  • é ministro do Tribunal Superior do Trabalho, ex-procurador-geral do Trabalho, doutorando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e coordenador Nacional do Programa Trabalho Seguro (CSJT).

  • é assessora jurídica no TST, mestra em Direito (UnB), autora da obra As Cuidadoras na Sala de Visita: Regulamentação Jurídica do Trabalho de Cuidado à Luz da Trilogia de Carolina Maria de Jesus (Editora Dialética, 2022).

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