Opinião

Traumas do ataque em Blumenau: responsabilidade do empregador?

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2 de maio de 2023, 17h16

Recente episódio trágico em cenário brasileiro reavivou discussões que há tempos têm gerado preocupação nos foros pedagógicos: a violência dentro das escolas.

As manchetes nos veículos de comunicação e redes sociais, a cada novo episódio, trazem a contabilidade dos mortos e feridos e relatam atos heroicos de professores e funcionários na defesa dos infantes cuja guarda lhes fora confiada, pra fins educativos, entretanto.

O ataque contra a creche em Blumenau (SC), relembra que existem pontos jurídicos complicados e ainda não enfrentados dentro deste contexto de imprevisões, tais como, no campo trabalhista: qual seria (se existente) a responsabilidade do empregador pelos danos causados em seus empregados, em eventos como esse?

Os tempos são nebulosos, ainda mais quando se tem ciência da comoção social intrínseca a cada episódio destes, sobrelevando as questões a patamares de ainda maior envergadura e impregnando o racional jurídico, o que pode causar alguma nebulosidade e, daí, equívocos técnicos.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é incontestável ao destinar ao empregador a responsabilidade pelos riscos e despesas de seu negócio. O artigo 2º, consoante suas determinações, estabelece que "aquele que assume os riscos da atividade econômica será empregador".

Partindo desse prisma, percebe-se que os impactos dos acontecimentos que ocorram dentro das redomas do negócio, serão de responsabilidade daquele que previamente assumiu este risco, ou seja, no campo das relações de trabalho, do empregador. Mas de que forma o responsabilizar diante de evento trágicos como o recentemente ocorrido no estado de Santa Catarina? Seria possível ao empregador prever atos violentos dessa envergadura?

Em primeiro momento, até se poderia questionar se o empregador estabeleceu medidas mínimas de segurança na escola, precauções que evitassem o ataque, ou qualquer ato de violência que pudesse previamente ser antevisto — se é que atos terroristas e bárbaros podem ser profetizados.

Em primeiro, salvo se se reclassificarem os estabelecimentos de ensino doravante, não se pode presumi-los contextos de "atividades de risco", a avocar automaticamente a responsabilidade objetiva dos empregadores quanto a tais episódios de chacinas.

Em segundo, no campo da culpa, em sendo comprovado que, dentro dos moldes mínimos esperados, o empregador garantiu a segurança dos que trabalham no local, há que se afastar sua responsabilidade, pois não há que se falar em culpa patronal quando o empregador agiu dentro do que se esperava, medianamente, para proteger seus empregados.

Aprofundando o debate, é oportuno trazer institutos jurídicos previstos na legislação cível e trabalhista: a força maior e o caso fortuito. Segundo os artigos 501 a 504 da CLT, estes se tratariam de acontecimentos que por estarem alheios à vontade daquele que conduz o negócio, lhe seriam de impossível previsão e, daí, fora do campo de sua responsabilidade, pois fatos extraordinários. Razão pela qual, opina-se que, se existentes estratégias e estruturas medianas de segurança, em episódios como os de Blumenau, restaria mitigada/excluída a responsabilidade do empregador, por não ter concorrido, direta ou indiretamente, para o acontecido a seus empregados.

Mas a reflexão não pode parar por aqui, pois o risco persiste, embora absurdo. Portanto e por oportuno, chama-se a atenção das entidades de representação coletiva do campo laboral: é momento de as categorias profissionais envolvidas enfrentarem a questão com energia, incluindo estruturas e práticas de segurança, além de treinamento contra a violência, em suas pautas reivindicatórias negociais em face do empregador.

Mas não só: quiçá seja momento de levante coletivo direcionado ao Estado pois, sim, é o Estado que detém estruturas capilarizadas de segurança e assistência social capazes de estancar e prevenir esta onda de atentados, propagando a cultura de paz, incutindo nas famílias e grupos sociais o dever de vigilância de seus entes, notoriamente de suas vivências digitais, apontadas por especialistas como principais espaços de incitação aos comportamentos violentos.

Não se pretende, com esta opinião, desvincular os empregadores de suas responsabilidades para com seus empregados, longe disto. Só não se pode atribuir ao empregador um risco imponderável que, em final de contas, é público em essência.

Certamente, episódios como o da Creche de Blumenau (e outros) deixam marcas e danos, materiais e imateriais, nos trabalhadores dos estabelecimentos desafortunadamente eleitos como alvos da ira irracional de seres humanos fora de si e do mundo. Mas, do ponto de vista da responsabilidade civil trabalhista, é difícil atribuir esta conta aos empregadores, tão vítimas quanto todos os demais.

O tema além de profundo, é atravessado por questões sociais, políticas e governamentais, mas não se pode desviar o olhar e, simploriamente, resolver os impactos de ataques pela via das "perdas e danos". A realidade impõe atos mais complexos, pensados de forma sistêmica e colaborativa. Grandes debates, programas de urgência, ostensividade nas ações. Estado, escolas, sindicatos, igrejas, associações de bairro, enfim, todos devem assumir a responsabilidade diante dos atentados e atuar de forma repressiva e preventiva.

As instituições de ensino fazem a guarda de bens por demais preciosos, tesouros das famílias e futuro do país, o que exige esmero de seus dirigentes, mas também de todos os que as consideram espaços e ferramentas para a construção da cidadania e do Estado Democrático de Direito, necessariamente um Estado de Paz.

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